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CARTAS DE LONDRES
maio 29, 2004
  D Day minus 9 Promessa é promessa, e dever de bom europeu e atlantista é dever de bom europeu e atlantista! Hoje a bola passa para Sir Winston:
A world organization has already been erected for the prime purpose of preventing a war. [The] UN, the successor of the League of Nations, with the decisive addition of the United States [...] We must make sure that its work is fruitful, that it is a reality and not a sham, that it is a force for action [...], that it is a true temple for peace in which the shields of many nations can some day be hung up, and not merely a cockpit in a Tower of Babel. [...] I have, however, a definite and practical proposal to make for action. Courts and magistrates may be set up but they cannot function without sheriffs and constables. The United Nations must immediately begin to be equipped with an international armed force. (Discurso em Westminster College, Fulton (Mississipi), 5 de Março de 1946.)
Quanto a livrinhos, vou voltar a insistir no Warren Kimball, e no seu Forged in War, Roosevelt, Churchill, and the Second World War. Ele também editou a extraordinária correspondência entre FDR e Sir Wiston (foi um dos meus grandes prazeres no ano passado em Churchill College dar um vista de olhos a este baú de tesouros!). Por aí se percebe que as coisas não foram sempre wine and roses. No momento mais negro da guerra Sir Winston chegou a duvidar de Roosevelt e dos EUA. Mas foi também Churchill que a certa altura desabafou que: The only one thing worst than Allies, is not having Allies! E estes dois titãs liberais, no momento de maior risco para o projecto liberal, acabaram por construir uma parceria decisiva. 
maio 28, 2004
  Guerras esquecidas, o que fazer? Alguns dirão que o Mundo é assim! Mas então convém, pelo menos de quando em quando olhar de frente esta realidade. A BBC mais uma vez faz a diferença, e começou precisamente hoje a transmitir uma série na TV e pôs no seu sítio um cantinho dedicado às guerras esquecidas. Mas mesmo sabendo onde é que elas ficam, quem é vai meter-se em confusões? Muitas ONGs, de San Egidio até à nossa Oikos, fazem o que podem e mais do que podem, da mediação até à ajuda às vítimas. Outras vezes bastaria o mínimo de atenção e pressão externa para fazer alguma diferença - veja-se a intervenção britânica na Serra Leoa. Mas este é o melhor argumento para se avançar com aquilo que está previsto desde o início, e há anos que se fala - criar uma força permanente sob comando da ONU para lidar com crises em que ninguém se voluntaria para ajudar. Não resolvia tudo (ver post D Day minus 10), mas podia fazer a diferença em casos como o Ruanda ou o norte do Uganda. Afinal uma das razões porque o LRA sobrevive é porque o exército ugandês tem tido outras prioridades, mais a sul, no Ruanda e no Congo rico em minerais. 
  As Guerras Esquecidas Há uns dias atrás, ao ler um post do Paulo Gorjão (post 1002) e do Francisco José Viegas (post 368) fiquei com vontade de também eu lembrar as guerras esquecidas. Conflitos de baixa intensidade, que apesar do nome muitas vezes se prolongam há décadas e geram enormes carnificinas. Além de alimentarem economias de guerra assentes no tráfico de pessoas, de drogas, e de armas e na pilhagem dos recursos naturais.
O recorde de longevidade pertence provavelmente à Birmânia, que praticamente desde a independência, em 1948, tem vivido em ditadura militar e com guerrilhas separatistas. Mas os casos são infelizmente muitos, e os dois lados geralmente brutais. O recorde actual pertence provavelmente ao Lord’s Liberation Army que combate no norte do Uganda com a ajuda do governo do Sudão. É uma guerra digna de The Heart of Darkness ou da sua encarnação cinemática em Apocalipse Now, só que o Kurtz é um nativo... O LRA é dirigido por um místico que se crê enviado divino, e usa sistematicamente sacrifícios rituais, a mutilação, o rapto e a violação como armas de guerra. Quem lá esteve vem com uma ânsia quase irreprimível de pedir contas ao Mundo. Como é possível que ninguém faça nada!? Uma das resposta habituais está na abundância destes conflitos. Basta passar os olhos pelo almanaque das guerras, o SIPRI Yearbook. Há o Sahara espanhol aqui ao lado (uma descolonização exemplar), as Filipinas, a Colômbia, o Afeganistão, o Laos, a Índia, o Nepal, e uma série de conflitos interligados no Cáucaso, do Azerbaijão até à Chechénia. Em África, há duas enormes zonas de crise. Uma que vai da Somália, Etiópia/Eritreia, até ao Sudão, Uganda, Ruanda e Congo. E outra na África Ocidental de Casamansa até à Costa do Marfim. E há mais.
Por outro lado, como diz Francisco José Viegas, são conflitos chatos de seguir, e em zonas perigosas e que não interessam a ninguém - a carnificina repetida e distante enfastia. Em alguns casos a guerra está relativamente pacificada. Mas geralmente é a paz dos cemitérios e dos exílios. Frequentemente também os beligerantes alcançaram uma espécie de modus vivendi, em que a guerra é literalmente um modo de vida partilhado, uma economia de extorsão em que nada mais pode crescer, mas de que alguns beneficiam muito. Um verdadeiro mundo Hobbesiano de vidas curtas e brutais, de que o melhor símbolo são as crianças soldados - há que aproveitar a carne para canhão enquanto dura... 
maio 27, 2004
  D Day minus 10 Inspirados pela galeria dos horrores do Acidental, resolvemos comemorar os 60 anos do dia D, o princípio do fim da hora mais negra da história europeia, pondo em linha todos os dias (ou quase) umas palavrinhas dos grandes arquitectos desse dia, e da ordem internacional que resultou da vitória de 1945, como a ONU e outras coisas parecidas. Falamos, claro, de Sir Winston Churchill e de Franklin Roosevelt, em primeiro lugar, e possivelmente, se sobrar espaço, alguns outros. Vamos também recomendar alguns sites ou livros, embora o tempo seja escasso e a disposição pudesse ser melhor. Mas estamos firmemente decididos a aderir ao estoicismo, a ética mais adequada a estes tempos de tormenta, e que melhor inspiração que esses dois?
Hoje começamos com Franklin Delano Roosevelt:
Perfectionism, no less than isolationism or imperialism or power politics, may obstruct the paths to international peace. Let us not forget that the retreat to isolationism a quarter of a century ago was started not by a direct attack against international cooperation but against the alleged imperfections of the peace.
(Discurso do Estado da União de 6 de Janeiro de 1945.)
Assim respondia Roosevelt aos que atacavam a nascente ONU, da forma óbvia, não se deita fora o bebé com a água do banho!
Quanto a leituras, embora a nova biografia de Conrad Black valha a pena, até pela curiosidade de ver um conservador rendido ao génio do New Dealer, o melhor é começar pelo grande retrato de Roosevelt em The Juggler de Warren Kimball. Roosevelt era, de facto, um malabarista assumido. Mas um malabarista com princípios e projectos. E, já agora,um estóico, veja-se a forma como lidou com a doença que o pôs de cadeira de rodas. 
  Porto Campeão! Para quem está fora a alegria de uma vitória portuguesa é sempre muito especial. Obrigado Porto. Só espero que depois de mais uma vez ter provado o seu nível internacional, o FCP e os portistas se deixam de complexos, e aprendam a perder e ganhar com um bocadinho mais de generosidade. As teorias da conspiração (sempre elas!) abundam no futebol português. Nem todas serão delirantes, parece. É verdade que o Porto durante décadas provavelmente teve razões de queixa de uma estrutura do futebol controlada pelo 'sul'. Mas só quando os clubes perceberem que combatividade - uma grande qualidade do Porto, que tanta falta faz em Portugal - não é a mesma coisa que valer tudo, é que o futebol pode recuperar parte do brilho que perdeu, e só de vez em quando recupera... como hoje. Como dizia alguém, trás a outra Mourinho! E trouxe!

PS - Se faltar algum pedaço a um certo dragão londrino não fomos nós! Foi da qualidade da construção! 
  Krugman & Loony Conspiracy Theories O Paul Krugman, economista brilhante, colunista do New York Times, globalista impenitente, defensor do comércio livre. Na Alemanha, segundo as suas palavras, seria um perigoso tipo de direita, nos EUA, para muitos é quase um comunista. Autor do indispensável Pop Internationalism em que demole muitos mitos sobre o comércio internacional, está de visita a Londres, para terminar o seu próximo livro, que promete: aplicar a mesma crítica impiedosa que usou quanto à economia internacional na economia política, na economia da política, na política da economia, nos EUA. Vai chamar-se, parece, Whither America? Mas entretanto fica uma adenda aos posts sobre as teorias da conspiração. Disse ele: in America, in the last few years, yesterday's loony conspiracy theory is today’s mainstream wisdom... 
maio 25, 2004
  Bush speaks Sobre o discurso acho que não vale a pena perder muito tempo com análises. O editorial do New York Times parece-me exemplar: The president still has a number of speeches left to deliver before June 30. We hope he will use them to come up with a more specific plan, to stop listing the things we already knew needed to be done and to explain to us how he intends to do them. An acknowledgment of past mistakes would be nice. E é bem complementado pelo do Washington Post.
Gostava só de chamar a atenção para a ironia de que no Army College em Carlisle, onde o discurso teve lugar, estava a funcionar, desde 1993, o Peacekeeping Institute. A Administração Bush II decidiu acabar com essa aberração. Em Julho de 2003 voltaram atrás. Decidiram que afinal sempre era preciso, mas com um nome novo, e recomeçaram tudo do zero. Discursos para quê? 
  The Other Bostonian Ou seja, (ver posts anteriores), José Pedro Zúquete parece ter dificuldade em fazer análise das teorias da conspiração. Condena, deplora, mas analisar... É complicado, de facto. Desde logo, porque as teorias do complot são como os chapéus, há muitas. Há as delirantes, tipo governo mundial de judeus ou comunistas, mas também há as que de teorias passaram a factos documentados. Como o derrube do governo democraticamente eleito do Irão, em 1953, num golpe organizado pela CIA e pelo MI6. Ou o complot entre a França, a Grã-Bretanha e Israel, para terem um pretexto para invadir o Egipto em 1956. O Médio Oriente (incluindo, claro, Israel) é uma região onde abundam teorias do complot, mas também ditaduras, intervenções externas, violências arbitrárias e... complots. E portanto fornece muitos bons exemplos de como mesmo os paranóicos têm inimigos de verdade. O que complica ainda mais as coisas. No entanto, e no fundo, elas são simples. Tudo começa com a tentação de fazer juízos prévios sobre uma realidade mal conhecida ou ameaçadora. Assim como quando se ataca um documentário que ainda não se viu como exemplo de teoria da conspiração. Ou estaria o José Pedro Zúquete em Cannes? Aliás, fala-se por aí, que até há quem esteja a tentar impedir Farnheit 9/11 de estrear nos EUA. Mas eu não acredito, claro. Parece, em todo o caso, que o New York Times e o Washington Post discordam de Zúquete, acham que o filme é hostil a Bush mas vai muito para além da simples propaganda. Mas pode ser que estejam metidos com o Michael Moore no eterno complot liberal que tantos órgãos de comunicação independentes e honestos nos EUA não se cansam de denunciar. Eu confesso a minha curiosidade, mas reservo o meu juízo até depois de ver o filme: prognósticos só depois do jogo. 
  Soa mesmo a teoria da conspiração Antes, escrevia-se um panfleto. Agora, abre-se uma "webpage" ou cria-se um "blog". Um intelectual francês de seu nome Thierry Meyssan publicou mesmo um livro onde defendeu a tese de que nenhum avião caiu no Pentágono… É pá, estes teóricos da conspiração são mesmo perigosos. E não largam mesmo as novas tecnologias, publicou um livro!? Onde é que isto vai parar!?
 
  Soa-me um bocadinho a teoria da conspiração Os atentados do 11 de Setembro, momento traumático e novo na história, como não podia deixar de ser, deram origem a toda uma vaga conspiratória, destinada a tentar compreender aquilo que parecia incompreensível. Esta vaga foi amplificada pela Internet, o oráculo anárquico da "mão oculta."
 
maio 24, 2004
  As ostras do Loch Fyne e outras histórias O Loch Fyne é dos poucos sítios decentes para se comer fora por estas bandas, pelo menos era o que dizia sempre a minha amiga Petra. E por uma razão - peixe. Algo que os ingleses, na sua esplêndida insularidade, parecem desconhecer que nada à sua volta e é bom para comer! Excepto, claro, nessa temível invenção gastronónica que dá pelo nome de fish and chips. E então, perguntam vocês? Então, o Loch Fyne tornou-se um tema político de primeira ordem! O original fica, como o nome indica, na Escócia. Terra de gente comedora de peixe e irredutível, onde um punhado de heróicos gauleses, perdão, escoceses, perdão, trabalhistas, resistiu sempre à invasão thatcheriana. Hoje, estão no poder – Blair, Brown, Prescott. Brown é o delfim. Prescott é o enforcer do governo (dá murros a valer), o mediador entre Blair e Brown, a eminência parda do triunvirato blairita. Pois não é que numa viagem à Escócia, Brown e Prescott pararam no Loch Fyne para comprar... ostras!? Claro que no dia seguinte os jornais borbulhavam com histórias. Cheirou-lhes qualquer coisa, e não foram as ostras. Cheirou-lhes um encontro para combinar a saída de Blair e o elenco do próximo governo. Prescott, dias antes, tinha alimentado a especulação ao dizer que o PM lhe tinha dado o privilégio de confidenciar as suas intenções. Ele e Brown desmentiram tudo, claro, não compraram nada ostras… Uma coisa é certa, Blair está de saída (estão sempre desde que entram). Diz-me a minha bola de cristal (que anda um pouco baça) que o Tony se põe a andar algures entre Junho próximo, se nas eleições europeias e locais a derrota for a doer, e 2008, ano em que ele bateria o record de permanência em Downing Street nas mãos da Dama de Ferro. Mas lá que parece que os seus amigos se estão a preparar para o day after desde já, lá isso parece, com ou sem ostras do Loch Fyne. 
maio 23, 2004
  Bush e o Old Bailey Não, não é mais uma história sobre os velhos problemas de bebida do Dubya. É que parece-me que finalmente encontrei a fonte de inspiração da política do actual senhor de Washington e Bagdade. O Old Bailey. Ou mais exactamente o mote, tipicamente vitoriano, por cima da porta principal desta espécie de catedral da justiça inaugurada em 1907 -'Protect the Children of the Poor; Punish the Evildoer'. Ou seja, 'No Child Left Behind' e 'Axil of Evil'. Eu bem me parecia que já tinha ouvido falar deste conservadorismo compassivo em qualquer lado... 
  Theias que a vida tece... O actual primeiro-ministro tem fama de não ser muito falador. E não há dúvida de que o silêncio pode ser uma virtude, em política e não só. O PM tentou manter essa regra a respeito da demissão extemporâneo do Ministro do Ambiente. O problema ao que ao dizer o mínimo possível, que a pessoa era óptima (são sempre) e que não havia razões especiais para o demitir, o PM está a alimentar todas as especulações. Tanto mais que Theias resistiu aos ataques mais escandalosos ao pouco que recebeu em herança em termos de política ambiental. E agora muda-se um ministro a meio da noite por coisa nenhuma? Então qual era a urgência? Vamos ver o que faz o seu sucessor, até que ponto alimenta as suspeitas ou as nega. Quanto ao problema de fundo da política para o ambiente, concordo com estas considerações gerais de um colunista da nossa praça, embora elas tivessem outro objecto: essa é a pior das atitudes: porque sendo coisa nenhuma, não é nada, de todo. Era preferível ser isto ou aquilo, mas nunca nada. É que no nada da política ambiental do governo cabe tudo menos o debate sério. A minha dúvida é que haja muita gente nos partidos da oposição realmente interessadas em preencher este vazio. 
maio 22, 2004
  Evitar a incerteza com a certeza do desastre? Bis Afinal devia mesmo desculpas ao Paulo Gourjão que tinha percebido que defendia a divisão do Iraque no seu (post 993). Ele teve a bondade de me chamar a atenção que quer ele quer o Carl Bildt acham que a ideia não só não é lúcida como é péssima. A divisão do Iraque em Estados independentes seria, de facto, um desastre. Aonde é que se desenhavam as fronteiras? O que é que se fazia das cidades multi-étnicas? Qual seria o estatuto das minorias (1% ou 2% de 25 milhões é muita gente)? Até pode ser que estejamos a assistir aos passos iniciais de uma guerra civil no Iraque, mas promover a partição do país, que é coisa que nem mesmo os curdos reclamam oficialmente, seria torná-la quase inevitável. 
maio 21, 2004
  Tu quoque fili Boot? Só em Portugal parece reinar a calma em relação à situação no Iraque e às suas consequências. Mas nos EUA, mesmos os neo-cons reconhecem que algo vai mal no reino da Dinamarca. Talvez o mais radical de todos, e portanto um particular favorito nosso, Charles Krauthammer, lida na sua última coluna com o que ele chama Abu Ghraib Panic, segundo ele: This panic is everywhere and now includes many who have been longtime supporters of the war. Como é evidente ele considera-se uma excepção ao pânico, mas pelo menos tenta argumentar contra esta vaga que varre Washington, com algo mais do que -Pânico!? Qual pânico!? Abu Ghraib? Onde é que isso fica?
E o filho Boot... Max Boot ilustra precisamente a citação anterior, juntando-se ao coro dos que pedem a demissão de Rumsfeld - outro favorito nosso, um homem que diz o que outros não se atrevem - com o argumento de que: We have suffered some catastrophic failures during the last few years. How many people have been canned for these egregious cock-ups? Zero. […] This scandal has caused devastating damage to America's moral standing in the world, and we need to recover fast. Apologizing ad nauseam isn't going to do it. Even court-martialing the perpetrators, though important, isn't enough. We need to regain the initiative as more nightmarish pictures emerge. […] Rumsfeld has done many laudable things, but he has also miscalculated badly about many aspects of the Iraq occupation, and he has alienated much of the military. […] More reasonable is the concern that by throwing Rumsfeld overboard the administration might signal terminal weakness to its Democratic critics and — more important — to our enemies abroad. That is a real risk, but at this point it seems a risk worth running to prevent the current crisis from spiraling out of control. 
  Porque é que eu não sou anti-americano ou anti-israelita Concordo, como é evidente, com o que diz o Quinto dos Impérios a respeito do anti-americanismo. A crítica à política externa (e interna) de um determinado governo não tem de ser sinal de aversão a um país (por falar em primarismo...). Claro que eleições perfeitamente democráticas podem dar resultados terríveis (tipo Hitler). Mas os regimes mudam e as maiorias passam. O que faz sentido, por isso, é criticar regimes e políticas, não países. E se pode haver razões para uma maior afinidade com determinados povos e regiões, não se faz boa política externa apenas com base nisso, e, sobretudo, não se faz boa análise. Eu tenho bons amigos americanos e bons amigos israelitas. Mas se acho que os governos deles estão a seguir políticas erradas que nos prejudicam a todos, devo ficar calado? (Aliás, nem preciso...)
Como é que eu poderia ser anti-americano se penso que só uma aliança sólida das democracias liberais, sobretudo das mais antigas e estáveis, da Europa e dos EUA, pode garantir a nossa segurança e servir de motor ao aperfeiçoamento do sistema internacional? Como é que eu poderia ser anti-israelita se considero que Israel, o país mais dinâmico do Médio Oriente e com muitas razões de queixa justas, é essencial para ajudar a estabilizar e desenvolver essa zona chave do Mundo?

PS - Espero ter respondido, em parte, às críticas no mail do Fernando Martins. 
maio 20, 2004
  Bengaladas Retirem já isto!!! Então eu não sou o Eça!? Essa é que era boa!!! Retirem já, senão, bengaladas, ouviram!? …… Desculpem, não sei o que se passa comigo ultimamente, eu nem tenho bengala nem nada. O que eu queria dizer é que, de facto, têm razão, devo confessar que não sou o Eça. Mas sejam justos, o que eu posso fazer sobre isso!? Sim, o quê?! E desconfio que vocês No Quinto dos Impérios também não têm o António Vieira ou o D. Sebastião na equipa de redacção, e a falta que ele nos fazia no Iraque a combater a moirama e a morrer sim mas devagar... Somos todos uma fraude, essa é que é essa!
 
  Mais um anti-americano primário - Michael Howard O líder dos conservadores britânicos vem questionar algo que, há já muito tempo, provoca perplexidade a muitos britânicos de direita e de esquerda. Porque é que Blair não usa o seu capital político nos EUA para levar Bush II a seguir caminhos mais sensatos, ou pelo menos se demarca dele nalguns pontos em nome da credibilidade externa do Reino Unido?
Diz Michael Howard: my party's support for the war does not mean that we are disqualified from asking legitimate questions about the conduct of events in Iraq now. Nor does it mean we should be inhibited from criticising. And to suggest, as Mr Blair sometimes does, that any such criticism involves a failure to "support our troops" is to demean the very democracy of which we are so proud. No British Prime Minister in recent times has been closer to an American President than Margaret Thatcher was to Ronald Reagan. Yet when Mrs Thatcher disagreed with President Reagan - as she did after the US invasion of Grenada in 1983 and after the Reagan-Gorbachev summit in Reykjavik in 1986 - she made her views well known. But Tony Blair seems to have established a new doctrine. He seems to take the view that any advice he offers on US policy must be made in private and any disagreement kept secret.
Ou seja, o líder dos tories acha que criticar os EUA é possível, legítimo, urgente até, e em público e tudo! Que assim marque uns pontos em termos da sua popularidade só mostra como a aliança com os EUA de Bush II é impopular mesmo na Grã-Bretanha, e mesmo na direita. Será que em Portugal haverá quem comece a interrogar-se se está a ser mais papista que o papa? Será possível, finalmente, criticar a política externa da actual Administração americana sem acusações histéricas de anti-americanismo? 
maio 19, 2004
  Ainda a discordata A obsessão do Daniel Oliveira com a Concordata está a tornar-se bastante divertida. Mas foi só no artigo relativo ao casamento - em que o Vaticano apela aos casais católicos para não recorrerem ao divórcio civil - que ele consegui pegar? O mais engraçado é que se trata de uma transcrição ipsis verbis do artigo introduzido pela revisão de 1975 da Concordata, corresponde a uma cedência do Vaticano, e está, portanto, «em vigor» há 30 anos sem que ninguém se queixe. O que explica o seu teor original é que, como a Igreja (ainda) não mudou de doutrina quanto ao casamento, só assim o Vaticano podia justificar a cedência quanto ao divórcio civil dos católicos. E já agora, qual é que é o problema do Estado Português assinar um acordo em que numa das suas cláusulas uma confissão religiosa aconselha os seus fiéis a fazer ou não fazer uma determinada coisa? Como é que isso viola os direitos de alguém era o que eu gostava de saber. 
  Concordata(s) - dois factos Os dois factos sobre a(s) Concordata(s) são:

Primeiro, a razão porque foram concedidos uma série de isenções fiscais e foi garantido o pagamento pelo Estado do salário de uma série de capelões, missionários, etc. em 1940 foi porque o Estado português confiscou todos os bens da Igreja em 1910, e apenas devolveu uma ínfima parte em 1940. Na altura o argumento era que o Estado era pobre e precisava do edifícios e outros bens confiscados. A Igreja disse que o que lhe importava era ter os meios mínimos para realizar a sua missão, viessem de onde viessem. Ao contrário do que sucedeu, por exemplo, na França jacobina e laica, onde a separação é levada a extremos raros em países democráticos, mas em que o Estado pagou uma substancial indemnização à Igreja. Tem pelo menos a vantagem da clareza. O Estado pagava algumas centenas de milhões de contos, pelo menos, e não se falava mais nisso. Mas curiosamente os jacobinos portugueses só falam de separação à francesa, nunca os ouvi falar paralelamente de indemnização à francesa! Portanto a solução actual não tem nada de especial, tanto mais que é igual, ou quase, para todas as outras confissões e até ONGs. É pratica corrente em muitos países. A Igreja Católica se é descriminada nalguma coisa é pela negativa, tem os mesmos direitos dos outros, quando só ela perdeu imensos bens para o Estado.

O segundo facto é que Portugal não é, como dizem para aí, um Estado laico, de que há aliás apenas uns quantos no mundo - a França, a Turquia e o México (cada vez menos), além, claro, das ditaduras comunistas ainda sobreviventes. É um Estado não-confessional. Não existe nada na constituição sobre o laicismo de Estado. O que ela garante é a liberdade de crença, a ausência de uma religião oficial, e a impossibilidade de o Estado discriminar ou até perguntar da adesão religiosa de cada um. E ainda bem, porque isso é que é liberal e democrático. Já pretender à conta disto remeter a religião para a esfera privada é uma descriminação inaceitável. Num sistema liberal e democrático todos podem organizar-se e competir no mercado das ideias e das adesões como entenderem, respeitadas certas regras mínimas. O Manuel Vieira, que Deus o preserve, pode concorrer à presidência, mas um bispo não se pode pronunciar sobre a pobreza em Portugal? Isso é que teria piada! 
  Concordata(s) - dois paradoxos Os paradoxos, pelo menos para quem acha que a história é simples, a preto e branco, com direito a fascismos e tudo, são:

Salazar só cedeu com relutância na questão da impossibilidade de divórcio civil para o casamento católico, e defendeu como alternativa mais razoável um apelo da Igreja a que os católicos não usassem essa faculdade (que foi o que ficou consagrado na revisão de 1975). Previu, com razão, que esta cláusula poderia gerar uma tal reacção na sociedade portuguesa, que poria em risco o resto do acordo.

E quanto à Religião e Moral, no projecto inicial que serviu de ponto de partida para as negociações, e que era da responsabilidade de Cerejeira, este último utilizou a fórmula positiva de adesão expressa à disciplina de RM pelos pais (como hoje), foi o Vaticano a alterar o texto para uma fórmula negativa de rejeição expressa da disciplina de RM.
 
  Concordata - uma conversa em 1939 Conversa entre um dos braços direitos de Salazar, o embaixador Teixeira de Sampaio, e o núncio em Lisboa, Mons. Ciriaci (um sósio de Fernandel) a respeito das negociações que então decorriam há dois anos:

[Teixeira de Sampaio] Disse-lhe que o Senhor Presidente do Conselho [Salazar] quer sobretudo evitar dificuldades futuras; não quer que numa Concordata destinada a acabar com quaisquer dificuldades existentes fique semente de dificuldades futuras pela imprecisão ou ambiguidade de fórmulas.
[Mons Ciriaci] Replicou-me que o intuito era o mais louvável, mas era dificílimo senão impossível atingir fim tão perfeito. A experiência da Igreja diz-lhe que as dificuldades entre o Estado e a Igreja renascem, ou se renovam sempre, ou persistem, através do séculos e sob todos os regimes; varia a intensidade delas, varia a forma, têm longas pausas, mas não se extinguem nunca. Para as resolver são preferíveis as fórmulas um pouco vagas às fórmulas rígidas ou muito precisas.
Em Portugal as grandes dificuldades foram sempre resolvidas pelo tempo, por um estado de facto resultante do compromisso (transigência) de ambas as partes, consagrado depois por diplomas do Estado, da Igreja ou acordo formal dos dois. Este só por si, sem a acção dos outros dois elementos teria sido insuficiente

De facto, como diz Ciriaci, mais uma vez todas as grandes alterações verificaram-se antes do acordo ontem assinado. 
  Vietname Iraque, ninguém está seguro Será o Iraque o novo Vietname? É inteiramente desonesto afirmar que a coligação se encontra num atoleiro tipo Vietname afirma Vasco Rato. Eu não seria tão peremptório. Há diferenças e há semelhanças, mas é uma comparação que vale a pena fazer. A diferença mais óbvia e importante é a ausência de um Vietname do Norte. De um Estado vizinho do Iraque totalmente empenhado na derrota norte-americana. Embora as sanções de Washtington contra a Síria possam dar incentivos a Damasco para ocupar o lugar, isso parece quase tão improvável como que levem o regime a liberalizar-se ou a abraçar Israel. Porém, apesar de o número de militares norte-americanos ou de civis iraquianos mortos ao fim de um ano de envolvimento no Iraque ser também incomparavelmente menor do que no primeiro ano de Vietname a sério; o impacto da guerrilha iraquiana em termos de erosão do apoio à guerra da opinião pública nos EUA, para não falar no resto do Mundo, foi muito mais rápido. E apesar das diferenças, esta descrição do Post de hoje soa terrivelmente familiar a quem tenha estudado o Nam From Mosul in the north to Basra, insurgents have been systematically killing Iraqi translators, municipal politicians, tribal sheiks and political leaders working with the occupation authority. The effect has been to isolate the authority from most Iraqis and the intelligence they could provide against the rising insurgency.
Sobretudo a questão fundamental é a mesma num e noutro caso. Conseguirão os EUA traduzir o seu enorme poderio militar, económico, etc. em ganhos políticos? Ou seja, conseguirão estabilizar um regime iraquiano, pelo menos não-hostil, a ponto de não terem de enfrentar uma guerra de guerrilha sem saída à vista? Não sabemos, mas parece cada vez mais difícil...
No Vietname do Sul também houve um presidente assassinado, mas pelo menos foi num golpe militar com a conivência dos EUA; no Iraque foram os guerrilheiros a assassinar o presidente do governo provisório, Izzidim Salim, às portas da sede do poder norte-americano em Bagdade. Ninguém está seguro, esta é a mensagem que qualquer insurreição bem sucedida tem de promover. Alguém tem dúvidas de que esse é o pensamento dominante no Iraque, hoje? 
maio 18, 2004
  Concordatas e Discordatas O Daniel Oliveira do Barnabé voltou ao ataque. Até pode haver coisas que criticar no catolicismo e no Vaticano. Mas a concordata? Ao contrário do que diz Daniel de Oliveira a maior parte dos países do mundo - tão diferentes como Israel e a Autoridade Palestiniana - têm acordos com o Vaticano, que são mais de um centena.
Claro que todos os grupos religiosos devem ser tratados sem discriminação. Mas tal como em relação a outras organizações de que fazem parte cidadãos portugueses, sejam elas nacionais ou internacionais, o Estado deve ter o mais possível uma relação simbiótica com elas. Porque o Estado existe para os cidadãos, não os cidadãos para o Estado, na linha do exclusivismo jacobino que resultou em tantos banhos de sangue nos últimos dois séculos. E porque as Igrejas, ou outra organização qualquer, não podem funcionar no vazio jurídico.
Eu não vejo problemas – por que é que haveria problemas? – em que o Estado assine acordos com a direcção de todo o tipo de organizações religiosas e não-religiosas com uma actividade relevante em Portugal. Como aliás faz. Tenham elas a sua sede em Portugal ou não. Sucede que a sede da Igreja Católica é o Vaticano. Aliás, um dos pontos essenciais neste tipo de acordos é precisamente garantir a liberdade de comunicação entre os católicos e o Papa. E a forma tradicional desses acordos, no caso de Portugal, é a realização de uma concordata.
O Vaticano é um Estado e por isso o acordo é discutido numa negociação diplomática. O Vaticano cumpre todos os requisitos para tal, que não são sujeitos a um limite mínimo. Há aliás muitos micro-estados hoje em dia, e a maior parte dos Estados com assento na ONU – em que o Vaticano por opção tem o estatuto de observador permanente –, mesmo bem maiores em área e população, tem menos relevo internacional do que o Vaticano. Debate destas questões? Deve haver, e houve a propósito da lei da liberdade religiosa. Mas negociação com debate à mistura é irrealista. Não conheço nenhuma negociação diplomática de sucesso que tenha funcionado nessa modalidade.
Já agora, o Daniel ficaria chocado se um português representasse uma ONG internacional? Eu fico chocado é que isso quase nunca suceda. Não acha normal que um português católico se sentia perfeitamente confortável a promover um acordo entre o seu país e a Santa Sé? Só alguém com devoção pelo Estado, algo diferente de carinho pelo país natal, é que terá dificuldade em perceber isso. (Seria diferente, claro, se Sousa Franco fosse ministro simultaneamente). Sobre o conteúdo do acordo e o seu contexto histórico, escrevemos depois. 
maio 17, 2004
  A Águia volta a voar - SLB, SLB, GLORIOSO SLB, GLORIOSO SLB Qual análise qual quê!? Futebol é para se ver em silenciosa devoção (pelo menos durante os jogos. Excepto quando o Benfica marca! Excepto quando o Benfica ganha! 
maio 16, 2004
  Ceguinhos? Não há dúvida de que há uma longa tradição de cegueira intelectual em Portugal, como nunca se cansa de dizer Pacheco Pereira. Ironicamente, ele oferece hoje um exemplo acabado da última epidemia da doença, na companhia, entre outros – não queremos ser acusados de discriminação – da Helena Matos. Desta feita, a cegueira surge ligada à devoção ao novo Sol da Terra, os EUA de Bush II.
Ataques contra tanques israelistas podem prenunciar a libanização dos Territórios Ocupados, e provocam enorme alarme e debate em Israel? A representação da UN nos territórios 'said earlier that more than other 1,000 Palestinians had been made homeless by Israeli military raids this month before the current upsurge of fighting?' Nada disto interessa ao Pacheco Pereira! Há que aproveitar para fazer propaganda e alimentar a islamofobia.
O jornal do exército americano (ver post anterior) vem reclamar demissões ao mais alto nível por causa de abusos sistemáticos contra prisioneiros por acção e omissão de Rumsfeld e Meyer? Helena Matos fala de Abu Ghraib como nada mais do que o ícone que faltava para os que se opuseram à guerra!!! Não há dúvida de que é óptimo para a propaganda de bin Ladin e companhia. Mas isso é porque o que lá se passou é tão grave! Matos denuncia a propaganda totalitária. Ora ainda bem! Mas para vir dizer que estas coisas são perfeitamente normais em guerras. Isso e até bem pior, diremos nós. O problema é que esta foi uma guerra voluntária, que era suposto ser exemplar (e aí de quem a criticasse!). Que iria terminar na democratização não menos exemplar do Iraque. Por isso, por muito louvável que seja a preocupação do Acidental com todas as formas de tortura, presentes e passadas, a verdade é que há, certamente, uma especial urgência em lidar com realismo com o que se está a passar no Iraque. Ou agora o Iraque já não interessa?
Ou seja, assobiar para o ar, e não responder a críticas e factos, mudar de conversa, não me parece um grande indício de real preocupação pelo que se passa por lá. Mas serve os objectivos da guerrilha política interna, e até pode ser que ninguém note as flagrantes omissões de factos e a fragilidade de argumentos em que assenta... Ou pode ser que seja realmente uma cegueira sincera. E estes ceguinhos merecem pena, mais do que crítica. 
maio 14, 2004
  O jornal oficial do exército americano convertido ao anti-americanismo! Num editorial exemplar o Army Times afirma o seguinte:

There is no excuse for the behavior displayed by soldiers in the now-infamous pictures and an even more damning report by Army Maj. Gen. Antonio Taguba. Every soldier involved should be ashamed. But while responsibility begins with the six soldiers facing criminal charges, it extends all the way up the chain of command to the highest reaches of the military hierarchy and its civilian leadership.
The entire affair is a failure of leadership from start to finish. From the moment they are captured, prisoners are hooded, shackled and isolated. The message to the troops: Anything goes. In addition to the scores of prisoners who were humiliated and demeaned, at least 14 have died in custody in Iraq and Afghanistan. The Army has ruled at least two of those homicides. This is not the way a free people keeps its captives or wins the hearts and minds of a suspicious world. On the battlefield, Myers’ and Rumsfeld’s errors would be called a lack of situational awareness — a failure that amounts to professional negligence.
To date, the Army has moved to court-martial the six soldiers suspected of abusing Iraqi detainees and has reprimanded six others. Brig. Gen. Janis Karpinski, who commanded the MP brigade that ran Abu Ghraib, has received a letter of admonishment and also faces possible disciplinary action.That’s good, but not good enough.
This was not just a failure of leadership at the local command level. This was a failure that ran straight to the top. Accountability here is essential — even if that means relieving top leaders from duty in a time of war.


Será que Myers e Rumsfeld têm lata para continuar depois disto? 
  Fátima mistificar, desmistificar ou mistificar ainda mais? Em reacção às reacções (sem segundos sentidos) ao post anterior digo o seguinte. Não vejo televisão portuguesa. Por isso não posso comentar. Mas a televisão não é a igreja católica. A cultura popular não é a igreja católica. Os guias turísticos não são a igreja católica. Tudo isso até pode ser relevante para uma análise do fenómeno de Fátima, mas e o resto, a teologia, a doutrina oficial, não interessam?
Rui Tavares defende mais análise e mais crítica desapaixonada do fenómeno de Fátima? Estou completamente de acordo. Mas depois diz que não vai distinguir entre cultura popular e posições da Igreja? Isto é bom princípio de análise? Acha que o milagre da fé não chega para mexer aquela máquina? Isto não é lançar a suspeita clássica de que em Fátima se trata de vender gato por lebre ao povo ignorante? Que tal admitir a hipótese de os bispos serem mais crentes na Nossa Senhora do que no dinheiro? Há muitas contradições em Fátima, é isso que a torna tão interessante de estudar. Mas a ideia jacobina de que o povo, coitadinho, não sabe o que faz, e portanto tem de ser manipulado por cabalas, vem mistificar mais as coisas, não menos!
Rui Tavares visitou Fátima, e pelos vistos ficou com a impressão de que a Igreja controla os botões da crença nas aparições. O frei Bento Domingues tem outra experiência. Contava há uns tempos (cito de memória), que quando um bispo que ele acompanhava tentou dizer a uma pessoa que cumpria uma promessa que achou excessivamente violenta, que ele era bispo e a Igreja não queria isso e a doutrina permitia e obrigava a outro tipo de comportamento, a pessoa respondeu-lhe que tinha feito uma promessa a Nossa Senhora e não a ele!
Sobre a transmissão das cerimónias, eu realmente disse defendiam eliminá-las. Um exagero, certo. Mas continuo a achar que a crítica a Fátima tem pleno cabimento nos telejornais, em documentários, em programas de debates, e não durante a transmissão das cerimónias religiosas. Qual seria a reacção de quem quer participar pela TV nesse tipo de cerimónia? Isso não seria o equivalente prático da sua supressão? Tal como acho que o lugar para debater o Fado, outro tema esquecido da nossa história, não é durante um concerto. E como o momento para debater Futebol a sério, outra lacuna grave no nosso panorama cultural, não é durante um jogo.
Por falar nisso, consolemo-nos destas dissenções com a vitória próxima do Benfica na taça! Há que ter fé! (E a petição para libertar a irmã Lúcia tem muita piada, sobretudo porque é como os escuteiros que querem obrigar a velhinha a atravessar a estrada, parece que o sonho dela desde criança sempre foi ir para um convento). 
  Fátima sempre mais Alguns dos autores do nosso blog preferido resolveram pegar em Fátima. Começaram com piada. Mas depois descambaram um bocado. Eu estudei a questão nalguns textos «sérios», na Análise Social e na História, para quem se interessar. Mas aqui vou só concentrar-me na «polémica.»
O texto do Dawkin é risível! Portugal no início do século XX era teológica e cientificamente atrasado. (E ainda ficou mais atrasado depois dos poucos cientistas portugueses com renome internacional, os jesuítas da Brotéria terem sido todos expulsos em 1910.) Mas nenhum militante católico com o mínimo de formação achava (ou acha) que o sol fisicamente se moveu! E a teologia católica mais avançada na altura - sobretudo francesa - já insistia na questão da recepção ser central nos milagres (mas isto tem raízes que vão até Santo Agostinho). Que evidentemente não se pode provar cientificamente um milagre ou uma aparição. Os painéis científicos eram para estabelecer que, por exemplo, no caso das curas não existia uma explicação científica óbvia. Mas para um cientista, católico ou não, isso seria um mistério a continuar a explorar. Só para o crente, num determinado contexto, podia ser visto como um milagre. Esse foi evidentemente o caso, em 1917, para muitos (é evidente que os números variam alguma coisa, mas a maior parte dos jornais fala em dezenas de milhares, e ainda hoje é assim que se contam as multidões, a olho). O problema de Dawkin é que ele fala como cientista, mas cai num simplismo e num dogmatismo que resultam de ignorar os estudos científicos relevantes em relação ao estudo das religiões, que são os das ciências sociais, ou a teologia actual. Como comenta um excelente crítico das suas posições na New York Review "Dawkins runs some risk of sounding like a man who denounces novels because they're all made up. When told that novels present a different kind of truth, one that doesn't depend on a story's literal factuality, he smells sophistry."
Fátima não é para mim um artigo de fé (como não é para a Igreja Católica, aliás), e menos ainda intocável. Mas Fátima merece mais do que obsessão anti-clerical. Deve haver mais estudo e debate em torno deste fenómeno central do Portugal pós-1917 e do catolicismo a nível mundial. No meio de uma Guerra terrível, e de uma grave crise económica e política, três crianças iletradas, três pastores, tornaram-se protagonistas incontornáveis da história portuguesa e da história do catolicismo!
Mas quanto à cobertura televisiva das cerimónias, não me parece que se deva proibir Fátima, ou o Futebol, ou o Fado, na TV, que muitas pessoas querem ver, porque muitas outras se irritam com isso. Há vida para além da TV meus senhores! Desliguem ou mudem de canal! Nos três casos eu preferia a ausência de comentários. Mas acham mesmo que o Fátima devia ser comentado por quem não gosta de Fátima, o Futebol por quem não gosta de Futebol, e o Fado por quem não gosta de Fado? 
maio 13, 2004
  Boas notícias de Londres, kind of... Parece que as fotos de abusos por soldados britânicos no Iraque eram realmente... falsas. O ministro afirmou hoje no parlamento "Those pictures were categorically not taken in Iraq. I can also tell the House this is not only the opinion of the special investigations' branch investigators - it has been independently corroborated."
Infelizmente parece também que houve realmente casos reais de abuso da força. Embora, aparentemente, não comparáveis em gravidade aos casos americanos. Sobretudo parece que o governo demorou demasiado tempo a tomar conhecimento dos relatórios, a tomar medidas no terreno, ou a pedir esclarecimentos a quem de direito. Como disse o líder dos conservadores britânicos: "A devastating Red Cross report is presented to the government in February, the armed forces minister says he has never seen it. The defence secretary says he wouldn't have expected to see it, the foreign secretary says he should have seen it, but didn't and the prime minister says he knew nothing about it. How can the people of this country have confidence in this prime minister and his government?"
Ou seja, o Sim Sr. Ministro está mais actual do que nunca! E os conservadores britânicos fazem críticas que em Portugal seriam consideradas como exemplo de um anti-americanismo primário e de apeasement dos terroristas, com amigos assim quem é que precisa de inimigos? 
  Boas notícias da Índia! Boas notícias, esperemos, da India! Inesperadamente o Partido do Congresso ganhou e deve formar governo proximamente. Particularmente de destacar foi a subida dos seus votos no Gujerat, recentemente abalado por pogroms anti-muculmanos, num exemplar voto de protesto pela cumplicidade do governo da direita nacionalista indiana com os criminosos. Esperemos que o facto de BJP ficar de fora do governo não radicalize ainda mais os seus apoiantes e leve a novos problemas. Para os que temem pelo futuro das sagradas reformas económicas, fica este comentario de um analista indiano "The question is not whether economic reforms will continue. The question is about ways and means of making reforms meaningful for the poor and the dispossessed," Finalmente, é mais um aliado preferencial da Administração Bush II que desaparece de cena. Os Gandhi podem ter muito em comum com os Bush, mas não em termos de política externa. 
  Bin Ladin ao ataque O uso que bin Ladin e os seus aliados podem fazer do que se passou em Abu Ghraib está à vista com as terríveis imagens da execução de um refém norte-americano e o discurso que a justificava. One of the masked men read out a statement, saying they had offered to exchange the man for inmates of Abu Ghraib prison but the coalition authorities refused.
"How can a free Muslim sleep well as he sees Islam slaughtered and its dignity bleeding, and the pictures of shame and the news of the devilish scorn of the people of Islam - men and women - in the prison of Abu Ghraib?".

Takes a devil to know a devil, poderia dizer-se. E embora, como sempre tem sucedido, apesar de poucos comentadores ocidentalistas primários se darem ao trabalho de o notar, tenham surgido condenações desta atrocidade no Mundo Islâmico, em nome da obrigação islâmica de respeito pelos prisioneiros. A verdade é que a tarefa de justificar este tipo de actos tornou-se mais fácil. Como tantos críticos da invasão do Iraque previram, o belicismo descontrolado de Bush II é o tipo de reacção ao 11 de Setembro que bin Ladin sempre desejou para o ajudar promover a ideia de que ele é a vanguarda armada de um choque de civilizações. Bin Ladin pode estar vivo ou morto, até pode estar enterrado numa caverna, mas alguém duvida de que é ele que está a marcar pontos na batalha da propaganda no Médio Oriente? 
maio 12, 2004
  Torture - Read all about it (but only if it took place in Portugal post-1974) A Slate sintetiza bem, e com muitos links, o tipo de argumentação à Pacheco Pereira sobre os casos de tortura no Iraque: Torture is bad; liberal outrage against torture is worse.
Mas o verdadeiro tira-teimas nesta questão seria uma fundação ou um grupo de benfeitores do Iraque promover a tradução das obras sobre abusos nas prisões do PREC ou sobre as acções das FP-25 para árabe e fazer uma distribuição gratuita no Iraque, ou mesmo no resto do Médio Oriente. Pode ser que realmente seja essa a solução para toda esta confusão. Blogistas pachequianos organizai-vos! O mestre deu o mote!

PS - A Newsweek juntou-se ao coro de anti-americanos primários, do Washington Post, até à Economist, que acham que Rumsfeld has No Good Defense neste caso...
 
  Embaixador do Qatar na conferência do Fred Halliday sobre o Médio Oriente pós-Saddam It was for this [Abu Graib] that we had to be colonized again? I am a moderate man, but I have never felt so angry in my life! You have to understand all we see all day is images of death and torture in Palestine and Iraq!
Tradução: O que vocês precisavam para animar era uns livritos de tortura em Portugal há uns anitos atrás!

PS Todas as citações são de memória e o tradutor não é muito de fiar. 
  Conferência do Fred Halliday sobre o Médio Oriente pós-Saddam 3: Bremer is a nice guy, but he doesn’t know anything! He went to a meeting with Barzani and pointed to a picture of his grand-father in the wall, the great figure of modern Kurdish nationalism, and he asked, who is that guy? It’s like getting into a British ministry and pointing at a picture of the Queen and asking, who is that girl?
Tradução: Nem os curdos escapam! Nem a rainha escapa!

PS Todas as citações são de memória e o tradutor não é muito de fiar. 
  Conferência do Fred Halliday sobre o Médio Oriente pós-Saddam 2: The real occupying power in Iraq is Iran!
Tradução: quem vai atrás de saddames deve ter cuidado por que pode ser que lhe saiam ayatollahs como brinde!

PS Todas as citações são de memória e o tradutor não é muito de fiar.
 
  Conferência do Fred Halliday sobre o Médio Oriente pós-Saddam 1: The invasion of Iraq was the work of a coalition, alright! A coalition in Washington, of the ignorant, the incompetent and the professional threat escalators! I was there in the 1980s when they tried to do that with Russia, I know!
Tradução: o Fred Halliday não gosta dos neoconservadores nem pintados, e já não gostava nos anos 80.

PS Todas as citações são de memória e o tradutor não é muito de fiar.
 
maio 11, 2004
  O Iraque e a blogosfera, ou os alhos e os bugalhos Pacheco Pereira continua a desconversar. Agora é uma lista dos piores sítios em termos de perseguição de jornalistas, e o «facto» de a imprensa não tratar destes casos. Mesmo que este último «facto» fosse verdade, o que é que isso retira de gravidade e urgência à situação no Iraque? Desde logo porque os EUA são uma democracia, que fez uma guerra em nome da democratização.
Sobre estas questões há uma série de coisas com interesse na imprensa de referência americana e britânica. O Washington Post tem uma série de três reportagens sobre Abu Graib. E a BBC online tem duas boas sínteses com links para os relatórios da Amnistia Internacional e respectiva resposta do exército britânico, e para o relatório Taguba. Este general americano responsável pelo inquérito às prisões iraquianas fala de 'numerous incidents of sadistic, blatant, and wanton criminal abuses'. Que é o ponto que Pacheco Pereira se recusa a comentar. Claro que isto mostra que nem tudo está mal nos EUA. Mas também mostra a arrogância e a incompetência com que a ocupação do Iraque foi conduzida.
E provoca danos dramáticos na imagem dos EUA e da Grã-Bretanha, mas também do resto do Ocidente, no Mundo Islâmico. A ideia da duplicidade ocidental em termos de direitos humanos e de condenação da violência cada vez mais enraizada no Mundo Islâmico teve uma confirmação terrível, com direito a fotos e tudo. O Bin Ladin está a ter um bom ano. 
maio 10, 2004
  Abusos sistemáticos no Iraque Ainda sobre o sistema de tortura no Iraque vale a pena ler este op-ed no LA Times. O autor, um advogado especialista em abusos no sistema prisional norte-americano, afirma que, ao contrário do que pretende Bush II, esta não foi uma distorção do American Way, porque the U.S. did install in Iraq an American-style approach to prison management. Like the U.S. prison system, it is underfunded and inadequately supervised, lacks civilian oversight and accountability and is secretive and tolerant of inmate abuse until evidence of mistreatment is pushed into the public light. That, regrettably, is the American model.'
Tem também interesse este texto de Anthony Lewis na New York Review de comentário ao novo livro de Michael Ignatieff que os amigos do Barnabé já recomendaram. Ilustra bem a genealogia na história americana deste tipo de casos, e, sobretudo, oferece um discussão equilibrada do que podem ser as exigências de combater o terrorismo, a par das exigências não menores de defesa de um sistema liberal, mesmo em tempo de guerra. Aliás, convém recordar a eventuais entusiastas da «eficiência» na luta contra o terrorismo, que uma das justificações originais para a abolição da tortura no sistema judicial do Ocidente, tinha a ver precisamente com o facto de este ser um «método» pouco fiável. Porque sob tortura é provável que o preso diga o que for preciso para se libertar da dor.
E que diz a tudo isto Pacheco Pereira? Teve a brilhante ideia de ir buscar um livrinho sobre abusos alegadamente cometidos, entre outros, pelo Mário Tomé, há umas décadas atrás! É o que se chama desconversar! Até pode have aqui paralelos importantes, quer em termos da nossa história, quer em termos da fiscalização do nosso sistema policial e prisional actual. Mas isso não anula a gravidade do que se passou no Iraque como resultado de uma guerra de escolha, em nome de destruir armas que não existiam, e de uma democratização exemplar que deu este belo exemplo de como se lida com prisioneiros! O Bin Ladin agradece! Não anula, sobretudo, a urgência de se reconhecer, aqui e agora, que de acordo com os próprios relatórios oficiais norte-americanos não se tratou de uma excepção pouco significativa. Para quem ainda tenha dúvidas, a última New Yorker revela mais pormenores no artigo significantivamente intitulado Chain of Command. Neste novo texto de Hersh há uma foto de tortura com cães, e referências a fotos de espancamentos e violações, por outros soldados que não os já identificados! Felizmente, cada vez mais vozes nos EUA denunciam a realidade destes abusos sistemáticos e exigem medidas para lhe pôr cobro, em nome da decência, e em nome dos interesses norte-americanos na região e no mundo.

PS - Entretanto, Blair veio reconhecer que também se verificaram abusos por parte das tropas britânicas. E pediu desculpas antecipadas (nisso ainda difere do Bush II, em que tem de ser a pedido). Embora ainda não seja clara a sua dimensão, nem se tiveram este carácter de abuso sistemático de prisioneiros, pelos vistos a coligação também abrangia este campo... 
maio 07, 2004
  Da Indignação Fragmentada II - Israel e a Palestina Quanto ao problema palestiniano, Pacheco Pereira esqueceu-se, de acordo com a sua regra da não fragmentação, de explicar que a senhora horrivelmente assassinada com os seus filhos, faz parte de um grupo de c.7000 colonos que controlam, por expropriações totalmente ilegais à luz do direito internacional, mais de 20% da terra arável e da água de Gaza. O que sobra é distribuído por 1.2 milhões de palestinianos numa das zonas com maior densidade populacional do mundo! A maioria da população israelita está contra este escândalo, e em sucessivas sondagens ao longo dos anos tem deixado claro que quer que os colonos saiam de Gaza. Isto não justifica a carnificina, claro, particularmente de crianças. Apenas mostra que a agenda de grupos como a Jihad Islâmica é tão extremista e militarista como a de Sharon, ou de alguns dos partidos do seu governo que advogam abertamente a expulsão dos árabes da Palestina – ou seja, a limpeza étnica. É essa a tragédia actual da região e dos dois povos. O que não é sério é reduzir este conflito trágico a uma foto de uma família assassinada. Há uma história que é preciso ter em conta. Quantas pessoas em Portugal viram e se lembram das fotos terríveis dos massacres de Shabra e Shatila, em que morreram milhares de famílias palestinianas e de que Sharon foi considerado parcialmente responsável por uma comissão de inquérito israelita? A verdade é que os judeus que fugiram da tragédia do genocídio nazi, estiveram, infelizmente, na origem de uma injustiça terrível na Palestina contra os árabes que aí vivam há muitos séculos. E se há responsabilidades de ambos os lados pelo facto de a questão não ter ainda sido resolvida pacificamente, o predomínio actual de militaristas dos dois lados, não nos deve levar a tomar partido por um deles, ou a baixar os braços. Mas sim a procurar uma alternativa. Que passaria por um compromisso a sério da comunidade internacional, particularmente da Europa e dos EUA numa solução justa, no modelo do exemplar Acordo de Genebra, que, além de contribuir para a pacificação do Médio Oriente e combater a raiva que alimento o terrorismo islamista, é também uma exigência moral, e o melhor que os verdadeiros amigos de Israel e da Palestina podem desejar. Todos sabemos, no entanto, qual foi a escolha de Bush II, apoiar incondicionalmente Sharon como um 'homem de paz'!
E já agora, se a imprensa portuguesa é tão pró-palestiniana porque é que ignorou ou não deu qualquer destaque, tanto quanto eu saiba, a este relatório do International Crisis Group sobre o racismo de que são alvo os cidadãos árabes de Israel? Pessoas completamente pacíficas, desde 1948 e até muito recentemente, apesar de terem sofrido e sofrerem ainda todo o tipo de abusos, da expropriação de terras, até à quase impossibilidade de acederem a cargos públicos, e à clara discriminação na atribuição de fundos públicos, culminando no assassínio de 13 árabes israelitas em manifestações pacíficas em 2000. Resultado, houve mais uma comissão de inquérito, que criticou severamente o racismo instalado no aparelho de Estado de Israel, mas cujas recomendações continuam por aplicar… Como perguntava um amigo no Barnabé há uns dias atrás, então e uma conferência sobre a islamofobia? Só o anti-semitismo na Europa é que é um grande problema a merecer duas conferências internacionais? É este o peso do lobby pró-palestiniano na Europa? Indignação muito fragmentada, de facto. 
  Da Indignação Fragmentada I - os EUA O último texto pró-Sharon e pró-Bush do Pacheco Pereira, ou se se quiser pró-Israelita e pró-Americano primário, tem um título bem adequado. É a ilustração perfeita de uma indignação fragmentada, altamente selectiva. Desde logo, eu pensava que o Pacheco Pereira se opunha à vulgarização dos media, ao recurso a imagens chocantes para vender jornais, de que o Daily Telegraph é um bom exemplo. Afinal parece que a regra do recato sofre excepções. Mas convinha perceber quando. Depois, Pacheco Pereira volta a um tema habitual. Atacar os jornalistas portugueses pela sua falta de qualidade e isenção em comparação com o estrangeiro. Eu diria que a comparação talvez seja menos lisongeira para alguns comentadores portugueses do que para muitos jornalistas lusos, que, sobretudo tendo em conta a diferença dos meios, têm mostrado trabalho que pode ser comparado com do que de melhor se faz cá fora. E já agora, que tal dar exemplos de textos jornalísticos factualmente incorrectos e pró-palestinianos?
Quanto à sua prosa sobre o tratamento de prisioneiros no Iraque, o melhor comentário são mesmo os últimos editoriais do Washington Post. Particularmente o editorial de ontem que refere provas de abusos sistemáticos na ausência de uma preocupação da estrutura de comando de os evitar, pelo contrário, a certos níveis, pode-se dizer-se até que os estimulou. 
maio 06, 2004
  Rumsfeld com a cabeça a prémio e outras notícias O Washington Post hoje vai mais longe, e responsabiliza Rumsefeld num editorial pelo que se passou no Iraque, referindo ainda outros casos. O que deu origem a notícias de que a sua cabeça poderia ser o preço a pagar pelo terrível impacto das imagens dos abusos no Iraque. Eis algumas passagens chave 'abuses will take place in any prison system. But Mr. Rumsfeld's decisions helped create a lawless regime in which prisoners in both Iraq and Afghanistan have been humiliated, beaten, tortured and murdered -- and in which, until recently, no one has been held accountable. The lawlessness began in January 2002 when Mr. Rumsfeld publicly declared that hundreds of people detained by U.S. and allied forces in Afghanistan "do not have any rights" under the Geneva Conventions.' E mais adiante 'In one important respect, Mr. Rumsfeld was correct: Not only could captured al Qaeda members be legitimately deprived of Geneva Convention guarantees (once the required hearing was held) but such treatment was in many cases necessary to obtain vital intelligence and prevent terrorists from communicating with confederates abroad. But if the United States was to resort to that exceptional practice, Mr. Rumsfeld should have established procedures to ensure that it did so without violating international conventions against torture and that only suspects who truly needed such extraordinary handling were treated that way. Outside controls or independent reviews could have provided such safeguards. Instead, Mr. Rumsfeld allowed detainees to be indiscriminately designated as beyond the law -- and made humane treatment dependent on the goodwill of U.S. personnel.' Particularmente grave para o Post é o facto de Rumsefeld aparentemente continuar a desvalorizar a questão, afirmando ontem que não tinha ainda tido tempo de ler integralmente o relatório interno sobre estes abusos (que ficou concluído em Março)!

Duas outras notícias com interesse, aparentemente a pressão americana para mais tropas britânicas para ocuparem a zona de Najaf, a que nos referimos anteriormente, resultou. Blair mais uma vez cedeu a Washington apesar da pressão interna em sentido contrário.
Também interessante é notar que Blair decidiu nomear Sir John Scarllett para chefe do MI6. Scarllett era o chefe da célula de informação do gabinete de Blair, e foi o redactor principal do Dossier de Setembro que esteve na origem do Inquérito Hutton. Ou seja, parece que afinal Tony está satisfeito com o trabalho dele, independentemente do que venha a concluir a comissão de inquérito sobre o desempenho dos serviços secretos na questão do Iraque. Interessante, não é? 
maio 05, 2004
  Ainda os abusos no Iraque Vale a pena ver este texto na BBC News. Reune uma série de elementos interessantes e perturbadores. Particularmente interessantes são os comentários do historiador Christopher Browning, que se especializou no genocídio nazi dos judeus... Assim como as referências à influência nefasta do exemplo de Guantánamo.
A este respeito, o editorial de hoje do Washington Post (que apoiou a invasão) é exemplar. Não se pode tratar estes abusos, como fez Rumsfeld, como um caso isolado. Há sinais de que fazem parte de um sistema que parece incapaz de os evitar, ou até, pode pelo menos parecer incentivá-los. E o Post coloca a grande questão - até onde estamos dispostos a ir para combater o terrorismo, ou, neste caso, à resistência armada à ocupação estrangeira? O isolamento é uma prática comum nas prisões, e pode ser descrita como tortura psicológica. Mas tem da haver limites. Como refere o editorial, o verdadeiro arrependimento implica uma mudança de comportamento. É isso que os EUA têm de fazer para recuperar a credibilidade, não basta castigar os culpados. 
maio 04, 2004
  Os neo-conservadores e o Iraque Vale sempre a pena ler Robert Kagan. Mesmo que não se concorde com muito do que diz este "neo-conservador independente", é uma voz informada, inteligente e relativamente sensata (pelo menos mais do que muitos dos seus correligionários). O seu mais recente editorial no Washington Post é bem o sinal da gravidade da crise actual da política americana para o Iraque. 'I find even the administration's strongest supporters, including fervent advocates of the war a year ago and even some who could be labeled "neoconservatives," now despairing and looking for an exit. They don't put quite that way, of course. Instead, they say that seeking democracy in Iraq is too ambitious; we need to lower our sights and settle for stability.' E mais adiante reconhece que isto tem tudo a ver com o facto de que 'All but the most blindly devoted Bush supporters can see that Bush administration officials have no clue about what to do in Iraq tomorrow, much less a month from now.' O seu apelo à calma e a um real estabilização do Iraque pela via democrática seriam óptimos conselhos. O problema é que como refere Kagan o governo americano não parece ter a menor ideia de como o fazer, e como referimos num post anterior comentando um texto de Thomas Friedman, parece duvidoso que os EUA tenham neste momento a credibilidade para poderem levar a cabo essa tarefa. O futuro do Iraque não se afigura bonito. Os riscos apontados por Kagan de uma saída apressada a 30 de Junho são bem reais - caos e guerra civil, funcionar como abrigo de terroristas - mas infelizmente difícies de evitar. Talvez, no final, os iraquianos com a mediação da ONU tenham o bom-senso de encontrar uma saída, frágil mas pacífica. Mas neste momento reina a incerteza, em Washington como em Bagdade. 
  Filme 2 - Kill Bill Definitivamente a ver Kill Bill 2. O corte em dois é uma pena, excepto para as receitas de bilheteira, claro. Mas por outro lado, tem um certo eco dramático, há muitas coisas cortadas em dois neste road movie. E temos direito a um clip de ligação saído de um filme noir dos anos 50, nas ameaçadoras e sinuosas estradas da Califórnia - mesmo à medida da principal indústria da região. Quanto ao resto, meus senhores, pois há música, pois há comédia, pois há drama, e pois sim, há sangue muito sangue, mas sobretudo há muito diálogo à la Tarantino e takes incríveis. Tudo terribly good fun, como diriam os bifes com especial propriedade neste caso.
Beatrix Kiddo, a.k.a. the Bride, a.k.a. the Black Mamba, a.k.a. Mummie, roared, rampaged and got some more bloody satisfaction. E nós também. Mas para mim um dos momentos altos do filme é a reacção de um dos alvos potenciais da sua vingança ao aviso da ameaça pendente. Bud, o sempre nonchalant Michael Madsen, diz «she deserves her revenge, and we deserve whatever happens to us, but then again so does she, so let’s see who is standing in the end» (cito de memória). Indeed, nada mais chato do que os tipos que são todos a favor do argumento da força contra a força do argumento, mas depois ficam muito impressionados quando alguém resolve reagir usando meios violentos. Não quer dizer que não se escolha um dos lados. Neste caso, evidentemente, o de Beatrix Kiddo. Mas não se caia em sentimentalismos, pelo menos não em relação a Kill Bill 2, it would spoil the fun. Mesmo se o final puxa um bocadinho pelo coração. 
maio 03, 2004
  Europa a 25 É o culminar do sonho europeu. A vitória do liberalismo contra tiranias de direita e de esquerda, contra o estatismo económico e político. Uma luta que dominou o século XX. A Europa reunida. Sem fronteiras a bloquear o livre movimento das pessoas. Um sonho de séculos tornado realidade. Mas será este ponto culminante também o início da decadência do projecto europeu sob o peso do número crescente de Estados membros e a hostilidade irracional de muitos nacionalistas? Seria a suprema ironia, mas a história está cheia de expansões que terminam em colapso.
Há a promessa de um tratado constitucional que torne mais funcional o sistema de governação confederal e garanta mais direitos aos cidadãos europeus. E a verdade é que a UE não é uma entidade especialmente vasta. Há vários Estados no Mundo bem maiores em área e população. Quem tenha viajado na Europa e fora da Europa cedo percebe que há imenso em comum a todos os europeus. Sobretudo, a UE tem um currículo impecável em termos dos seus grandes objectivos. Décadadas de paz, prosperidade, liberdade. Há uns tempos o economista-chefe do Deutsche Bank fez um discurso apaixonado de defesa da UE. E explicou à assistência em Londres. O projecto europeu tem custos ridiculamente baixos, «Bruxelas» custa 1% do PIB europeu, compare-se com «Washington», que custa 20% do PIB norte-americano. Os benefícios? Para ele, pessoalmente, eles eram claros. O seu avô tinha sido morto em Verdun. O seu pai tinha sido capturado pelos russos durante a Segunda Guerra Mundial e morreu pouco tempo depois de ter regressado à Alemanha. Ele era o primeiro em três gerações a viver em paz, graças ao projecto europeu. Mas concluía, as pessoas tendem a dar por adquirido, ou mesmo a cansar-se, das coisas que funcionam bem. Veja-se a Primeira Guerra Mundial. Hoje, o custo será talvez menos dramático, mas o que significará a soberania nacional de Portugal, ou mesmo da Grã-Bretanha, dentro de 20 anos, com a China, a Índia, a África do Sul, o Brasil a alcançarem cada vez mais um papel internacional proporcional ao seu tamanho? Provavelmente não muito mais do que a soberania das Fidji hoje em dia. 
maio 02, 2004
  Ainda a tortura no Iraque Vale a pena ler o detalhado artigo de Seymour Hersh na New Yorker baseado no relatório do inquérito oficial aos abusos, e que parece dar crédito à análise que fizemos num post anterior, nomeadamente sobre a prioridade dada a obter informações dos prisioneiros, no quadro de um sistema de tortura, e não de abusos isolados.
Entretanto o tom dominante quanto às alegações de abusos britânicos é agora de algum cepticismo quanto à veracidade das acusações. Se for uma falsificação, só mostra como o outro lado está a conseguir marcar pontos na batalha da propaganda. Começam com uma verdade, provocam indignação e depois inventam para a alimentar. Mas a investigação prossegue.
A fúria no mundo árabe quanto a estes episódios é fácil de perceber, e tem dominado as principais televisões e jornais da região. 
maio 01, 2004
  Filme 1 - Fog of War é um documentário sobre Robert Strange MacNamara, e sobretudo sobre o seu papel como secretário da defesa durante a Guerra do Vietname. Ganhou o óscar dessa categoria, e não há dúvida que funciona muito bem como filme. O Vietname é bombardeado com equações; e os ataques aéreos contra o Japão durante a Segunda Guerra, em que MacNamara começou a aplicar a matemática à guerra, são representados por fotos das cidades arrasadas a que são sobrepostas legendas que transpõem a percentagem dos danos causados para cidades equivalente nos EUA – 51% de Nova Iorque destruída, por exemplo, para ilustrar o caso de Tóquio.
Há um ponto de vista anti-belicista claro. O autor do documentário, por exemplo, não dá quase nenhuma relevância ao argumento central para este bombardeamento massivo – obrigar o Japão, que tinha iniciado a guerra, à rendição. Quantos soldados americanos e civis japoneses teriam morrido no caso de uma invasão ter sido necessária? Mas este facto não diminui o interesse de Fog of War e a sua actualidade. A grande força do filme é o espectáculo de um homem de oitenta e muitos anos ainda hoje a lutar para perceber os seus erros. Ele que foi a imagem acabada da arrogância intelectual nos anos 1960, dos 'the best and the brightest' que pensavam que podiam fazer da guerra uma ciência exacta. E que acabaram por descobrir que não só ela é terrível, mas também que ela é uma terrível confusão! O título do filme resume bem a moral da história, a guerra é confusão.
MacNamara, que se demitiu em 1967, por reconhecer que a guerra no Vietname estava a ser um desastre e o presidente recusava-se a mudar de estratégia, chama a atenção para pelo menos dois pontos fundamentais. Os EUA devem tentar perceber o inimigo em vez de o demonizar. Mesmo que seja para melhor o combater. No Vietname, por exemplo, viam comunistas, onde deviam ver nacionalistas. Depois, precisamente por causa do grau de incerteza em qualquer guerra, devem recusar a tentação do unilateralismo. Ou seja, Washington deve ouvir os seus aliados, especialmente as outras democracias – ‘if we had not been unilateral, we wouldn’t have been there in the first place!’ Exacto, no Vietname como no Iraque. Um paralelismo que certamente não escapou à Academia que decidiu atribuir-lhe o óscar. Toda a gente sabe que Bush II não é propriamente muito popular em Hollywood. 
  Ruas em Beirute e tortura no Iraque, ou de Kennedy a Bush II As notícias de abusos no tratamento de prisioneiros iraquianos são impressionantes, mas não completamente inesperadas. E tal como no caso terrorismo, convém notar que procurar analisar a tortura, não quer dizer que ela passe a ser menos repelente.Estes abusos têm muito a ver com a forma como os norte-americanos demonizaram desde o início o inimigo nesta guerra. Mas também com o ambiente de tensão que se cria em operações de contra-guerrilha. Aliás surgiram também notícias de abusos na zona britânica. A obtenção o mais rapidamente possível de informação é essencial neste tipo de acção militar, porque os guerrilheiros combatem com recurso a emboscadas e desaparecem no meio da população. A tortura é um meio fácil de «resolver» o problema, ou de castigar os poucos que são apanhados pela frustração dos muitos que escapam.
Do que não podem restar dúvidas é do impacto desastroso na opinião pública iraquiana e árabe destas imagens degradantes. Os britânicos bem podem começar a queixar-se de si próprios para variar, se as dificuldades cresceram na sua zona, relativamente pacífica até há umas semanas atrás. Quanto aos norte-americanos, Thomas Friedman, um dos poucos arabistas norte-americanos, escrevia, há uns dias atrás, na sua coluna regular no New York Times, que talvez os EUA se tivessem tornado tão radioactivos, tão odiados na região, que o melhor era saírem o mais depressa possível do Iraque. Mesmo que que houvesse muito que fazer para garantir um futuro democrático nesse país, a presença norte-americana só tornaria as coisas mais complicadas. E isto a propósito de uma conversa com uma libanesa de Beirute, onde Friedman tinha sido correspondente, e que vivia na Rua Kennedy. Friedman tinha-se esquecido de que há apenas algumas décadas atrás havia presidentes americanos suficientemente populares no Médio Oriente para terem direito a uma rua. Quanto a Bush II vai ter direito manifestações de alegria pelo Mundo todo... se perder as eleições em Novembro, claro. 
Este é um blog liberal, cheio de convicções e à procura de patrocínios. Temas? As coisas que realmente (me) interessam. Procuramos, acima de tudo, seguir as máximas do nosso João das Regras «Olhai, porém vede!» e do imortal bispo inglês Joseph Butler, «Things and actions are what they are, and the consequences of them will be what they will be: why then should we desire to be deceived?» Divirtam-se, que nós também. Comentários: BrunoCardosoReis@sapo.pt

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