CARTAS DE LONDRES
London Town II
Comecei há um ano a escrever este blogue. A ideia era substituir mails colectivos com novidades de Londres para os amigos. Falhei completamente nessa missão. Sobre se fui bem sucedido nessoutra tarefa, com tantas tradições estrangeiradas, de educar o povo português a partir de fora, serão vocês a ajuizar. Mas espero que não.
Esperançado de que o mundo esteja bem encaminho para a sua libertação final, e Portugal para os choques que precisa, vou suspender aqui esta minha actividade bloguística. Grato a todos os que tiveram a paciência de me aturar. Grato aos que se deram ao trabalho de me incluir na suas lista de links sabendo que eu não iria rebribuir por falta de tempo, cultura bloguística e cultura informática. Grato, sobretudo, aos que se deram ao trabalho de me fazer pensar melhor ao entrar em «polémicas» comigo. O PS fica portanto avisado de que estou disponível para integrar o próximo governo, mas apenas em posto apropriado (ministro adjunto e da blogosfera, que tal?)
Sobre Londres acabei por falar de menos, talvez. Não é uma cidade bonita no sentido vulgar do termo. Não é Paris. Não é Florença. Não é Lisboa. Mas é uma cidade de que se aprende a gostar, nas suas muitas surpresas. Sobretudo se se tiver a sorte de se viver num cantinho ajardinado e calmo da zona central. O pior de Londres é definitivamente o metro, embora com artistas de primeira classe: têm de passar uma audição e tudo para ter «o cartão».
Ao fim-de-semana, a caminho do trabalho numa das mais castiças ruas de Londres (Chancery Lane), desvio-me do trajecto mais curto. No ano passado fazia-o através da Tate Modern e além rio pela ponte pedonal até St. Paul’s. Agora frequentemente atravesso o British Museum, qual vasto mercado coberto de antiguidades, poiso por vezes na livraria da London Review of Books e pratico window-shopping na zona de Covent Garden (não o mercado propriamente dito que é uma zona entregue aos turistas). Desvios gratuitos numa cidade de extremos também no custo.
Quanto a conselhos «turísticos», deixo apenas dois para não vos cansar e para não me cansar. Atravessar a ponte pedonal a partir da estação de Charing Cross, sobretudo à noite e no verão e parar a meio para a vista mais bonita da cidade. Numa rua muito próxima da saída principal do Museu Britânico, contemplar e entrar na loja Smith & Sons, fachada típico do final século XIX que anuncia sticks & umbrellas. Querem coisa mais inglesa? Esclarecem ainda que alguns são realmente surpreendentes, "life preservers" com espadas e punhais escondidos.... Londres pode ser mais aventurosa do que parece (e não estou só a falar da comida).
Um lado bom de uma cidade tão cosmopolita é que mesmo que nem toda a gente se entenda, separados por versões diferentes da mesma língua, raramente alguém se preocupa com alguma coisa estranha. Apesar dos posters do 999 a apelarem para avisarmos a polícia se estranharmos alguma coisa. Como é que podemos estranhar alguma coisa numa cidade em que a estranheza é natural?
Londres nas palavras do imortal poeta e publicitário, primeiro estranha-se, depois entranha-se.
Eleições no Iraque
São amanhã.
Ao contrário de muitos críticos nunca me pareceu boa ideia adiar. (
A posição crítica com a qual, apesar de tudo, estaria mais inclinado a concordar é esta de Larry Diamond, um dos maiores especialistas nestas questões. Um texto a que cheguei via
Bloguíta – um blogue de serviço público, infelizmente em risco de desaparecer.)
Adiar significaria entregar o ouro ao bandido. Ou seja, entregar o controlo do processo político aos que optarem pela violência. Nesse sentido seria também a melhor garantia do perpetuar da presença de tropas estrangeiras.
Mais, um adiamento, sem mais, seria inaceitável para a maioria xiita, e poderia levá-la a ver na luta armada a única forma de chegar ao poder. Isso criaria uma confusão ainda maior.
Mas as eleições são apenas um primeiro e ténue passo, que provavelmente será salpicado de muito sangue fresco. Não vão resolver a questão central da violência. Mas na medida em que a luta contra os guerrilheiros tem uma dimensão política susceptível de saída negocial, tem a ver com as garantias que a nova constituição vai dar aos sunitas (e curdos e outras minorias). Ela será escrita pelo parlamento agora eleito, e que será, mas seria sempre, dominado por xiitas. Se os xiitas cederem à tentação de querer tudo, podem acabar por comprometer a unidade do país. Mas dada a moderação de que têm dado mostras – inclusive convidando alguns sunitas para as «suas» listas – tal parece pouco provável.
Mas para haver paz, xiitas e (alguns lideres) sunitas vão ter de chegar a algum acordo. E cheira-me que serão os estrangeiros – EUA e jihadistas – a pagar o preço.
Esta eleição não vai garantir por si só – longe disso! – que o Iraque virá a ter um futuro democrático. Mas é pelo menos um passo na direcção certa. E por isso muitos iraquianos tragicamente vão arriscar a vida para votar. A verdade é que o mundo vive uma epidemia democrática. Cada vez mais países conseguem ter um regime em que pelo menos periodicamente as pessoas têm uma palavra a dizer sobre quem os governa. Os que não gozam desse direito cada vez mais sabem disso, e perguntam: porque não eu?
Há uma lição nisto para nós também. Se alguma coisa está mal em Portugal, e todos sabemos a resposta, façamos por mudar. Quem quiser pode mesmo criar um novo partido, ou uma associação se não gostam de partidos. Mas não façam figura de palhaços a pintar cartazes de quem ao menos se dá ao trabalho de tentar fazer com que a nossa democracia funcione. São capazes de melhor e diferente? Mostrem como, pelo menos com palavras!
PS - Há uma
quantidade de textos a discutir vários cenários no site do Council on Foreign Relations. E uma
entrevista bem interessante precisamente sobre alguns pontos que aqui discutimos.
Duas prendas americanas
Se ainda não leram nada sobre questões internacionais este ano, se não tencionam ler nada este ano sobre questões internacionais, vão a correr ler este texto fabuloso de Tony Judt na New York Review. Como é de regra a escrita é excelente. O texto é uma síntese brilhante, repleta de dados e reflexões, sobre o problema central a que tantas vezes nos temos vindo a referir da comparação e da relação entre os EUA e a Europa. A discussão começa com uma análise da diferença entre o café expresso e o café americano. E Portugal até aparece (precisamente a respeito de bebés)...
Termina assim
Globalization is about the disappearance of boundaries—cultural and economic boundaries, physical boundaries, linguistic boundaries—and the challenge of organizing our world in their absence. In the words of Jean-Marie Guéhenno, the UN's director of peacekeeping operations: "Having lost the comfort of our geographical boundaries, we must in effect rediscover what creates the bond between humans that constitute a community."
To their own surprise and occasional consternation, Europeans have begun to do this: to create a bond between human beings that transcends older boundaries and to make out of these new institutional forms something that really is a community. They don't always do it very well and there is still considerable nostalgia in certain quarters for those old frontier posts. But something is better than nothing: and nothing is just what we shall be left with if the fragile international accords, treaties, agencies, laws, and institutions that we have erected since 1945 are allowed to rot and decline—or, worse, are deliberately brought low. As things now stand, boundary-breaking and community-making is something that Europeans are doing better than anyone else. The United States, trapped once again in what Tocqueville called its "perpetual utterance of self-applause," isn't even trying.
Vale também muito a pena ler na Review um artigo daquele que é provavelmente o melhor repórter actual em língua inglesa, Mark Danner, sobre a reeleição de Bush. Fica-se realmente a perceber a atmosfera... de medo, alimentado pela imprensa populista de direita, em que teve lugar.
Auschwitz e o Mercador de Veneza
Para lembrar
Auschwitz e reanimar o espírito foi ver
The Merchant of Venice, o filme... Como seria de esperar, e para citar uma amiga judia meio húngara meio canadiana, confirmei que a peça é anti-semita... No final o judeu é castigado.
Na verdade, saber exactamente o que Shakespeare queria e
podia dizer nada tem de simples.
A reflexão sobre a rigidez da Lei face às virtudes da Misericórdia que enreda o enredo, pode ser lido como uma crítica ao judaísmo face ao cristianismo, certamente era essa a leitura evidente, mas podia igualmente ou principalmente visar o protestantismo ou o despotismo legalista. Afinal Shakeaspeare era, senão um católico clandestino (seria difícil garantir isso, não tendo ele sido executado), pelo menos de uma família e região dessa inclinação. Do que podemos estar certos é que percebe bem o perseguido... Como sempre sucede com o grande mestre, independentemente dos detalhes e floreados da urdidura chega bem fundo na nossa humanal condição. Se alguém quiser perceber é só olhar e ver, escutar e ouvir.
Assim grita Shylock século após século: Thou callest me a dog before thou hadst a cause. But since I am dog bewar my fangs!
Ou ainda: He has disgraced me and hindred me half a million; laughed at my losses, mocked at my gains, scorned my nation … And what's his reason? I am a Jew. Hath not a Jew eyes? Hath not a Jew hands, organs, dimensions, senses, affections, passions, fed with the same food, hurt with the same weapons, subject to the same diseases, healed by the same means, warmed and cooled by the same winter and summer, as a Christian is? If you prick us, do we not bleed? If you tickle us, do we not laugh? If you poison us, do we not die?
O mestre e os mestres
Lembraram-me num blogue de que me esqueci, que 2004 passou sem ler nenhuma das duas novelas sobre um dos meus mestres preferidos, not least por causa da pequena estória chamada precisamente
The Lesson of the Master... A ironia desta aplica-se bem ao facto de que dois dos melhores escritores contemporâneos destas paragens coincidentemente debruçaram-se sobre Henry James na mesma altura:
Colm Toibin com The Master &
David Lodge com Author, Author. Mais, se o contraste entre os louvores da crítica e as vantagens do dinheiro e da fama das grandes plateias e bestsellers foi um dos motivos de interesse do próprio Henry James e é tema tratado nestas duas novelas, Toibin foi aparentemente o mais aclamado pela crítica e o mais comprado!
Estou certo que ambos foram, em todo o caso, fiéis a estas palavras de mestre James: 'The only obligation to which in advance we may hold a novel without incurring the accusation of being arbitrary, is that it be interesting.'
PS - A coisa mais quente, literariamente falando, por estas bandas parece ser o nova novela de Ian McEwan. Sou um grande admirador do dito. Acho que, tal como Scorcese ou Allen no cinema, mesmo quando não é muito bom, vale a pena... Esta
Saturday nasceu desse Sábado invernil de 2003, dia da gigantesca manif contra a guerra aqui em Londres. Aquele dia tão fora do comum merecia ser trabalhado por um autor de calibre.
Dream on America! L'Europe arrive!
O Luciano Amaral descreve a União Europeia como uma nova União Soviética. Por uns momentos, quando falava de uma nova União Soviética pensei ainda que ele iria falar sobre uma potência governado por um grupo de ideólogos determinados a dominar o mundo para o salvar, a libertá-lo da tirania pela força, com um deficit crescente por causa dos gastos militares, envolvidos numa aventura sangrenta e impopular, enfim, de um país de pleno emprego mas más condições de trabalho, de um estado cujos indicadores económicos não são exactamente muito crediveis...
Mas não, o Luciano decidiu falar sobre a União Europeia, que tem, realmente, uma coisa em comum com a União Soviética... Para uma outra leitura sobre a União Europeia e os EUA , mais fundamentada na realidade, recomendo a leitura deste excelente texto no último número da frequentemente (euro)céptica Newsweek – aliás as revistas e jornais ingleses e americanos têm passado as últimas décadas a prever o fim próximo da CEE ou da União Europeia, se acabarem por acertar não foi por falta de tentativas... Neste artigo explica-se que
5 dos 10 países mais produtivos do mundo (inclusive o n. 1) fazem parte da UE. Que em média um
francês vive mais c. 4 anos do que um americano. Que o
sistema de saúde dos EUA é o 37 melhor do mundo – uma média claro, há muito hospital mau – empatado com Cuba. Que há
45 milhões de americanos sem seguro de saúde. Que os
EUA são o país da OCDE com mais alta taxa de mortalidade infantil. Etc. etc. O autor é um dos melhores – e não acrítico – estudiosos da UE nos EUA, Andrew Moracvsic. O título
«Dream on, America» aponta para o facto da Europa ser vista cada vez mais como um modelo a nivel internacional, mais que os EUA. E cita um artigo recente de Tony Giddens no New Statesmen cuja afirmação central é bem pertinente para Portugal:
“Nordic social democracy remains robust, not because it has resisted reform, but because it has embraced it.” Amen!
Descobrem a esquerda liberal
Vejam como estes nossos amigos recomendam a leitura de Krugman, um dos economistas que mais admiramos. Espero que seja sinal de vão igualmente ler e recomendar em breve as suas sempre tão fundadas criticas ao iliberalismo e ilusionismo (económico e não só) de George W. Bush...
Maturidade e maioria absoluta
Sobre o debate em curso no Barnabé, ainda que com dúvidas sobre se gozo de direitos políticos plenos, pois não gerei uma filha... (mas, se o tivesse feito, certamente não a usaria no mercado político), gostava de dizer o seguinte:
1. A imaturidade do Bloco, caro Rui, não passa pelo revelador moralismo da sua principal figura, Francisco Louçã. (A propósito, só para que conste, na minha visão de uma pessoa verdadeiramente progressista não cabe conceber uma filha e sobretudo apreciar o seu sorriso, isso é pequeno-burguês caramba!!!)
Passa por propostas enganosas como a de prometer mais emprego e a revogação do pacote laboral – quando mesmo a Alemanha e a França estão a flexibilizar o mercado de trabalho. Ou por se afirmar que os empresários portugueses estão podres (todos suponho, porque não se faz distinção) e ao mesmo tempo se promete mais despesa pública! Ora se isto é verdade, a não ser que o economista maravilha Francisco Louçã venha dizer que vai nacionalizar toda a economia nacional e mostrar ao mundo como é que se gerem empresas, não vejo onde é que ele vai buscar o dinheiro se todas empresas portuguesas são geridas por incapazes! E supunha eu que tinhamos um problema de deficit estrutural!
2. Ao contrário do que o Pedro pensa, parece-me que Louçã até pode ganhar alguns votos com estas suas afirmações. Mesmo que perca algum eleitorado urbano, pode ir pescar eleitores da esquerda mais conservadora, jacobino-caceteira, que aprecia este tipo de ataque pessoal a Portas. Resta saber se isso se traduzirá em deputados.
3. O PS para conseguir a maioria absoluta tem de ganhar votos quer à esquerda, quer ao centro. Para isso, deve deixar claro para que é que quer uma maioria absoluta. Para fazer as reformas de que o país precisa urgentemente. Nomeadamente do sector público, que foi apontado correctamente como uma prioridade. Controlar a despesa implica confrontar lobbies importantes o que só um governo forte pode fazer. E alguém é publica e explicitiamente a favor de uma utilização ineficiente dos dinheiros públicos?
Para isso, também, o PS deve deixar claro porque é que ninguém na esquerda deve recear essa maioria. Melhorar a eficiência na gestão do dinheiro público, melhorar a eficiência da administração pública é essencial para salvar o Estado Social de cortes mais radicais.
Mais, as poucas propostas realistas do Bloco, nomeadamente na questão do aborto – que pessoas como Louçã têm feito tanto para bloquear com a sua atitude de superioridade moral – irão ser levadas a cabo pelo PS. E só o PS as pode levar a cabo.
Aquelas propostas do Bloco que são irrealizáveis e irresponsáveis, o PS nunca as poderia assumir, mesmo (sobretudo?) se for governo minoritário. E portanto apenas teriamos a garantia de mais anos de instabilidade e de falta de reformas cruciais que tornariam um governo de direita quase inevitável.
PS – Finalmente, caro Rui, como o Pedro diz quanto mais sólida a maioria, maior a possibilidade do PS captar bons ministros que sabem que têm o poder para levar a cabo as suas ideias. Há pessoas menos recomendáveis no PS, aonde é que elas não existem? Achas que os partidos podem ser a excepção à regra geral da falibilidade humana. Partidos de poder atraem oportunistas, é inevitável. Também atraem pessoas que querem fazer coisas. E os partidos de oposição permanente? Se atraem os utópicos idealistas, não atraem também os críticos profissionais de tudo e de todos, incapazes de realizar seja o que for?
Bush II
Foi ontem o início de four more years. Devo confessar que a camada de neve e a vaga de frio fez-me questionar, pela primeira vez, as garantias Jerry Fallwell e outros tele-reverendos de que Bush II é o homem escolhido por Deus para levar o Mundo para o bom caminho.
Quanto ao discurso que outros escreveram para ele, felizmente é essa tradição, e portanto foi possível ouvir frases completas e minimamente inteligíveis da boca presidencial, para variar. A mensagem principal foi familiar: vamos dar-vos a liberdade a bem ou a mal! Só vejo aqui uma pequena contradição. De que serve ter um mundo cheio de democracias, se depois quem manda no mundo são os EUA?
E sobre o Iraque, nada, claro... Parece que nem estamos a falar do mesmo assunto. Mas talvez seja precisamente isso. Afinal é cada vez mais claro que os EUA podem ter duas de três coisas, mas não as três ao mesmo tempo: um Iraque pacífico, democrático e pró-americano.
Mas pelo menos uma coisa devia ter ficado clara desde que a Turquia resistiu com sucesso a ser envolvida na invasão do Iraque.
Não há melhor arma contra Bush II e os seus falcões do que ter um regime demo-liberal. Essa é a arma secreta contra a qual os EUA pouco podem. A kriptonite do século XXI...
Renovação na continuidade
A renovação da imprensa portuguesa atingiu ontem um ponto alto.
José Pacheco Pereira com textos em simultâneo no Público e no DN. Já sei, já sei, no segundo caso é uma transcrição do ex-Flashback, que agora também tem versão na imprensa, a par da versão TV (e rádio?). Ou seja, se me permitem neologismo com algum sabor filosófico, temos diante de nós o super-homem mediático!
Aguardamos com curiosidade o balanço de JPP sobre este novo estado de coisas. Será que está para breve o tempo em que a imprensa portuguesa merecerá a nossa confiança? Será que uma nova era de qualidade e rigor se aproxima?
China
A respeito da polémica online que anda por aí, acho piada a umas quantas coisas.
1. A direita neo-liberal e neo-conservadora andou anos a atacar China comunista porque não era democrática.
2. A esquerda comunista, sobretudo a pré-bloquista, andou anos a louvar a China porque era comunista e revolucionária.
3. A China é actualmente autoritária (e nesse sentido comunista), neo-liberal ou ultra-capitalista, e mais revolucionária do que nunca. O crescimento exponencial da China é mesmo, em termos globais, a grande revolução do século XXI.
4. Não é certo que isto corra sem sobressaltos. Diria que o passado nos leva a esperar o contrário. Mas sem propriedade privada e um regime de marcado livre não existe liberdade política. Portanto, pelo menos a China segue, neste aspecto, no sentido certo.
5. Como resultado deste crescimento exponencial, nós todos estamos a ficar um bocadinho mais chineses: no cinema, na comida, nas bugigangas, na roupa... Soft power from the East.
A alegria de mais uma campanha alegre
Até há uns tempos atrás apenas tínhamos o prazer de ver repetido o velho cliché da «campanha alegre» sempre que havia uma campanha ale... eleitoral.
Agora temos o prazer acrescido de saber que ao cliché da campanha alegre, podemos acrescentar o cliché do Rui Tavares a denunciar mais uma vez o cliché da campanha alegre. O que seria da vida sem estas pequenas alegrias previsíveis...
Inimigos íntimos : Tony & Gordon
O velho Sir Winston Churchill teria dito a um deputado novato no parlamento qualquer coisa como
look out for the enemy. Perante a previsível indignação deste com tal forma de tratamento da
loyal opposition, teria explicado:
the enemy is not in front of you but in the back! Ou seja, o inimigo a temer não era o adversário político na bancada da frente mas os colegas de partido sentados atrás dele. Ou se preferirem, as facadas nas costas, na elegante prosa a que Santana Lopes nos habituou... Claro que um estadista tem arcaboiço para as aguentar.
É o caso de Tony Blair, cuja maioria parece tão assegurada, que nestes últimos dias dir-se-ia que a verdadeira eleição se disputa no interior do partido trabalhista. Entre Blair e o outro grande peso pesado do governo, o ministro das finanças, Gordon Brown. Desde o início do New Labour que eles vivem um tango de faca na liga. Que até agora, pelo menos, tem estimulado a capacidade política de ambos. Tudo teria começado com Blair a fazer uma mais ou menos vaga - depende da fonte - promessa de que quando abandonasse a liderança apoiaria Brown como sucessor. Teria sido este pacto faústico o preço do apoio decisivo de Brown a Blair nessa corrida para a liderança. Brown, com o sucesso económico do governo (mais um daqueles perigosos governos de esquerda liberal que dos EUA até à Suécia têm tido de rever as suas previsões económicas em alta) tornou-se um aliado ainda mais ambicioso e perigoso. Mas também difícil de dispensar por Blair. Que, no entanto, é um dos primeiro-ministros britânicos mais «presidenciais».
Nos últimos anos foi-se tornado mais e mais evidente que Blair tudo fará para garantir o seu lugar na história (dizem-me fontes próximas de Clio e de Tony). Ora se Brown suceder a Blair com sucesso, é quase inevitável que pelo menos se debata se este último não teria sido a figura realmente dominante de todo este período de predomínio trabalhista... É quase impensável, como os deputados trabalhistas que estão a lugar pela reeleição vieram deixar muito claro, uma separação deste duo maravilha antes das eleições legislativas britânicas. Mas depois de Maio próximo tudo pode suceder...
Contra o ideologismo, marchar!! marchar!!
Caro Paulo
Concordo em boa parte com o seu diagnóstico. Mas… Como diz, o programa do PS ainda não foi apresentado. É normal, portanto, que Sócrates e outros dirigentes do PS estejam um pouco na defensiva. Se assim não fosse, dariam a ideia de que as Novas Fronteiras e todo o esforço de preparação de programa seriam simples formalidade. Para além disso, a imprensa tem sido invadida por uma enxurrada de boatos sobre as políticas do novo governo PS a que tem sido difícil deixar de dar alguma resposta, embora o objectivo de condicionar ou apanhar Sócrates em falso pareça claro.
Por outro lado, o PSD de Santana está de tal forma desacreditado que pode prometer este mundo e o outro que ninguém vai perder muito tempo a discutir as propostas do perdedor antecipado das eleições antecipadas. Todas as atenções estão voltadas para o PS. Isso é bom e é mau. Pode ser prenúncio de maioria absoluta ou de inesperados dissabores. O debate será tanto mais assimétrico quanto todos os outros partidos e seus abundantes apaniguadas opinantes têm interesse em ataques preventivos contra o risco, para eles e apenas para eles claro, de uma maioria absoluta do PS.
Esta será por isso uma campanha dura, destrutiva. Convém que os blogues mostrem à imprensa mais ou menos séria o caminho para se elevar a discussão. Afinal, a única coisa a que os apoiantes de Santana se podem agarrar é à tentativa de mostrar que Sócrates é tão mau como ele. Seria importante que o PS estivesse na sua melhor forma nos vários registos necessários para responder. Mas também que não abdicasse de uma imagem e prática de responsabilidade, sobretudo ao nível do líder. Quem tem boas ideias para o país não precisa de slogans revolucionárias. Quem se concentrar no essencial, não precisa de desconcentrar ministérios. O PS deve recusar o desperdício de tempo, energias ou recursos escassos em inversões bruscas de marcha. E tudo o que vá nesse sentido deve ser sublinhado e elogiado. Contra o ideologismo fácil e barato (ou melhor, caro!), marchar, marchar!!
PS - Portanto não me surpreende que o PPM tenha alguma razão...
O crente e o código
Tinha prometido a mim mesmo não entrar nisto, mas depois de até o Vasco Pulido Valente se ter debruçado sobre o assunto aqui vão algumas achegas sobre o Código Da Vinci. A minha modesta contribuição para se venderem mais uns exemplares.
1. O Código da Vinci é uma obra de ficção. Diga o autor o que disser sobre o muito que pesquisou, isso é evidente. E não deviam cultivar-se confusões a respeito disso, por razões de marketing ou outras.
2. O livro está bem escrito. Lê-se bem. Se há muita gente que diz que sente a sua fé cristã abalada pelo dito código só mostra a fragilidade da mesma. Resultado
de uma catequesezinha o mais conservadora possível, que alguma gente responsável na Igreja Católica acha que deve ser tudo o que se ensina aos crentes, mesmo ao nível do ensino superior. Depois admiram-se que as pessoas não tenham a mínima cultura histórica e teológica. Que evidentemente também podiam ou deviam procurar por si próprios.
3. O livro, só agora traduzido, de E.P. Sanders é uma das muitas obras que nos últimos dois séculos têm tentado abordar Jesus como uma figura histórica. Está longe de encerrar a questão e dar a definitiva, ou como o título provocador sugere, verdadeira história de Jesus. Porque isso é impossível. Há demasiadas perguntas para as quais não se pode encontrar resposta. Por outro lado, muitos das coisas que Sanders afirma, pelo menos como questões, há muito que fazem parte do debate teológico e histórico no pensamento católico.
4. As fontes que nós temos sobre Jesus – evangelhos apócrifos e não apócrifos – são, como é normal na história antiga e medieval, ou seja pelo menos até ao século XVI, bem posteriores aos acontecimentos e recolhem tradições orais e outras que se perderam. Para o que é normal na história antiga até temos fontes ricas e variadas, e relativamente próximas no tempo da vida de Jesus.
5. O facto de hoje se achar que os evangelhos apócrifos e outras tradições mais ou menos dissidentes são a verdade, só mostra como a distância em relação às autoridades tradicionais, nomeadamente à Igreja Católica, não significa que as pessoas se dêem ao trabalho de pensar ou saber mais. Ou que tenham uma visão mais complexa da realidade. Muitos limitam-se a substituir uma ortodoxia por uma anti-ortodoxia. Um código por outro...
Ai este país!
Vasco Pulido Valente veio dizer que é
ridículo vir falar da Irlanda como exemplo para Portugal ou tentar aprender com este ou outros exemplos externos.
Mas há duas falhas no seu argumento. A primeira é que a características que ele aponta como essencial para o sucesso irlandês,
o facto de falarem inglês, é sem dúvida uma vantagem. (Até certo ponto pelo menos, porque quem ouviu falar um irlandês percebe que eles estão mais separados do que unidos pela mesma língua, aos EUA e ao Reino Unido).
Mas já se verifica há um século ou dois.
No entanto, só recentemente a Irlanda começou a crescer a este ritmo.
Em segundo lugar, aprender com os outros quer dizer perceber semelhanças e diferenças, coisas que é possível emular e outras que não, e outras ainda que é possível melhorar.
PS – Já agora seria interessante saber que novo regime é esse que segundo VSP será necessário para a salvação da pátria. E onde é que ele o vai desencantar, ou será que é inteiramente original?
A prudência de Sócrates
Sócrates foi rapidamente acusado de incoerência por ter dito que não iria mexer nos incentivos fiscais à poupança.
Parece-me que prudência é que é palavra certa. Ele veio dizer que não vai mudar tudo de repente e sem ter em conta as consequências e os custos. Parece que há quem não perceba o que a palavra prudência significa, mas é mais ou menos isso: não mexer nas coisas só porque apetece e sem se saber quanto custa. Isso não é de espantar de quem aceitou ser ministro das finanças de Santana Lopes. É importante que o PS defina as suas prioridades em termos de reformas em áreas chaves, e faça o mínimo de mudanças desnecessárias e custosas noutras. Ou seja, exactamente o contrário do actual governo.
É pena que pessoas como o Celso Martins ou o Paulo Gorjão também caido na falta de prudência de atacar a prudência num momento em que ela é tão necessária.
PS – As declarações mais recentes do Bloco e do PCP vieram reforçar a ideia de que com estes dois partidos essencialmente conservadores não é possível um governo reformista. Veja-se o ecologismo recém-descoberto do Bloco em Leiria e o tema comum da revogação do Pacote Laboral (em que mundo é que estas pessoas vivem?). Reformar pontualmente defeitos na legislação é sempre uma possibilidade, mas mais do que isso seria completamente irresponsável.
Breves
A blogosfera nacional está cada vez melhor frequentada. O Pedro Magalhães é a mais recente aquisição de peso. Não o conheço pessoalmente, mas tenho acompanhado os seus textos com muito interesse. Promete, como bom cientista social que é, que, com uma certa margem de erro, irá comentar o ano eleitoral que se segue. Portanto um blogue indispensável para ano de 2005, em que muito se vai falar de sondagens e do comportamento eleitoral dos portugueses.
Terminou hoje formalmente a busca de Armas de Destruição em Massa (ADMs) no Iraque. O facto que nada foi encontrado já nem é novidade. Cabe perguntar como é que foi possível os serviços de informação terem errado tanto e tão sistematicamente, e terem demorado tanto a perceber isso? Quem quiser saber o que se passou e porquê deve começar por ler este texto do melhor analista dos serviços secretos americano: Thomas Powers. Ele mostra que os serviços secretos até acertaram em muita coisa, mas não foram ouvidos. Também previne que a
politização da CIA, em boa parte responsável pelos «erros» a respeito das ADMs no Iraque, vai ser reforçada com o novo director, Porter Goss, o mais político de sempre. Com Bush II é assim, os que tinham razão são despedidos para não continuarem a chatear, e dão lugar aos visionários compinchas do presidente.
Ainda a respeito da credibilidade das previsões económicas de Bush. Hoje o deficit externo dos EUA atingiu o maior valor de sempre. E o dólar voltou a cair. Resta saber quem pagará a factura se/quando a bolha rebentar.
Ministro ao mar. O caso Morais Sarmento é pequeníssima política. Os políticos que temos pelos vistos não percebem que este tipo de tácticas só alimenta o cepticismo e a inveja dos muitos sempre prontos a acusá-los de todos os abusos. Mas acho irónico que se venha agora queixar de baixaria política o mesmo ministro que foi cúmplice de manobrismos para afastar Rodrigues do Santos da RTP, e que usou termos menos apropriados para atacar o Presidente da República. Pela boca morre o peixe. Santana Lopes foi igual a si mesmo...
Blasfémias e Maremotos, riscos e razões
Caro João Miranda
1. Claro que o facto de deverem ser as populações, ou governos por elas eleitos, a decidir se vai para a frente com um sistema de alerta contra maremotos, não implica que não se possa discutir qual a decisão que faz mais sentido. Ou sequer que se tenha de concordar com o que for democraticamente decidido. De outra forma quem quer que defendesse um regime demo-liberal abdicaria da sua capacidade de análise crítica.
Mas convém lembrar que essa é a forma correcta de resolver problemas que afectam as vidas de todos. E não através de quaisquer peritos mais ou menos racionais. Segundo creio, aliás os peritos em sismologia, e até essa revista liberal de esquerda conhecida por
Economist, são favoráveis a um sistema desse tipo.
2. O João afirma desconhecer se a confiança das populações ou dos turistas foi abalada pelo maremoto. Diria que é a ignorância da razão cega. Claro que podemos esperar por sondagens, embora naturalmente essa não seja a prioridade neste momento. Mas podemos com base na experiência do passado afirmar que um evento destes terá algum efeito traumático. (Lembrai-vos do nosso rei D. José e da barraca em que viveu durante uns anos!). Todos os dias temos sinais disso em inúmeras reportagens. Ou até em boatos que provocaram a fuga das populações ribeirinhas em locais que nem foram afectados pela tragédia, como Timor.
3. A forma racional de encarar um risco é perceber a relação entre os custos da prevenção e os seus benefícios, claro. Mas fazer a divisão dos custos pela população potencialmente afectada por um maremoto no Índico é uma forma perfeitamente justificada de fazer essa avaliação. Pois do que se trata não é de evitar um maremoto, sempre imprevisível e inevitável, mas sim de criar um mecanismo que permita minorar os seus enormes danos potenciais e dar descanso às populações vulneráveis aos seus efeitos todos os anos até acontecer um. Ou o João é contra a lógica de ter portas em casa, porque a probabilidade de ser assaltado não justifica o custo? Mais, não percebo que sentido faz o João Miranda vir falar no risco da colisão de um meteoro com a Terra, quando é possível ter aviso prévio do mesmo, graças à investigação astronómica que suponho não queira proibir como um desperdício. Ou será que a investigação inútil é permissível e racional, e aquela que pode servir para avisar de um maremoto é perigosa e irracional?
O que é muito claro é que o custo de um sistema de prevenções de maremotos no Índico, ou no Atlântico é ridiculamente baixo, e existe dinheiro disponível para isso. Seria portanto completamente irracional nas circunstâncias actuais não criar esse sistema.
Ainda o maremoto
Caro João
Verifico que prefere ignorar a questão de saber se um sistema de prevenção deste tipo terá ou não um efeito positivo na recuperação da economia das zonas afectadas. Ajudando a restaurar a confiança no futuro das populações afectadas e dos turistas que, de outra forma, podem preferir, mesmo que muito irracionalmente, não visitar a zona. Talvez porque seja um ponto que ajuda a desmontar o mito do
homo oeconomicus estritamente racional.
O orçamento de um sistema de prevenção é, volto a insistir, muito baixo. Muitos projectos científicos sem qualquer aplicação prática imediata têm orçamentos bem superiores. E o João Miranda não respondeu negativamente à minha pergunta sobre se é contra subsidiar-se a investigação científica. Mais, não sei se os números indicados pelo
Economist são os custos de manutenção anual, ou apenas de investimento inicial no sistema (como me parece ser o caso), com custos de manutenção anual ainda mais baixos.
Será que a forma racional de encarar os custos de um maremoto é dividi-los por médias anuais? Isso parece-me tão irracional quanto dizer que não existe um problema de fome no mundo porque em média toda a gente tem comida suficiente. O cerne do problema numa catástrofe desta é precisamente o seu carácter massivo e concentrado.
Mas mesmo que se olhe para a questão em termos de médias anuais, para ser coerente, caro João também deveria dividir o custo do sistema de prevenção não apenas por ano, mas também per capita. O que tornaria o seu custo ainda mais ridículo, tendo em conta a enorme população das zonas ribeirinhas do Índico que beneficiaria do sistema.
Sobretudo, existe dinheiro a rodos para gerir as consequências do maremoto. Claro que há que fazer escolhas. E claro que coisas tão fundamentais, e tão estatais, como um melhor planeamento urbano e melhor fiscalização da qualidade da construção são muito importantes. Mas excluir um sistema de pré-aviso parece-me, repito, irracional.
Mas no final, e voltamos a um ponto que já discutimos, devem ser as populações a decidir, através dos seus governos – espera-se que – democraticamente eleitos, seja por razões racionais ou emocionais.
De outra forma teremos uma ditadura de iluminados, que por muito racional que seja, não será certamente liberal de esquerda ou mesmo de direita...
Queijo real ou o irrealismo do queijo
O Daniel Oliveira na sua nova e bem vinda coluna no Expresso - até aqui parecia que para os editores só a direita tinha sangue novo para colorir as páginas da imprensa -, e que teve o simpático cuidado de garantir que também ficaria disponível no Barnabé, vem colocar a questão de os deputados indicados pelo MPT e pelo PPM nas listas do PSD poderem vir a ser o queijo limiano do novo governo PS. Ora, segundo julgo saber os ditos deputados ficaram obrigados pelo acordo pré-eleitoral a votar o orçamento e moções de censura da mesma forma que o PSD. Se Santana se esqueceu desse pequeno pormeno anda realmente a comer muito queijo. Estará aí a explicação para o seu comportamento errático nos últimos meses?
Racionalismo e irracionalismo, maremotos e outros desastres
Caro João, ocupado que estive com desastres familiares respondo-lhe agora. Acho interessante o seu esforço para pensar outside of the box (como vê até uso palavras estrangeiras de quando em quando em vez). Mas parece-me ter levado o seu esforço para pensar racionalmente a questão do investimento no combate às emergências até a um ponto extremo, num bom exemplo do delírio da razão.
1. Claro que estou completamente de acordo, meu caro anarquista liberal de direita com o facto de que a existência de uma Estado funcional, com uma infraestrutura de qualidade e capacidade de resposta a emergências é muito importante. Mas não quer dizer que se tenha de esperar por ele existir para se fazer alguma coisa. Ou que isso baste para evitar desastres destas envergadura. Afinal mesmo os EUA fazem parte do sistema de alerta de maremotos no Pacífico.
2. Um sistema de alerta contra maremotos é muito barato, sobretudo tendo em conta os enormes custos humanos e materiais que provoca. Pensar uma relação custo benefício não pode apenas ter em conta a frequência de um evento, mas também o seu custo quando de facto ocorre. Mais, o facto de se saber que o sistema foi criado será essencial para devolver confiança às populações e aos turistas que são uma importante fonte de rendimento para a região.
3. Neste momento existem enormes fundos disponíveis para auxílio à região afectada. Certamente que uma pequena fatia deles pode ser utilizado para criar esta infraestrutura. Ela pode em boa parte, excepto no que diz respeito às sondas, utilizar meios já existentes (satélites e centros de investigação sobre sismos). E como refere o artigo do
Economist que citei, o que a população pode e deve fazer, uma vez recebido o aviso é refugiar-se rapidamente em zonas altas; menciona ainda que o rádio é muito utilizado, mesmo nas zonas mais pobres e desprovidas de meios do planeta. Basta haver um lista actualizada de contactos nos postos de rádios em todas as zonas que podem ser afectadas, e mesmo que estes sejam afectados pelo terramoto muita gente houve as rádios internacionais em onda curta (como a BBC). Claro que pode estar toda a gente a dormir, embora me pareça pouco provável, especialmente se o terramoto for sentido.
Sobretudo trata-se de optimizar a possibilidade das pessoas em zonas de risco de se salvarem. Não existem sistemas infalíveis. Ou o João Miranda acha racional criticar a economia mercado porque não torna toda a gente rica?
4. Este desastre é, de facto, um bom exemplo da importância do papel do Estado e da cooperação entre Estados, de respostas globais a problemas globais. Os Estados e as organizações internacionais não podem fazer tudo e não fazem tudo bem (quem é que faz?), mas há muitas coisas que mais ninguém é capaz de fazer. Mas, e no caso específico desta rede, ela até pode ser, pelo menos paga, por um filantropo bem intencionado. Bill Gates, Ted Turner ou George Soros se me estais a ler...
5. Finalmente, suponho que o João Miranda considere o Instituto de Meteorologia e Geofísica um desperdício de dinheiro público (como aliás toda a investigação científica)? Para quê tentar perceber e prever, sobretudo quando o que está em causa é algo geralmente tão inócuo como saber se vai chover ou fazer sol? Tanto mais que todas as previsões e sistema de aviso têm sempre falhas, como sabemos. E assim passamos do racionalismo extremo para o irracionalismo: os extremos tocam-se...
PS – Nunca foi minha intenção advogar a proibição do termo tsunami, apenas chamar a atenção para que existe uma palavra portuguesa equivalente. Acho que ninguém deve ser preso por dizer
hello em vez de olá,
sorry em vez de desculpe, ou,
how are you em vez de como estás? Há quem goste de usar palavras estrangeiras, há quem, recém-regressado do estrangeiro, as use sem querer...
Mas nos meios de comunicação social portugueses esta liberdade deve ser limitada pelo bom senso e pelo bom gosto: é para isso que existem livros de estilo. Afinal, se for para ler em inglês, já tenho os jornais ingleses ou americanos.
Caso Sampaio: ou o roto e os nus
Talvez afinal sempre se possa fazer um pacto de regime, a avaliar pelo consenso prevalecente, e apenas com o PS de fora.
Um pacto para alterar a constituição e proibir o presidente da república de dar entrevistas, especialmente a programas televisivos, e sobretudo se tencionar dizer alguma coisa de politicamente relevante.
Dito isto, há três coisas que acho curiosas:
Primeiro, o presidente Sampaio é um parlamentarista. Claro que até já tivemos até um presidente monárquico (que aliás ajudou a salvar a república em 1919, para honrar a palavra dada). Em todo o caso é interessante ver que ele defende uma alteração ao sistema por forma a tornar o papel do presidente mais decorativo. Acho mal por várias razões. Nomeadamente porque o semi-presidencialismo, mesmo enfraquecido, mostrou agora as virtualidades da sua flexibilidade ao resolver o problema Santana. Mas é curioso este desamor de Sampaio pela relevância do cargo que ocupa.
Segundo, que o partidos do governo venham utilizar o argumento de que já havia uma maioria e de que foi presidente que a estragou! Claro que o presidente não foi claro, devia ter acrescentado que também era a favor de um sistema de ostracismo, como na velha Atenas. Assim se podia votar o afastamento de Santana Lopes da política, porque conseguiu provar, e continua a provar todos os dias, que com ele, mesmo uma maioria absoluta no parlamento não é garantia de estabilidade.
Terceiro, que o Bloco e o PCP se venham queixar. Eles, que são tão esquerdistas, tão esquerdistas que são o melhor argumento para o PS apenas poder governar e reformar com maioria absoluta.
A este respeito o Bloco veio recentemente tornar as coisas ainda mais claras com esta declaração formal de guerra, para usar as palavras de Vital Moreira.
Peditório contra novo maremoto
Parece que um ilustre blasfemo tem 150 milhões de euros para distribuir por vários projectos meritórios à escolha. Se, depois de tudo bem distribuidinho,
sobrarem entre 4 e 1,5 milhões, que é segundo o Economist quanto custará um sistema de alerta em relação a maremotos no Índico, penso que seriam bem empregues. Assim se poderia devolver alguma paz de espírito às populações e, last but not least, confiança aos mercados e aos investidores na região afectada. E para quem tem tanto...
Promessas económicas
O Luciano Amaral, e não é o único, anda indignado com o atrevimento do Eng. Sócratas em apontar para 3% de crescimento! Impossível, desonesto, mentiroso, gritam! Ora que eu saiba o dirigente do PS não prometeu que iria fazer isso sozinho! Toda a gente de bom senso percebeu, o que sempre se entendeu quando uma declaração deste tipo é feita: que um futuro governo do PS fará o que lhe for possível para atingir, pelo menos, esse objectivo.
Claro que os governos têm menos poder no campo económico do que muita gente pensa, mas isso é um problema geral que não apareceu com o Eng. Sócrates. E se bem me lembro ainda recente o Luciano Amaral defendia o desempenho no campo orçamental de um tal senhor Bush, com base nas suas previsões de crescimento económico, que aparentemente considerava (contra a opinião de muitos economistas norte-americanos) como credíveis. Hoje, mais uma vez as previsões quanto ao desemprego nos EUA tiveram de ser revistas em baixa...
E já agora estranho a ausência de comentários dos nossos bloguistas económicos mais à direita sobre a previsão, ou será promessa, do PSD de que, e desta vez é que é, vai conseguir descer os impostos se for governo! Aparentemente não suscitam indignação e merecem o crédito. Quando, na verdade, são tão incríveis que acabam por ser reveladoras de que já nem sequer no PSD acreditam na hipótese de Santana Lopes reconquistar o governo!
Calapez
Se se despacharem ainda vão a tempo. Podem ver a desfocagem transformada numa forma de arte. Mas os meus favoritos são os recentes contentores de imagens, uns cubos abertos em que à medida que se roda as coisas mudam. A colagem e a associação sempre foi um jogo que me divertiu, e Calapez faz isso há anos em grande escala...
Ignóbeis porcarias
O Rui A. do Blasfémia posta longamente sobre o regime eleitoral no final da Monarquia Constitucional (embora pareça ignorar que a lei de 1901 foi revogada) e durante a Primeira República. E, de facto, tal como alguns dos fundadores dos EUA, também muitos republicanos portugueses achavam que a república era só para os republicanos, para os esclarecidos. Afonso Costa defendeu mesmo que os direitos, liberdades e garantias não deviam constar da constituição, porque ao contrário da monarquia, em que "homens de bem" (i.e. republicanos) podiam ser presos, na república só o seriam "criminosos" (i.e. não-republicanos), que por definição, segundo ele, não deviam poder esconder-se por detrás de legalismos! A Primeira República acabou por se tornar o regime parlamentar de sufrágio mais restrito da Europa.
Duas curiosidade parecem ter-lhe escapado, no entanto. A divisão de áreas urbanas e a sua junção a vastas áreas rurais, que tanto o escandalizava na lei portuguesa de 1901 é actualmente prática corrente nos EUA. Nomeadamente no Texas, em que foi utilizada com grande polémica, logo que os republicanos tomaram conta da assembleia estadual. Alguns distritos eleitorais incluem áreas urbanas, mas depois estendem-se por centenas de quilómetros de zonas rurais para recolher eleitores conservadores. E, advinharam, geralmente garantem a eleição de republicanos.
A segunda é que o sistema de sistema de círculos uninominais já foi experimentado durante a monarquia constitucional portuguesa. E gerou críticas porque se considerava que favorecia o caciquismo. Ou seja, a uma excessiva fragmentação da vida política em função de particularismos locais. Claro que desde sempre os poderes centrais tiveram de negociar com potentados locais, mas uma mudança deste género agora poderia desequilibrar as coisas. Será isso desejável neste momento da vida do país?
Além disso, um sistema estrito de círculos uninominais seria incompatível com a proporcionalidade. Portanto, podiamos acabar com mais gente a defender o mesmo.
Maioria absoluta do PS como dever patriótico
Vital Moreira explica a aritmética no seu mais recente texto no Público. De outra forma o país arrisca-se a ser arrastado meses sem fim num limbo político que só pode contribuir para agravar ainda mais os problemas urgentes que há para resolver. Claro que isto não dispensa o PS de apresentar um programa reformista ambicioso e credível. Porque se é indispensável que ao menos alguém nos governe em vez de nos desgovernar, seria bom que governasse o melhor possível. Por outro lado, é claro que se o PS tiver de contar com o PCP e o Bloco não terá hipóteses de o fazer. Muitas das reformas importante chocam com interesses corporativos e mentalidades imobilistas, e o PCP e o Bloco, apesar da retórica, são em boa parte partidos situacionistas.
Quanto às propostas de um pacto de regime, de uma espécie de Bloco Central soft, parecem-me totalmente despropositadas no actual contexto. Santana Lopes todos os dias diz coisas diferentes e não fosse o desastre eleitoral que se advinha, provavelmente já nem chegaria às eleições. Alcançar um acordo com ele seria pior do que irrelevante. E mesmo em circunstâncias mais normais não se faz pactos para depois se ir disputar uma campanha eleitoral. Esperamos, sem muita esperança, que o máximo de partidos tenha, no entanto, a coragem de dizer ao país que o tempo das vacas gordas e do facilitismo acabou, mas também de avançar com soluções. Quem ganhar não deve ter vergonha de copiar, se se justificar... Mais do que pactar, importaria portanto plagiar, para bem da pátria claro.
Os neo-gaullistas (desta vez norte-americanos!) voltam a atacar
O
Pedro Oliveira vem chamar a atenção para o mais recente texto da Coalition for a Realistic [American] Foreign Policy . Já aqui referímos o texto fundador deste grupo publicado no New York Times na altura da Guerra do Iraque,
mas vale, de facto, a pena sublinhar a relevância e a coragem do texto mais recente deste grupo, contra o do alinhamento total do governo Bush com a direita e extrema direita israelita, que chegou a um ponto tal que hoje se pode questionar se Sharon não é mais moderado do que Bush na questão palestiniana! É um texto relevante porque toca num ponto chave no combate contra o radicalismo no Médio Oriente e de favorecimento de um clima que facilite a democratização da região e relações menos tensas com o Ocidente. É um texto corajoso porque este tem sido um ponto, especialmente nos EUA, praticamente intocável por causa das mais que previsíveis e profundamente desonestas, mas nem por isso menos desagradáveis, acusações de anti-semitismo que visam todos os que se atrevem a criticar a política de colonização ilegal dos territórios ocupados por Israel.
Sobretudo gostaria de sublinhar o carácter abrangente desta Coligação, que praticamente inclui todos os grandes nomes das relações internacionais norte-americanas – de Kenneth Waltz a Stanley Hoffmann, de Mersheimer a Ikenberry passando por Samuel Huntington.
É que quem lê ou ouve os comentadores habituais em Portugal poderia ser levado a acreditar que nos EUA existe um amplo consenso dos especialistas no sentido de apoiar a política externa de Bush, e que só os ignorantes, ou neo-gaullistas europeus mal intencionados é que se opõem às suas clarividentes escolhas. Ou a bota não joga com a perdigota, ou então o neo-gaullismo está a conquistar adeptos de peso no outro lado do Atlântico...
Maremoto ou Tsunami, a ONU e os EUA
João Miranda aparentemente sem ter lido um poste meu a respeito desta questão vem, aparentemente, defender o uso do termo tsunami em termos que confesso não percebi muito bem. Ele parece considerar, não sei com que base, que maremoto se aplica a qualquer sismo no mar, e tsunami apenas a um que produz uma onda gigante.
Ora, segundo julgo, e nomeadamente no caso português, boa parte dos terramotos têm epicentro no mar. Isso significa que são todos afinal maremotos? Creio bem, e basta ver qualquer dicionário, que o termo maremoto designou sempre em português:
grande agitação das águas marítimas por vibrações sísmicas, erupções vulcânicas submarianas e fenómenos de abatimento do fundo, que originam ondas.
Ou seja, o essencial são mesmo as ondas! Mais, mesmo que o termo seja usado pelos especialistas com algum sentido particular e alegamente impossível de exprimir por maremoto, e não sei se é o caso, isso não significa que esse uso seja justificado (embora desculpe o abuso do pobre tsunami pelos jornalistas).
O que não faltam são estrangeirismos perfeitamente evitáveis, mas que são da praxe nas mais diversas áreas académicas, para inglês ver.
O mais importante fica para o fim: actos e não palavras. A ONU mais uma vez mostrou o seu carácter indispensável. E o coordenador norueguês das operações de socorro mostrou que a actual pressão e críticas norte-americanas não assustam a organização, cujas instituições evoluiram imenso nas últimas décadas e se tornaram indispensáveis na resolução de qualquer grande problema global.
Ele envergonhou de tal forma o governo de Bush, que inicialmente procurou manter-se fiel à sua máxima de que as tropas americanas não fazem baby-sitting, que é isso mesmo que elas agora estão a fazer! E para disfarçar o atraso inicial o presidente Bush veio alargar o esforço de angariação de fundos com uma campanha conjunta de Bush Snr. e Clinton!
A este propósito, ou melhor despropósito, o Wall Street Journal veio exibir a sua ignorância destas questões: clamando que o esforço privado norte-americano era extraordinário e que contornava a burocracia da ONU. Quando na verdade ele está – neste caso e agora – mais ou menos ao nível dos outros Estados desenvolvidos, e como todos os demais depende da coordenação da ONU para ser minimamente eficaz.