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CARTAS DE LONDRES
março 16, 2004
  Savonarola Blair, o Spectator volta a atacar O Spectator de 13 de Março publica um texto do colunista do Times, Simon Jenkins, intitulado Nothing to fear but fear itself. Duas publicações e um colunista que não são propriamente próximas do Bloco de Esquerda. Jenkins ataca Tony Blair e os seus aliados na dita guerra contra o terrorismo por recorrerem a tácticas de manipulação da opinião pública dignas de Savonarola. O texto, além de ilustrar o tom selvagens das críticas de que Blair é actualmente alvo, tem o interesse de colocar a situação actual em perspectiva. Será que o risco para a civilização ocidental é realmente maior do que na época ainda bem recente da ameaça soviética, com milhares de armas de destruição massiça apontadas às nossas cabeças? Ou nos anos em que a conquista de toda a Europa por Hitler, um ditador racista e genocida, esteve iminente? Jenkins não nega a ameaça terrorista. Mas não acredita que se possa dizer que o Ocidente liberal nunca enfrentou nada pior. Além de considerar que a estratégia seguida até agora por Bush II e Blair tem muito que se lhe diga em termos de eficácia no combate ao terrorismo; acima de tudo recomenda aos líderes actuais que sigam realmente o exemplo do tão citado Churchill e não percam a calma! Um bom conselho. Sobretudo se a ameaça for mais a sério do que aquilo que Jenkins pensa - o texto foi escrito a.M., ou seja, antes de Madrid. E uma coisa são mísseis à distância, ou uma inimigo que se pode combater numa guerra convencional. Outra é um inimigo escondido que nos pode matar a caminho do trabalho. É normal estarmos assustados. Mas do que não precisamos é de líderes que nos assustem ainda mais. Afinal, o que é podemos fazer contra o perigo escondido sabe Deus aonde? Como dizia Júlio César numa peça relativamente conhecida de Shakespeare, um covarde morre muitas vezes, um homem de coragem só morre uma vez. E sim, eu sei que ele morreu daí a pouco. O que importa é a moral da história. A moral da história é resolution, como diria Sir Winston. E determinação é o contrário de histeria. 
  Arte por junto, o romeno e o grego Duas exposições mostram como a nova indústria das exposições individuais faz todo o sentido, por muito que se ache que poderia ter sido feita outra selecção, ou que tudo não passa de uma máquina de fazer dinheiro mostrando outra vez obras que todos já vimos. Porque diabo, por exemplo, é que há tão poucos dos bronzes mais famosos de Brancusi na exposição na Tate Modern? Não interessa. Embora até uma razão, a de que se quer chamar a atenção para o lado mais artesanal do estilo do romeno. O que interessa é que podemos ver obras magníficas em mãos particulares ou em colecções perdidas no meio dos EUA. E sobretudo ver obras não tão magníficas ou inovadoras, mas que, colocadas no sítio certo, tornam a evolução do artista tão mais perceptível. No caso de Brancusi isso é especialmente claro nas duas versões do Beijo, uma mais em bruto, em mãos privadas, e a mais polida e conhecida. Ou na série de cabeças adormecidas com que abre a exposição, que só por si valeriam a visita. E que o são o argumento mais óbvio para a tese do catálogo sobre um classicismo diferente do romeno, uma busca socrática da essência das coisas.
A mesma revelção na exposição na National Gallery dedicada a El Greco. Começa com o fim de uma especulação, a de que ele afinal nunca tinha pintado ícones na sua Creta nativa. Há alguns anos foi descoberta a sua assinatura numa Virgem Adormecida que terá de regressar à catedral de Syros a tempo da Páscoa ortodoxa! E os quadros menos interessantes individualmente, os do início, são os mais reveladores sobre a evolução do seu estilo altamente pessoal, mas nem por isso menos influenciado pela arte italiana. Particularmente interessantes são duas Anunciações, que copiando o estilo prevalecente em Itália, na passagem de um para outro quadro anunciam já o novo brilho das cores de El Greco. Ou um pequeno tesouro, antes na posse de Delacroix e agora em Upton House, algures em Inglaterra, uma cópia de estúdio com magníficas cores de El Espolio. Ou a reunião de uma série de obras finais de El Grego, provavelmente destinadas a uma capela e dispersas depois da sua morte, tendo como centro a magnífica Imaculada Conceição actualmente numa igreja paroquial de Toledo. Enfim, vinde e vede. Nenhum reprodução faz justiça às cores de El Greco, ou pode dar a oportunidade de ver as esculturas de Brancusi em todos os seus ângulos. 
  Zapatero ¿Menos Mal? Os espanhóis decidiram o seu voto muito por causa dos atentados do 11 M. É pena, pelo princípio e pelas possíveis consequências. Antes, o eleitorado estava dividido entre recompensar o sucesso da política económica de Aznar ou castigar o seu extremado sentido da autoridade do Estado, em evidência na cegueira no caso Prestige, ou no confronto com a esmagadora maioria da população – 90% segundo algumas sondagens – com o envio de tropas para o Iraque. Claro que os líderes têm de saber liderar, mas também têm de saber conquistar seguidores... Um problema dramático para o PSOE de Zapatero. O líder socialista não tinham conseguido ser credível como opção de mudança. Até aos ataques terroristas. Até milhões de espanhóis se convencerem de que a cegueira autoritária e o desprezo pela opinião pública do PP tinham chegado ao ponto de manipular as informações sobre os bombistas. Eu tenho dúvidas. Mais depressa acredito no auto-convencimento dos ministros de que tinha de ser a ETA! Havia razões para isso, afinal. Mas é verdade que com acesso à mesma informação, o Rei nunca se comprometeu em relação à atribuição dos atentados a qualquer grupo específico. E as instruções para as embaixadas sobre a linha certa de uma investigação em curso parecem estranhas. Seja como for, Zapatero foi eleito, mas com um mandato limitado. Ele é o líder à falta de melhor e in extremis. Tem duas opções, qualquer delas com riscos. Ou tenta surpreender pela capacidade de iniciativa, avança com políticas próprias sem se importar com o passado, mas é preciso que o Parlamento, onde é minoritário deixe, além de que pode acabar apodado de Aznar II. Ou tenta uma via mais conciliatória e a imagem de indeciso pode colar-se-lhe definitivamente. A sua posição quanto ao Iraque parece apontar para a primeira hipótese, embora não seja tão revolucionária como parece. E vamos ver se quanto à Europa vai ser realmente europeísta quando for a doer- na questão da ponderação do voto espanhol.
A vida continua, mesmo com a morte aqui tão perto, o que não quer dizer que seja fácil. Como se vê no brilhante novo filme do mexicano Alejandro Iñarritu… 
março 13, 2004
  Madrid e Bagdade Continuo a pensar que os atentados de Madrid podem ter sido uma acção da ETA, embora esta não seja uma questão encerrada. Hoje o mercado do terrorismo internacional está inflacionado, o que torna, infelizmente, bem mais fortea probabilidade de ataques brutais. Mas se for a Al-Qaeda, em parceria com a ETA ou sozinha, a verdade é que isto torna absolutamente claro como o combate ao terrorismo não beneficiou em nada com a invasão do Iraque. O número de atentados tem-se multiplicado depois da queda de Bagdade. E sempre foi evidente para todos os analistas sérios que Saddam Hussein, apesar de anos de esforços da Administração Bush II para provar o contrário, não era um patrocinador importante do terrorismo internacional. O mesmo não se pode dizer da Líbia, com quem os EUA se mostram disponíveis a negociar. E portanto os apelos à solidariedade com as vítimas e de coordenação na luta contra os grupos terroristas - que tem feito imensos progressos nos últimos anos, diga-se, e em que a França tem sido particularmente importante - não devem servir para, mais uma vez, tentar vender a campanha iraquiana como parte de uma ofensiva contra o terrorismo em relação à qual a Administração Bush II tem a resposta. Infelizmente, tal como em relação ao crime vulgar, este é um combate de longo prazo, muito difícil, e provavelmente sem fim. Um combate em que a dimensão policial é fundamental, mas não única, ele vai da negociação com grupos que aceitam desarmar-se, como na Irlanda, até acções militares como no Afeganistão. Mas a operação militar que levou ao derrube de Saddam Hussein, algo que em si mesmo ninguém de bom senso lamenta, claramente não contribuiu em nada para esta luta contra o terrorismo. Pelo contrário, criou mais um foco de violência de que os extremistas se alimentam. 
  Os EUA, a Europa e o Mundo Mesmo alguns neoconservadores, ok, um, Robert Kagan, começam a reconhecer que talvez tenham ido longe demais. Afinal parece que os EUA não são assim tão poderosos como isso. O cowboy solitário sente falta de amigos para controlar a manada global... A verdade é que a Administração Bush II com a pressão de se ver reeleita quer o mais possível aparecer publicamente como ligada à comunidade internacional, e especialmente à Europa antes tão desprezada, nomeadamente na questão do Iraque em que já se fala de mandato da ONU e tropas da NATO. Mudança política de fundo? Há razões para ter dúvidas. A Europa corre o risco de ser usada para fins eleitorais por aqueles que mais fizeram por minar o seu peso em Washington. Um bom teste da seriedade desta mudança é perceber se Bush II estará preparado para dar à Europa mais voz nos problemas do Médio Oriente. Isso é muito pouco provável, para por a coisa em termos moderado, especialmente na questão chave de Israel num - já falei nisto antes? - ano de eleições presidenciais norte-americanas. Se não é essa a razão, qual é a pressa? Não faria mais sentido da parte dos líderes europeus que têm guardado distância de Bush II, mostrar boa vontade em relação às dificuldades do EUA e companhia, mas esperar mais uns meses até depois de Novembro de 2004? Será que aguentarão até lá?? Afinal, as celebrações na Normandia no verão já vão dar umas boas fotos para a campanha do amigo Bush II. 
março 12, 2004
  Tragédia de Madrid e os perigos da israelização O ataque terrorista em Madrid é terrível e condenável. Podia ter sido eu, é um pensamento que vem sempre mais ao de cima quando o mal acontece mesmo ao lado. Precisamente porque morreu tanta gente é importante parar para pensar sobre o significado desta carnificina. Neste momento não é claro quem organizou o ataque. Se foi a ETA significa que finalmente ultrapassou um limiar que há muito observava, mas parecia mais frágil nos últimos tempos, de não visar 'civis'. Ou seja, 'só' matava políticos que se opunham ao seu nacionalismo exclusivista - para os 'traidores' ou os 'invasores' a morte! Auto-determinação por auto-mutilação. Perante a ofensiva policial do último ano, em que praticamente não consegui realizar nenhum atentado, a ETA estaria assim a reagir com a lógica natural neste tipo de grupos extremistas em que a violência é uma marca de fidelidade à causa e se torna o próprio elemento definidor da vanguarda lutadora. Decidiu ser ainda mais brutal. Se se trata da Al-Qaeda então significa que está a prosseguir a guerra contra os EUA por via dos seus aliados, o elo mais fraco, como tem feito no Iraque. O facto de o ataque vir na sequência de outras tentativas falhadas nas últimas semanas da parte da ETA parece favorecer a primeira hipótese. No entanto, seria prematuro excluir a segunda, com o seu modelo operacional de ataques simultâneos em zonas de grande concentração de pessoas. Ou talvez uma colaboração de ambas. O que é evidente é que nas vésperas das eleições espanholas em que o PP fez do anti-terrorismo uma arma de arremesso, o ataque é tudo menos politicamente inconsequente. O que se desenha, quer seja obra da ETA ou da Al-Qaeda, é uma aposta deliberada dos terroristas no resvalar para um ciclo vicioso de que Israel e a Palestina são o exemplo perfeito. É por isso que é importante atentar na mensagem oportuna e lúcida do Rei Juan Carlos, Unidad, firmeza y serenidad en la lucha contra el terrorismo, con todos los instrumentos que nos proporciona el Estado de Derecho... Unidad, firmeza y serenidad por encima de las legítimas diferencias de opinión, en torno a la más firme voluntad de convivencia pacífica y democrática. Em suma se não se pode fechar os olhos ao terrorismo, seria uma vitória para os terroristas conseguirem controlar o processo político num país democrático como a Espanha, nomeadamente alterando o sentido do voto nas próximas eleições. O fim da campanha eleitoral espanhola simboliza o desejo de evitar isso mesmo. Embora seja pouco provável, esperemos que nenhum espanhol mude o seu sentido de voto por causa do que aconteceu em Madrid. 
março 03, 2004
  Blog do Blair e o banco de jardim Ou pelo menos o mais próximo disso que vão encontrar. Uma série de entusiastas do N.10 de Downing Street começaram um blog com relatos dos encontros diários entre uma série de jornalistas políticos e o gabinete de imprensa de Tony Blair para receberem o input to primeiro-ministro em relação à actualidade. A última vez que dei uma espreitada um dos temas era o facto de Blair ter dormido uma noite ao relento num banco de jardim em Londres na sua juventude. Não dizem aonde. Embora mais tarde ou mais cedo é garantido que vai ter direito a placa. Grande polémica quanto ao significado da coisa. A minha interpretação é simples, o gesto, longe de mostrar o radicalismo do jovem Blair, é a prova de que já na altura ele era uma pessoa sensata. Entre voltar a casa e dormir num hotel ele escolheu a terceira via, o banco de jardim. O que tendo em conta o preço do alojamento em Londres significa que decidiu que àquela hora e no estado em que provavelmente estava não valia a pena gastar dinheiro num hotel (devia ser Verão). Percebo perfeitamente. 
março 02, 2004
  Lutar contra as propinas estudando Também aqui o aumento das propinas provocou polémica. É fácil de perceber porquê. Os aumentos são ainda mais a doer do que em Portugal, apesar de os apoios também serem maiores, e a lei que acabou por passar ainda os reforçar. Independente dos méritos da ideia, e este é um campo em que nos inclinamos para o lado de Blair, porque nos parece ser uma das formas de combater o desnível cada vez maior entre os recursos das universidades americanas e do resto do Mundo, o que é certo é que a ideia não agrada à associação de estudantes de King's College, que decidiu exigir tratamento à americana para propinas à americana. Nada mais nada menos do que ficar toda a noite na biblioteca a trabalhar como forma de protesto, e exigir que a dita passe a estar aberta 24 horas como sucede em muitas universidades nos EUA! Independentemente de se saber quantos estudantes é que conseguiram ficar realmente a estudar durante toda a noite, a ideia é bem mais feliz do que trancar as universidades a cadeado. 
  Escutar, sim, mas com respeito... Mas o ponto mais importante deste escândalo das escutas é que elas demonstram a importância que os EUA e a Grã-Bretanha continuam a dar à ONU, apesar de todas as declarações de amor ao unilateralismo de um e do outro lado do Atlântico. E tem razão o director do Público, estas escutas têm uma longa história. Os norte-americanos começaram por fazer escutas às delegações da própria assembleia preparatória da fundação das Nações Unidas. É muito prático, se alguém se esquecer do que disse numa conversa, pode sempre perguntar aos americanos ou aos ingleses. Para os historiadores então é uma bonança de informação potencial. Obrigado Tony e George por esta contribuição para preservar a memória desta grande instituição. 
  Blair à defesa A revelação de Claire Short sobre as escutas britânicas na ONU é bem revelador da sanha que actualmente existe em alguns sectores do próprio Partido Trabalhista contra Tony Blair. Um homem que apenas há um par de anos atrás parecia ter tudo para continuar a ser por muito tempo um dos mais populares primeiro-ministro trabalhistas de sempre. A senhora Short não é propriamente um anjo de inocência. Escolheu largar esta bomba precisamente no dia em que Blair e o seu sucessor na pasta da Cooperação anunciavam uma nova iniciativa para África. Os tempos em que Short se dedicava à caridade e ao desenvolvimento estão no passado, agora a sua principal ocupação é mesmo a destruição de Blair! O embaraço deste último com este caso foi transparente. E embora o primeiro-ministro britânico não tenha baixado os braços como resultado de todas estas crises, depois da vitória tangencial na guerra das propinas fez a promessa de que as suas futuras iniciativas políticas de fundo serão mais debatidas no seio partido. Outro sinal da sua fragilidade é a saída nos últimos tempos de uma série de pessoas da sua equipa no N.10 de Downing Street – Allastair Campbell, o homem da comunicação; dois dos seus homens de maior confiança, Jeremy Heyhood e Peter Heyman; assim como os seus dois principais conselheiros para assuntos externos, Sir David Manning e Sir Stephen Wall, o responsável das questões europeias, que pode nem ser substituído. Que melhor símbolo das dificuldades da política europeia de Blair? Também aqui ele está na defensiva, como a cimeira com Chirac e Schröder demonstra. 
Este é um blog liberal, cheio de convicções e à procura de patrocínios. Temas? As coisas que realmente (me) interessam. Procuramos, acima de tudo, seguir as máximas do nosso João das Regras «Olhai, porém vede!» e do imortal bispo inglês Joseph Butler, «Things and actions are what they are, and the consequences of them will be what they will be: why then should we desire to be deceived?» Divirtam-se, que nós também. Comentários: BrunoCardosoReis@sapo.pt

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