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CARTAS DE LONDRES
fevereiro 18, 2004
  Powell e os seus parceiros Na última carta do primo americano de que toda a gente gosta, publicada sob a forma de artigo de capa na última Foreign Affairs, Colin Powell defende que ninguém percebe nada da actual política externa norte-americana. Os EUA têm uma diplomacia embora toda a gente só repare no seu exército. Preocupam-se imenso com outras grandes questões do mundo, para além das ADMs, como a pobreza e a SIDA. Na verdade, a política externa de Washington está longe de ser unilateral, baseia-se numa estratégia de parcerias! Só este tom do artigo já levanta questões. Afinal qual é a eficácia de uma diplomacia que não consegue sequer fazer passar a mensagem de que existe e conta? Claro que as guerras tendem a concentrar as atenções. Mas o problema de base com a tese de Powell é que, como qualquer político experimentado sabe, a política efectiva está no orçamento. E a este nível é difícil não reparar na diferença astronómica entre os gastos norte-americanos em defesa e em tudo o resto. Os seus exemplos e argumentos também não são muito convincentes. Um dos exemplo apresentado pelo Secretário de Estado norte-americano como prova de que os EUA dão importância aos seus parceiros é o Quarteto e o seu papel no processo de paz no Médio Oriente... Por fim, Powell, depois de insistir que o objectivo dos EUA relativamente à Europa é estabelecer parcerias e recusar polaridades, abre um sub-capítulo calorosamente intitulado ‘Embracing Great Powers’, em que comenta que embora ‘procuremos ter tão boas relações quanto possível’ com todos os países, ‘por razões práticas’, os EUA irão ter de ‘concentrar’ as suas atenções nas ‘grande potências – Rússia, Índia e China’. Eu, por mim, percebo perfeitamente. Mas então não era suposto haver uma nova enfâse na diplomacia norte-americana em defender impecáveis credenciais democráticas e em combater a proliferação de ADMs? Enfim, para bom entendedor meia palavra basta. Parece que afinal mesmo o primo simpático da América só vai estar para quem tiver poder e dimensão para merecer atenção. 
fevereiro 13, 2004
  Os Suspeitos do Costume Pacheco Pereira diz, no tom razoável do costume, coisas que não são nada razoáveis. Os servicos de informação foram usados pelo presidente norte-americano e pelo primeiro-ministro britânico para intimidar todos os que se opuseram à forma como decidiram lidar com o Iraque. Apesar de na altura não terem faltado notícias de 'espiões' profissionais que consideravam que o seu trabalho estava a ser distorcido e transformado numa fonte de certezas, quando informações certas é coisa que não há. Bush II e Blair acederam aos inquéritos à prestação dos serviços secretos sobre as AMDs no Iraque para ganharem tempo até às próximas eleições. Estes não são inquéritos judiciais, são inquéritos políticos de iniciativa governamental. E mesmo que os políticos venham a ser considerados culpados de alguma coisa por estas comissões, o que parece pouco provável dado o seu mandato, elas não têm poder para depor governos. Só os eleitores o poderão fazer.
Toda a gente sabe que os inquéritos vão ser usados politicamente. Faz portanto todo o sentido que a utilização pelos políticos da informação dos serviços secretos seja também parte daquilo que vão investigar. Como David Kay, o homem nomeado por Bush II para encontrar armas no Iraque, defendeu, ainda há poucos dias, isso é essencial para se perceber realmente perceber o que correu mal em todo este processo. Se assim não for, a questão que se deve colocar é qual é o real objectivo deste inquéritos? Será culpar os suspeitos do costume? Ou seja, os servicos de informação de que muita gente suspeita por sistema? 
fevereiro 11, 2004
  Blair sobreviveu, mas por quanto tempo? Para quem está a escrever de Londres há um vizinho de que não se pode deixar de falar, Tony Blair. Líder do Partido Trabalhista britânico desde 1995. Primeiro-ministro do Reino-Unido desde 1997. A sua sobrevivência no topo da política britânica apenas se viu seriamente ameaçada com a crise do Iraque em 2003, e, particularmente nestas últimas semanas. É significativo que o Economist, que o tem geralmente apoiado, tenha aparecido com uma capa com a legenda – I Survived!
O dinamismo e capacidade de liderança de Tony, e a sua grande facilidade em lidar com os media e os eleitores são em boa parte a explicação quer do seu extraordinário sucesso inicial quer das suas dificuldades actuais. Ele sempre foi um político missionário, que aponta para metas ambiciosas e controversas e não desiste até alcançá-las. Também foi ele que introduziu o marketing político à americana numa escala nunca vista na Grã-Bretanha. A sua ideia de uma Cool Britannia, de uma Grã-Bretanha dinâmica, importante, na vanguarda global mais uma vez, criou enormes expectativas. O seu gabinete de imprensa, até há pouco dirigido com mão de ferro pelo controverso Allastair Campbell, geria a sua imagem com um professionalismo e uma dureza inauditas. Em suma, quando se adopta sistematicamente objectivos tão ambicioso quer no campo interno quer no campo externo, é quase impossível que mais tarde ou mais cedo, não se depare com sérias dificuldades. Quando se aposta tanto na gestão de imagem, é inevitável que se acabe por criar tensões com jornalistas e comentadores. O que é de realçar é que tenha levado tanto tempo!
Blair é um resistente, sem dúvida. Precisamente por isso qualquer prognóstico sobre a sua morte política arrisca-se a ser precipitado, como se viu. Ele tem uma enorme capacidade de reagir às situações. Mas embora tenha conseguido sobreviver a esta crise, a sua capacidade de iniciativa política está seriamente danificada. Confiança e expectativas são um pouco como a virgindade, uma vez perdidas são difíceis de recuperar. E são especialmente importantes para o estilo de liderança de Blair. Um líder populista que mantinha o seu partido na linha, apesar da resistência de muitos dirigentes da velha e da nova guarda, porque garantia uma mais valia eleitoral pela força do seu carisma. Esta equação está neste momento invertida. O Partido Trabalhista é hoje mais popular do que ele. Tal como o Partido Conservador o era quanto forçou a impopular Thatcher a afastar-se. A diferença está na sólida e leal equipa partidária e ministerial de que Blair se rodeou. Ele, mais do que a Dama de Ferro, parece capaz de inspirar afeição. Mas pensar que eles não estão a pensar no pós-Blair seria ter uma ideia muito inocente da política. 
fevereiro 05, 2004
  O Papa, o Cowboy e o Annan Tripp concordou com um iraquiano xiita presente que se o ayatollah Sistani rompesse com os norte-americanos a situação se complicaria muito seriamente. A luta armada poderia estender-se a boa parte do país, como sucedeu em 1920, quando a perda do apoio dos alto clero xiita transformou revoltas localizadas numa revolta generalizada que forçou os britânicos a retirarem em toda a linha e a perderem 600 homens na ‘reconquista’ que se seguiu, matando pelo caminho muitos milhares de iraquianos, o que tornou a sua presença, a partir daí, uma fonte ainda maior de controvérsia.
Embora Sistani, esta espécie de papa do xiismo, seja um tradicionalista, ou seja, um defensor da tradição quietista de que o clero não se deve involver na política, precisamente por isso, se desse a luz verde para um corte com os norte-americanos, mesmo os moderados no seio da maioria xiita dificilmente poderiam continuar a colaborar com Washington. Para muitos seria um questão de honra mostrar que as palavras do seu guia tinham impacto no terreno. Ou seja, as coisas escapar muito rapidamente ao controlo de Washington, Londres (ou Lisboa), num pais onde abundam as armas e se multiplicam as milícias de todo o tipo (muitas delas toleradas pelos norte-americanos). Tripp vai ao ponto de considerar possível um cenário do tipo da retirada sangrenta e apressada do tipo do Líbano em 1983.
Felizmente, os norte-americanos começam agora a ter alguma noção da ‘can of worms’ que têm nas mãos (para usar a expressão usada para se referir ao Iraque por um alto responsável do tempo de Bush pai). E é por isso que Bush II, o cowboy solitário, anda agora a mendigar o apoio de Annan para tentar apaziguar o velho Sistani. Este recusa-se sequer a encontrar-se com norte-americanos, mas aceita receber representantes da ONU. Esperemos que resulte. O Iraque já sofreu o suficientemente com Saddam para ser vítima de ainda mais desgraças, e o Mundo com certeza não ficaria mais seguro se isso viesse a suceder. Mas é irónico não é? E, sobretudo, tanta coisa ainda pode correr mal. Tripp terminou dizendo que uma guerra civil de todos contra todos, precisamente do tipo do Libano, não sendo inevitável é uma possibilidade. Claramente bin Ladin e companhia estão a pensar o mesmo, e a fazer o possivel para isso vir a acontecer. 
  Iraque em Londres Ontem conheci Charles Tripp, autor de uma recente e excelente história do Iraque, que foi traduzida para várias línguas, inclusive o português, e que foi até há pouco tempo director da SOAS. Ele diz-se dominado por uma terrível sensão de déja vu. Com os erros iniciais da ocupação britânica após a conquista destes territórios otomanos durante a Primeira Guerra Mundial, a serem agora repetidos. Nomeadamente a dissolução súbita do exército e da administração, e as dificuldades em lidar com a liderança xiita. E isto em 2003, ou seja, depois de décadas de estudos a chamar a atenção para a importância da tarefa da desmobilização gradual e da integração controlada na vida civil das forças armadas numa situação de pós-conflito! E depois de Khomeini ter tomado o poder no vizinho Irão, contra todas as previsões!
Mas porque é que os britânicos e os norte-americanos não aprenderam com os peritos? Simples, respondeu Tripp. O Departamento de Estado e o Foreign Office há muito que vinham mantendo contacto frequente com especialistas no Iraque. No caso dos norte-americanos numa escala enorme – o chamado Iraq Project – que o artigo de James Fallows na última Athlantic Monthly descreve em pormenor. Portanto, o problema não foi falta de informação ou de consulta, mas sim que os políticos em Londres e Washington não gostavam do que os especialistas tinham para dizer. ‘Chamávamos a atenção para demasiadas dificuldades!’ Eles também não parecem ter querido peritos no terreno a atrapalhar. O número de arabistas é reduzido na Autoridade da Coligação - umas meras dezenas! Em suma, ‘eles achavam que sabiam o que iam fazer! Nada de muito complicado!’ Quem é que disse que ninguém podia ter previsto esta confusão toda? 
Este é um blog liberal, cheio de convicções e à procura de patrocínios. Temas? As coisas que realmente (me) interessam. Procuramos, acima de tudo, seguir as máximas do nosso João das Regras «Olhai, porém vede!» e do imortal bispo inglês Joseph Butler, «Things and actions are what they are, and the consequences of them will be what they will be: why then should we desire to be deceived?» Divirtam-se, que nós também. Comentários: BrunoCardosoReis@sapo.pt

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