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CARTAS DE LONDRES
setembro 30, 2004
  Liberalismos
Caro João

O que entendi pela sua espontaneidade? Uma brincadeira com água no bico, um jogo que outros poderiam jogar, como fiz agora com a Somália. Não me diga que vai tirar a bola e dizer que assim não joga?

Anomia = ausência de regras; anarquia = ausência de poder. São a mesma coisa? Pode haver poder sem regras, ou regras sem poder? Diria que com o colapso do Estado como geralmente o entendemos se cai na anarquia e na anomia. Total ausência de poder e total ausência normas não sei se existe.

Economia de mercado = anarquia? Exactamente o contrário! O mercado pressupõe imensas regras, um árbitro forte. Aqui há uma confusão de base. A economia de mercado não é algo de natural.

O estado liberal é emancipador no sentido em que criou uma sociedade de cidadãos com iguais direitos civis e políticos, e a economia de mercado. O que para não ser uma ficção implica alguns serviços públicos mínimos e não simples arbitragem (vide Locke lido por José Barros). Com os bens de quem? Pergunta bem. Primeiro da Igreja e de alguma Nobreza: as terríveis expropriações do século XIX, o terrível intervencionismo estatal no nascimento da economia de mercado! Hoje, essencialmente com os impostos... Ou acha que o Estado não deve cobrar impostos?

Liberalismo = individualismo? O indivíduo de que você fala é uma criação do Estado liberal, só nele pode subsistir (vide Somália)! Eu quero que o Estado liberal continue a proteger o indivíduo contra grandes concentrações de poder e os abusos que produzem. E já agora, o feudalismo é menos natural do que o mercado? Ou a sociedade de castas? As empresas não são uma violação do seu individualismo total? Viva o empresário em nome individual?

Há alguma coisa que a sociedade faça melhor do que o Estado? Não percebo o sentido da pergunta. O que é para si a sociedade? O Estado é exterior à sociedade? E já agora, para si, as empresas privadas são necessariamente eficientes e o Estado necessariamente ineficiente?

O Estado deve estimular a economia? Deve ser jogador, árbitro ou jogador-árbitro? Não é uma questão de escolha! O Estado é sempre jogador e árbitro. Tem sempre impacto económico. Dê-me um exemplo de um Estado puramente árbitro!

Certamente que o Estado deve pensar (planear) o seu impacto na economia! Outra questão é se o seu papel deve ser sempre o mesmo, e se Keynes ou Hayek são a solução! Não leu o que eu disse. A economia não é uma ciência, pelo menos não uma ciência exacta, e certamente não no sentido de permitir ditar lições válidas para todo o sempre. O que Estado pode e deve fazer muda com o contexto e deve ser objecto de debate, informado economicamente, mas não determinado pela escola por acaso dominante na altura.

Não sou muito de cultos de personalidade, é um dos meus problemas com o neo-liberalismo. Mas Locke serve para lembrar que o liberalismo não começou com o Hayek. Coerência? Bem, o marxismo tinha muita. Mas há uma certa coerência, por exemplo, em Locke ou nos liberais do século XIX, que defendem que a propriedade livre dos arbítrios do poder é essencial para a liberdade política, mas que precisamente por isso também se preocupam que todos tenham condições mínimas de subsistência e de entrada no mercado.

Liberalismo = social-democracia? Hoje em dia, é por isso que se fala de regimes demo-liberais, o legado liberal está presente em maior ou menor grau em todos os grupos políticos (até no PCP!). Mas pergunto-lhe, para si o liberalismo é só, e só pode ser, neo-liberalismo? É só, e só pode ser de direita?
 
setembro 29, 2004
  Espontaneidade a mais Tantas dezenas de postes a louvar a espontaneidade e agora tanto receio em usar a palavra caro João! O caos, a espontaneidade da Somália não o seduzem? Que surpresa! Eles resultam do socialismo (suponho que queira dizer regime comunista)? Pois, e a democracia na Polonia também? Post hoc, propter hoc: um velho sofisma. O caos na Somália resulta do colapso do Estado.

Liberalismo não é anomia? Prega ao convertido! O liberalismo clássico como eu tentei explicar ao seu amigo AAA é, entre outras coisas, uma doutrina sobre o Estado e o seu potencial emancipador, not least no campo económico (fim do feudalismo, estimulo das actividades productivas, etc.). Que eu saiba John Locke nunca teve problemas em trabalhar no Board of Trade, esse pioneiro do intervencionismo estatal!

Economia forte = Estado fraco é outro sofisma. O papel económico do Estado, pode (e deve) variar muito (idem com as empresas, sindicatos etc.). Mas em todas as grandes economias o Estado tem um papel essencial.

PS - Obrigado ao Luis Lavoura.
 
  Ortodoxo (AAA) e Revisionista (Eu)? Eu sabia que com atestado médico se sentiria a vontade para me responder sem receios! Mas não preciso de atestados de liberalismo, bem obrigado!

Liberalismo = Socialismo, onde é que eu disse isso? Quando perceber que o liberalismo não é um substituto funcional do marxismo. Que a tradição liberal tem várias faces e vários séculos e com excepção (talvez) de alguns doutrinários neo-liberais mais recentes nunca teve nenhuma intenção de criar escola (austríaca, portuguesa ou somali). Então vai perceber que não existem entidades naturalmente boas (trabalhadores ou empresários) e outras naturalmente más (empresas privadas ou estado) na economia ou noutras áreas. Os dogmatismos são sempre maus, cegam, mas um dogmatismo liberal é particularmente contraditório.
 
setembro 28, 2004
  Mais uns Os camaradas Anacletos caricaturam a esquerda tão bem! Deve ser do treino. Diria que anos de prática a caricaturar o Estado como neo-liberais anarcas, assim da escola do activista Grover Norquist; anos de leitura dessa opus magna da caricatura, The Road to Serfdom de Hayek, que em 1944, na véspera de décadas de proposperidade sem igual, que consolidaram como nunca os regimes liberais democráticos, caricaturou o fim da liberdade às mãos do implicável sr. Hitler, que dizer Stalin, quer dizer Keynes! Keynes!
 
  Telegrama blasfemo Mais uma carta de Londres? Folgo em saber que as outras (que ficaram sem resposta) vos encontraram bem.

Leitura apressada? Mas que generosidade, e eu com medo que fosse outra coisa.

Caso queira realmente debater a questão: a Somália não é um bom exemplo do triundo da espontaneidade sobre o Estado? Então porquê, há muito estado por lá? A anarquia não é o triunfo da espontaneidade?

Os exemplos dados de iniciativas não-estatais são excelentes. Mas com um pequeno problema na sua lógica implicita. Não podiam existir na Somália, ou no Iraque invadido e desgovernado pelo sr. Bush II e companhia.

PS - Para o AAA: já fui ao médico, tensão perfeita! Fique descansado, ainda não é desta que morro de bloguite aguda!

 
setembro 27, 2004
  Blair, Sócrates e o Liberalismo de Esquerda O Blair tornou-se um tabu na esquerda portuguesa! A Terceira Via tornou-se a Via Dolorosa para um inferno em que teriam caido os traidores da esquerda. Calma minha gente! Vejam esta reportagem do Guardian de hoje sobre o congresso dos Trabalhistas que está a decorrer. E digam-me se isto são discursos de direita! Alguma vez tivemos um Ministro das Finanças com um discurso tão à esquerda como o Gordon Brown? Gostava de saber quem (se exceptuarmos, talvez, o PREC).

O Daniel Oliveira diz que o Blair acabou de acabar com os sindicatos, entre outras malfeitorias. Bem, ainda no ano passado houve uma greve dos bombeiros que seria impensável em Portugal sem requisição civil (aqui chamaram a tropa para os substituir). E o Ministro do Trabalho é nem mais nem menos do que o ex-secretário-geral de um dos sindicatos mais importantes (o dos trabalhadores das telecomunicações, claro). O que sucedeu foi que o sincalismo se modernizou. Como o partido. Deixou de divinizar o Estado, ou de demonizar as empresas. Mas sem cair no preconceito inverso.

Não confundamos as coisas. Como diz Brown, não se pode ter politicas sociais sem criar riqueza que as pague. Mas modernizar a economia, como o prova o sucesso da Inglaterra ou dos paises nórdicos, não significa necessariamente aderir ao modelo neo-liberal anarco-plutocrático. Os Trabalhistas cumpriram a promessa de usar o crescimento económico para pagar um investimento crescente na Saúde e na Educação.

Claro que tudo isto vai de par com reformas no sector público por forma a garantir mecanismos de avaliação dos servicos. Houve exageros (planos com dezenas de items para avaliar!). Mas não concordo com os que defendem que exigir performance do sector estatal é privatizar à socapa. Não vejo a lógica disso! Ou será que alguém defende que o Estado deve gastar dinheiro mal gasto? Ou que os problemas se resolvem simplesmente atirando com mais dinheiro para eles? Isso é dar argumentos aos fundamentalistas do privado!

Não gosto do total alinhamento de Blair com Bush (como devem ter notado!), não gosto dos exageros de spin, ou do lado por vezes moralista e populista de algumas medidas. Mas dizer que Blair se limitou a continuar Thatcher is worse than a crime, it is a mistake. Ele e Brown mostram bem o potencial reformista de um liberalismo de esquerda. Por isso, tal como o Pedro, espero que Sócrates, sem seguidismos nem tabus, represente uma boa alternativa ao governo actual. Pelos menos, e para começar, foi eleito por todos os militantes do PS, depois de amplo debate interno!

PS - Quem quiser saber mais pode ver este site da BBC sobre congresso dos Trabalhistas.
 
  Vitimas A respeito deste poste do Ivan Nunes lembrei-me deste texto excelente do Gary Younge no Guardian, de que cito apenas uma pequena parte for flavour. De facto, não faltam vitimas para dar e vender:

But nowhere is the abuse of victimhood more blatant than in the US presidential election, where September 11 remains the central plank of the Republicans' strategy for re-election. The fact that their campaign begins with the terror attacks is not only understandable but also, arguably, right - this is the most significant thing to happen in the US since Bush assumed office.
The trouble is that the campaign's message ends with that day also. September 11 has served not as a starting point from which to better understand the world but as an excuse not to understand it at all. It is a reference point that brooks no argument and needs no logic. No weapons of mass destruction in Iraq? "The next time, the smoking gun could be a mushroom cloud?" No United Nations authority? "We will never again wait for permission to defend our country." No link between Saddam and al-Qaida? "They only have to be right once. We have to be right every time."
This is the real link between Iraq and 9/11 - the rhetorical dissembling that renders victimhood not a point from which they might identify with and connect to the rest of humanity but a means to turn their back on humanity. They portray America's pain as a result of 9/11 not only as unique in its expression but also superior in its intensity.
When 3,000 people died on September 11, Le Monde declared: "We are all Americans now." Around 12,000 civilians have died in Iraq since the beginning of the war, yet one waits in vain for anyone to declare that we have all become Iraqis, or Afghans, let alone Palestinians. This is not a competition. Sadly, there are enough victims to go around. Sadder still, if the US continues on its present path, there will be many more. Demanding a monopoly on the right to feel and to inflict pain simply inverts victimhood's regular contradiction - the Bush administration displays material strength and moral weakness.


Lembrei-me igualmente de um amigo judeu americano que foi acusado de anti-semitismo por se ter atrevido a perguntar num debate (com Timothy Garton-Ash) se Israel não estaria a usar e abusar do Holocausto para reclamar um estatuto de vitima permanente que tudo desculpava.


 
  E agora sem Estado Miguel Sousa Tavares coloca um desafio pertinente aos neo-liberais para quem tudo está tão mal com o Estado (e que tanto fazem fazem para que assim seja, pois reformas sérias dariam muito trabalho e chocariam com demasiado lobbies):

Se não querem mais o Estado, digam-no, escrevam-no, decretem-no. Terminem com as obrigações do Estado e com as obrigações para com o Estado. Vamos experimentar ser uma nação sem Estado. Com corporações e partidos. Logo se verá o que o que resta.

De facto, pergunto eu, porque será que esses neo-liberais nunca se referem aos casos em que o esforço para acabar com o Estado foi bem sucedido, em que reina a espontaneidade? Casos como o ex-Zaire (ou será ex-Congo?) ou a ex-Somália, ou até o ex-Iraque, ou o ex-Afeganistão. Curiosamente até no caso deste dois últimos ex-países, quando se referem a eles é para insistirem que a autoridade do Estado está a ser restabelecida e não há razão para nos preocuparmos. Notam aqui alguma falha de lógica ou sou só eu?
 
  Até os conservadores ingleses já perceberam! A capa do último Spectator (vol.296, n.º 9190; 25.09.04) diz tudo: uma águia americana que se está (literalmente) a c++ar para o bulldog inglês!

No interior Niall Ferguson, o conhecido historiador conservador (que uma vez me pediu desculpa por denegrir o colonialismo português), que recentemente passou a dividir a sua actividade entre Oxford e Harvard, explica o óbvio. A special relationship entre os EUA e a Inglaterra tem sido sempre muito unilateral, e por isso, por Washington ser um aliado tão imprevisível, Londres não tem outra escolha racional desde há muito senão a Europa. (Como dizia Willie Brandt, a special relationship era tão especial que apenas os ingleses é que sabiam da sua existência!)

Eis algumas passagens particularmente reveladoras:
Mr. Blair’s fervid Atlanticism therefore marks […] a break in the long-term deterioration of Anglo-American relations.

Mr. Blair relishes the American penchant to inject morality into foreign policy. Indeed, to him, war has become an instrument not of policy but of morality.

Mr. Bush’s tacit imperialism – so much more resolute than its precedessor – has found its staunchest support in Mr. Blair’s private faith. On they march, these two Christian soldiers, each with a Bible in one hand and a bazooka in the other.

Many of us still fondly imagine that we have more in common with ‘our American cousins’ than with our Continental neighbours. It may have been true once (though I find it hard to say exactly when.) But it certainly is not true now.

The Iraq war may not have destroyed Mr. Bush and Mr. Blair. But it surely laid bare the asymmetry of the relationship between Washington and London.

It is surely time to get our foreign policy up off the flatbead.


Claro, a special relationship entre Portugal e os EUA é um caso completamente diferente...
 
setembro 25, 2004
  Diga connosco DESPICABLE Editorial de hoje do New York Times (jornal oficial do anti-americanismo a par do Washington Post):

Vice President Dick Cheney declared that electing Mr. Kerry would create a danger "that we'll get hit again," his supporters attributed that appalling language to a rhetorical slip. But Mr. Cheney is still delivering that message. Meanwhile, as Dana Milbank detailed so chillingly in The Washington Post yesterday, the House speaker, Dennis Hastert, said recently on television that Al Qaeda would do better under a Kerry presidency, and Senator Orrin Hatch, the chairman of the Judiciary Committee, has announced that the terrorists are going to do everything they can between now and November "to try and elect Kerry." This is despicable politics.

Mr. Bush has not disassociated himself from any of this, and in his own campaign speeches he makes an argument that is equally divisive and undemocratic. The president has claimed, over and over, that criticism of the way his administration has conducted the war in Iraq and news stories that suggest the war is not going well endanger American troops and give aid and comfort to the enemy.

PS - Vale a pena continuar a acompanhar o blogue do Pedro Ribeiro, Our man in the States, que recomendámos há algum tempo atrás. Mas aparecem coisas estranhas como um poste do André Carvalho que defende que o Iraque tem alguma coisa a ver com o 11 de Setembro! E que os civis iraquianos mortos (nunca se sabe ao certo quantos) foram sempre resultado de mortes acidentais. Digamos que muitas noticias recentes parecem desmentir isso... Digamos, como diziam tantos New Yorkers em manifs recentes contra a guerra no Iraque: Stop the 9/11 cover-up!!
 
  A Nódoa Philip Roth é um dos melhores novelistas americanos actuais, autor de The Human Stain (A Nódoa Humana literalmente) um conto sobre as armadilhas do politicamente correcto no meio académico. Não é portanto exactamente um esquerdista radical.

O seu novo romance The Plot Against America é uma ucronia ou alternate history em que Lindbergh derrota Roosevelt. A primeira frase do livro é: "Fear presides over these memories, a perpetual fear." Percebe-se que poderia haver quem fizesse paralelismos com o presente. Para evitar confusões, Roth deixa claro que:

Some readers are going to want to take this book as a roman a clef to the present moment in America. That would be a mistake.

Mas logo adiante acrescenta:

George W. Bush, a man unfit to run a hardware store let alone a nation like this one, and who has merely reaffirmed for me the maxim that informed the writing of all these books and that makes our lives as Americans as precarious as anyone else's: all the assurances are provisional, even here in a 200-year-old democracy.


De facto, nenhum outro país se atreveria a ter num posição tão importante um homem tão claramente limitado. Os EUA podem dar-se a esse luxo, but is it wise? Em Portugal estranhamente muitos acham que sim. A ideologia cega, realmente.
 
setembro 24, 2004
  Raposas Não me tinha apercebido de que corria tanta tinta bloguistica sobre o fim da caça a raposa aqui em Inglaterra, a pretexto deste poste do Fernando Albino. Para mim, o Max Hastings no Guardian resume bem o que penso sobre a imposicão de uma ditadura da maioria urbana ao mundo rural de que nunca se lembra a não ser quando ofende a sua sensibilidade, tornando-o ainda mais dependente de subsidios (a caça é uma actividade muito rentável, caro Fernando, e vão ter de indemnizar os muitos que vivem disso).

Respeito e simpatizo quem se sensibilize com a ideia de cães a maltratar raposas, ou raposas a maltratar coelhos, ou pessoas a pisar formigas. A mim ofende-me particularmente o mau trato gratuito de animais (por exemplo prendê-los em apartamentos!) e a moderna industria alimentar que só pensa na engorda. Mas duvido que se possa simplesmente decretar o fim de tudo isso de repente!

Adoro raposas, e em Cambridge tinha uma na vizinhança que muito gostava de dar passeios pelo colégio para susto de um colega americano menos marcial do que se poderia pensar (os preconceitos, sempre os preconceitos!). Estivessem em perigo e não hesitava em apoiar medidas para as proteger, mas nada disso!

E sabem qual é uma das principais causas de morte violenta de raposas? Os carros! Ora não me parece que Blair esteja disponivel para proibir os carrinhos dos citadinos de circularem em demanda do campo puro e sem sangue!
Gourgeous, darling, isn'it? And no blood sports any more! Hoops, sorry about that bump!
 
  Ainda o rigor na campanha presidencial nos EUA A New Yorker publica um texto bem interessante sobre Teresa Heinz Kerry, e esta passagem mostra bem o rigor dos Republicanos em campanhas recentes, tema sobre o qual, estranhamente, o rigoroso AAA continua silencioso, será que caiu em si e se deu conta de ter sucumbido ao neo-sovietismo atlantista? Contra factos não há argumentos? Diria que sim não fora ao facto de andar a insistir no tema e a pedir contas a outros.

When she changed her affiliation [o marido de Teresa, o senador Heinz era um republicano moderado], it wasn’t for Kerry’s sake, she says, but because she felt alienated by the increasingly strident, divisive rhetoric of the Republican Party. She found the tactics that the Republicans used to defeat Max Cleland, the Democratic senator from Georgia, who lost three limbs in Vietnam, “unscrupulous and disgusting.” Cleland was accused of being “soft” on homeland security, and the conservative commentator Ann Coulter claimed that he had caused his own mutilations by mishandling a grenade. “What does the Republican Party need?” Heinz Kerry asked in a CBS television interview. “A fourth limb to make a person a hero?”
Having survived the abrupt and violent losses of both her husband and her sister—two “comets,” as Heinz Kerry put it, whose brilliance had always eclipsed her—she felt that she had, in middle age, been given a belated chance to test her mettle and achieve her own prominence. She chose to do so in philanthropy rather than in politics. Grant Oliphant, John Heinz’s former press secretary, who is now the associate director of the Endowments, gave me a tour [...]


The Endowments’ assets—about $1.3 billion—generate between sixty and seventy million dollars a year, which, Oliphant says, “is distributed to an array of progressive, mostly environmental causes, but also to programs that are faith-based and conservative, such as charter and Catholic schools in the inner city, and organizations that teach parenting skills.” Still, he says, “the Endowments have been under attack for months by right-wing groups attempting to cast Teresa’s philanthropy as extremist and left-wing.” The attacks— which have been discredited as baseless smears by political fact-checkers at the Annenberg Public Policy Center—include assertions that Heinz Kerry helped to “launder” charitable contributions and that she gave money to a foundation with links to Hamas. (The editor whom Heinz Kerry told to “shove it” on the eve of her Convention speech works for the conservative Pittsburgh Tribune-Review, which aired some of the accusations uncritically.) The donations in question were a decade’s worth of support for the Tides Center and Foundation, and were earmarked for specific environmental projects in Pennsylvania and for youth and economic-opportunity programs.

O texto também considera que o facto de Teresa ser a primeira Primeira Dama de origem estrangeira poderá ajudar a abrir horizontes e portas para os EUA. Mas que fique claro, estamos cientes do simplismo da ideia de que ter uma primeira dama de origem portuguesa contribuiria de alguma forma para o melhor relacionamento entre os EUA e Portugal! Já a cimeira dos Açores e a presença da GNR no Iraque, evidentemente colocam-nos na primeira linha dos aliados de Washington, como, aliás, a recente visita de Santana Lopes aos EUA bem mostrou! Há que ter a coragem de ser realista nestas coisas e defender o interesse nacional sem sentimentalismos!

PS Obrigado Salomé
 
setembro 23, 2004
  Stuff Happens ou como o bin Laden escapou! Chama-se Stuff Happens, citando a famosa resposta de Rumsfeld aos que o questionavam sobre o caos no Iraque pós-Saddam. Mas bem poderia chamar-se a Tragédia de Colin Powell. Trata-se da nova peça de David Hare. Quem estiver interessado e passar por Londres até Novembro pode fazer como Hans Blix e aproveitar o período especial de descontos com bilhetes a 10 libras.

Há muito que Hare se interessa pelo teatro ‘político’ (via Brecht no início de carreira), e recentemente conclui uma trilogia sobre o estado actual da Grã-Bretanha. Nesta nova obra Hare 'limita-se' a dramatizar as decisões e negociações que levaram à guerra no Iraque. Quase tudo o que é dito pode ser documentado. Demasiado óbvio, bastava ver os noticiários? Bem, desde logo, como em qualquer documentário, há o editing, ou seja, o pequeno problema de reduzir a guerra a duas horas e meia. Depois, muito do que se ouve teve lugar nos bastidores, teria sempre de ser dramatizado para ser 'visto'. E os actores são soberbos.

Mas sobretudo Hare não fez uma comédia em torno de Bush, o que seria fácil. Bush II fala pouco e de forma repetitiva mas o autor exclui quase inteiramente da peça os seus frequentes problemas com a língua inglesa. O que é terrível e interessante na peça é ouvir hoje aquilo que Bush & Comp. diziam na altura. As ameaças, os insultos, as certezas. Talvez o tema dominante da peça seja a luta vã de Colin Powell para fazer prevalecer a razão, o bom senso. Bush é um enigma. Powell é humano e profundo, das suas memórias do Vietname até às suas explosões contra os delírios dos neo-conservadores. O sentimento de empatia é inevitável, e também pensar: como é que não é ele o presidente? E como as coisas seriam diferentes apesar do 11 de Setembro, como tudo poderia ter sido bem diferente; essa é a tragédia para todos nós.

Mas fulcro para mim da peça é quando Blair fica sem resposta de Bush ao fazer-lhe a pergunta que 'lots of angry generals' por aqui se fazem: bin Ladin estava cercado por tropas especiais inglesas em Tora Bora, os americanos mandam-nos retirar. Entre uns sairem e os outros chegarem com a ajuda duvidosa de nativos pagos para morrer em vez dos americanos o homem escapa! War president!?! Americans are from Mars!?! Isto para nem sequer entrar noutras teorias...

Enfim, uma realidade mais dramática que muito ficção, e que faz com que se multipliquem os projectos artísticos que lidam com ela de uma forma ou outra. Tem de se reconhecer que pelo menos Bush II tem feito muito pelas artes!
 
setembro 22, 2004
  Deficits e outros problemas Concordo com boa parte deste texto do Luciano sobre as medidas de Bagão.

Mas o seu texto sobre os EUA leva-me a perguntar quais são as fontes dele para este louvor da política económica de Bush II? A ideia de que Bush II vai moderar a sua política fiscal foi desmentida hoje mesmo! A ideia de que o deficit não importa porque seria amortecido pelo crescimento económico seria óptima não fosse o facto das previsões do impacto dos cortes nos impostos (por sinal sistematicamente subavaliadas) pressuporem já taxas muito generosas de crescimento económico. Sabemos que no caso de Reagan foi usado o mesmo argumento com os resultados conhecidos. Sabemos igualmente que o enorme crescimento da era Clinton não precisou de cortes gigantescos nos impostos.

Não é verdade que Kerry queira um sistema de seguranca social despesista, que aliás seria impossível de aprovar; ou que seja sistematicamente proteccionista! Recomendava ao Luciano que lesse o Paul Krugman com mais frequência; aliás ele está a preparar um livro tipo Pop Internationalism sobre a economia política norte-americana que promete. O mesmo não se pode dizer de Bush II que com o desastre do Iraque muito tem contribuido para o risco de uma recessão da economia mundial por via da subida do crude! Mas o que se pode esperar de um tipo que quase conseguiu matar-se com um pratzel? (Como disse hoje o Boris Johnson do Spectator numa palestra muito divertida; mais sobre a minha 'conversa' com ele a respeito de bordéis noutro poste).
 
setembro 21, 2004
  Republicanos pouco republicanos ou verdes pouco verdes Há quem ache graça a isto, eu acho mais graça a isto, a mais um bom exemplo dos elevados principios, da forte estrutura moral que norteiam Bush II e os seus apoiantes:

What do you do if you're a loyal Republican who, like three fifths of George W. Bush's donors, has given $2,000 to the President's re-election campaign—the maximum that the law allows? If you're among a growing number of clever conservatives, determined to bleed votes from John Kerry at any price, you write a check to Ralph Nader. Who better to throw a close election to your man than the guy who did so last time around?

Nader's most prominent Republican backer is the billionaire Richard J. Egan, a Bush "Ranger" and recently the ambassador to Ireland, who has so far bundled more than $200,000 for the President's re-election campaign. Over the past year Egan and his wife have given $35,000 to the Republican National Committee and thousands more to the party's congressional candidates.
 
  Americano Acidental ou Mr. Tony goes to Washington O Paulo Gorjão parece uma pessoa que gosta do debate de ideias, uma característica que não está tão difundida nos blogues como se diz. (Quanto a mim prometo responder a tudo, especialmente a insultos, desde que me avisem, pois não consigo ler tudo). Desafiou-me há dias para uma troca de impressões sobre o um novo livro dedicado inteiramente à relação de Tony Blair com os EUA. Aqui ficam.

O autor de Accidental American é o actual editor do Today, o programa da BBC que esteve na origem do escândalo Kelly, e realizou há pouco tempo um documentário sobre os neo-cons. O livro vale sobretudo por pérolas de embedded journalism como esta, Blair diz-lhe a certa altura: ‘I never quite understand what people mean by this neocon thing’! (Talvez não lhe tenham chegado ecos da famosa conversa de Powell com o seu colega Straw em que os caracterizou como ‘f+++ing crazies!’) Ou a de um ministro de Blair que confessa também ele estar à espera de que Tony tivesse o seu Love Actually 'moment, and it never happened’ (o filme com Hugh Grant como alter ego de Blair, em que ele se demarca publicamente do presidente norte-americano num momento chave...)

Penso, no entanto, que a ideia de Blair como um Americano Acidental está errada (nisso sigo mais Blair’s Wars). Ele desenhou muito cedo uma política externa de ultrapassagem do modelo de Vestefália (é ele que o diz), ou seja de intervencionismo humanitário, que só era possível, e ele sabia-o, com o apoio do poderio norte-americano. Por causa desta missão internacionalista ele estava determinado a manter uma boa relação com Bush II. É esta a grande ironia, pois levou-o a abandonar um elemento central de uma estratégia realista para a Grã-Bretanha, de ser uma ponte entre a Europa e os EUA (the Blair bridge project chama-lhe Garton Ash no seu novo e excelente livro). Sem o peso da Europa por detrás, e sem querer perceber a natureza radicalmente diferente do projecto neo-conservador, Blair nunca poderia passar de um poodle de Bush II num projecto neo-imperial que era no fundo a negação daquilo em que Tony acreditava.
 
setembro 20, 2004
  Credibilidade e erros grosseiros AAA mostra-se indignado com a perda de credibilidade da CBS por causa dos documentos falsos relativos ao facto de Bush II ter fugido do Vietname como o diabo da cruz. De facto, preocupante... Com a Fox ou o New York Post (ou a Ann Coulter), claro, tal melindre não faria sentido, visto não terem credibilidade para perder; a imprensa de qualidade ainda se atreve a tentar ser imparcial e rigorosa, dá nisto: de vez em quando enganam-se e reconhecem isso!

Estranho, no entanto, que nem o Wall Street Journal nem o AAA se tenham pronunciado sobre a credibilidade do próprio Bush, quando o relatório norte-americano sobre as Armas de Destruição Massiva de Saddam concluiu que elas não existiam, e pelo meio provou a eficácia das sanções e dos inspectores da ONU. Aparentemente sobre esse erro grosseiro com consequências um pouco maiores do que uma reportagem da CBS, o WSJ e o AAA nada têm a dizer. Reconhecer erros também não é nada que diga respeito ao Bush II. Ele nunca falha, claro!
 
setembro 19, 2004
  Nos EUA param-no a tempo... Interessante o mais recente texto do director do Publico, sobretudo porque aproveita para defender mais uma vez os EUA, e atacar a Europa, em vez de notar os evidentes paralelismos entre Putin e Bush, nos impulsos, ainda que felizmente não nos resultados, porque nos EUA existem outros contra-pesos, ainda que algo tardios...
 
setembro 17, 2004
  Os EUA como o Sol da Terra ou contos de um War President Concordo inteiramente com o Rui Tavares que a politica sempre foi o reino do mal menor, e portanto votar contra um candidato especialmente mau nada tem de anormal. Mas alguma direita anda encadeada por sonhos dos EUA como o sol da terra. Quem diria?

Um dos mitos mais divertidos deste neo-sovietismo atlantista é o de Bush II como um grande war president e o pior inimigo de bin Ladin e companhia. A este respeito aqui ficam dois bocadinhos apenas de dois artigos demolidores na New York Review sobre os resultados dos inquéritos parlamentares ao 11 de Setembro.

O primeiro texto é uma espécie de Onde está o Dubya?
About as close to actual criticism as the commissioners were willing to go is the flat remark that despite numerous warnings from the CIA, America's:
domestic agencies never mobilized in response to the threat. They did not have
direction, and did not have a plan to institute. The borders were not hardened.
Transportations systems were not fortified. Electronic surveillance was not
targeted against a domestic threat. State and local law enforcement were not
marshaled to augment the FBI's efforts. The public was not warned.

These things that were not done must have been not done by somebody, but that somebody, and the somebodies reporting to him, are not criticized by name, although knowledgeable readers who closely read the text get the drift easily enough.


O segundo artigo deixa claro que não é só Michael Moore a ter dúvidas sobre o desempenho de Bush II no dia 11 de Setembro:
the commission gives a devastating picture of the chaos within the Bush administration on the morning of the attacks, when the President famously remained in the Florida classroom for some five to seven minutes (according to the report) after learning of the second attack on the World Trade Center. But this is just one of several examples that morning of questionable judgment on the part of the President, as well as of the officials traveling with him, including his chief of staff, Andrew Card, and his political mentor, Karl Rove. Bush told the commission that he attributed the first crash, which he learned of before he entered the school classroom, to "pilot error," but this seems strange, since it is unlikely that a pilot would accidentally stray into a very tall, prominent building in a highly controlled air space on a clear autumn day. Subtly but damningly, the report makes it clear that after Bush left the classroom, "the focus was on the President's statement to the nation"—his "message"—rather than on taking charge of the nation's response to the attacks
 
setembro 16, 2004
  E se Bush II ganhar? Uma Europa mais forte Seria mau para todos, sobretudo para os EUA, e sobretudo se Bush II ganhasse por uma margem pequena (da outra vez precisou mesmo da ajuda do Supremo Tribunal)... Mas Kerry tem fama de ser um latecomer e de ser muito bom nos debates. Esperemos.

Claro que em termos externos o espaço de manobra de Bush escasseia por causa do desastre iraquiano. Como disse um norte-americano bem colocado na ala profissional do Departamento da Defesa num seminário aqui em Londres (evidentemente off record): 'if these guys think we are going to attack Syria or Iran next, they have not been reading the news, we are not going to attack sh+++ in the next few years!'

Mas com um Bush II por mais quatro anos qualquer marcha atrás na politica externa norte-americana seria lenta e contrariada. E qualquer possibilidade de prosseguir no sentido de um multilateralismo mais musculado e eficaz seria muito dificultada. Uma Europa forte seria ainda mais urgente. Na verdade, uma Europa mais forte é a única forma de garantir que os nossos interesses e valores serão tidos em conta em Washington independentemente de quem ganhe nas presidenciais de Novembro de 2004.
 
setembro 15, 2004
  Churchill hoje Eis o que nos diz Sir Martin Gilbert:

Creio sinceramente que algumas coisas lhe dariam grande satisfação. O facto de a União Europeia existir, por exemplo, ele que foi um dos inspiradores do Movimento Europeu. Também acreditava profundamente que o seu país devia exercer uma influência moderadora sobre a política americana. Talvez ficasse um pouco desapontado com [o primeiro-ministro britânico] Tony Blair....

Nada que surpreenda os leitores deste blogue, mas que vale a pena deixar registado, quando nos tentam impingir tanta coisa nos tempos que correm por via da autoridade de Sir Winston.
 
  Kerry e Bush Claro que Kerry pode perder em Novembro. O inesperado é que tenha possibilidades de ganhar. Nunca um presidente americano perdeu o seu posto durante uma guerra (se exceptuarmos, claro, Johnson que não se recandidatou sabendo que ia perder por causa do Vietname). Foi preciso muito asneira de Bush II depois do 11 de Setembro e de sondagens que lhe davam 90 por cento de apoio para se chegar a este ponto. Mas a sua máquina política continua terrivelmente eficiente, não a apoquentam ideias ou problemas morais. Karl Rove lidera-a com mão de ferro, e sabe como ninguém utilizar para os seus fins a forma como os media, sobretudo a TV, cortam a palavra a qualquer ideia mais complicada e adoram deslizes, mesmo virtuais ou completamente descontextualizados; é pena que Kerry apenas agora tenha ido buscar homens da equipa de Clinton, como James Carville, minimanente capazes de responder com igual brutalidade. Pena talvez que sejam precisos.

Sobretudo porque a direita americana controla e usa abertamente uma grande parte da da imprensa populista (da Fox ao New York Post), e condiciona muito eficazmente o resto. Veja-se o barulho criado em torno dos documentos (talvez falsos - o que tanto irrita a direita da nossa blogosfera) sobre o real e claro favorecimento de Bush II ao ser incorporado na Guarda Nacional do Texas, em vez de ir para o Vietname como Kerry; em contraste com a placidez (ou apoio encapotado) da direita nacionalista face aos ataques falsos ao desempenho exemplar de Kerry no Vietname (que "estranhamente" contenta com muito pouco alguma direita da nossa blogosfera).

PS - Quanto aos que apoiam Bush II pela sua politica fiscal dita liberal, sempre gostava de perguntar: desde quando o despesismo monstruoso pode ser qualificado de política liberal? (Neo-liberal talvez: antes a bancarrota do que o Estado). Clinton, e assim seria com Kerry, foi mais liberal em tudo, inclusive na política económica, do que Bush II. Not least nos direitos, liberdades e garantias.
 
setembro 11, 2004
  11 de Setembro, o que mudou na relação Ocidente Islão? Na relação entre o Ocidente e o Islão há sem dúvida uma maior desconfiança. A resposta escolhida por Bush a esta crise, particularmente com o ataque ao Iraque e o apoio total a Sharon, corresponde exactamente ao que bin Ladin desejava. Em vez de ele aparecer cada vez mais isolado num contexto de desenvolvimento, pacificação e reformas democráticas no Médio Oriente, são os moderados que têm dificuldade em afirmar-se nessa região chave, e em contrariar a ideia de que os EUA e o Ocidente só olham para os males do lado do Islão, e só a eles respondem com a força. Bin Ladin sempre quis uma guerra de civilizações, apostou numa multiplicação de conflitos entre países ocidentais e países islâmicos que desse credibilidade à sua propaganda de que ele é vanguarda armada de um Islão ameaçado. Mas também aqui, embora as perspectivas sejam más, é demasiado cedo para se fazer juízos definitivos. Tudo depende da coragem e do espaço de manobra dos moderados, lá e cá.
 
  11 de Setembro, o que mudou no terrorismo? Em termos de terrorismo mudou de facto alguma coisa. Não por se tratar de um ataque a civis, pois frequentemente os terroristas não conseguem atacar alvos militares. Mas por uma questão de escala. E o terrorismo é uma forma de guerra psicológica que vive do impacto que causa. Isto significa que subiu o limiar do terror. O que é muito perigoso. Vivemos hoje sem o fantasma longínquo da destruição total da civilização pelo holocausto nuclear, mas com uma insegurança bem mais difusa.
 
  11 de Setembro, o que mudou na ordem internacional? Em termos da (des)ordem internacional é demasiado cedo para se poder saber verdadeiramente qual o impacto dos ataques do 11 de Setembro. Pode ser profundo, pode ser meramente episódico. Até porque já desde 1989 que se vivia uma situação de transição, que à falta de melhor chamamos pós-Guerra Fria. Se nessa altura ficou claro o poder dos EUA, em 2001 ficou igualmente claro que isso não significava que eram invulneráveis à confusão frequentemente sangrenta que se seguiu ao ruir da ordem relativa dos grandes impérios coloniais e dos dois blocos que tinha reinado nas decadas anteriores. Ou seja, para já o 11 de Setembro acentuou a incerteza reinante.
 
  11 de Setembro: o que mudou em Nova Iorque (e nos EUA)? Em Nova Iorque passou a haver um enorme cemitério de betão no coração de Downtown. Sobretudo à noite, totalmente iluminado por uma quantidade de holofotes, impressiona esse vasto espaco vazio. Está ironicamente próximo do mais antigo cemitério da cidade junto à Igreja de Trinity, ironicamente também, durante muito tempo o edifício mais alto da jovem cidade colonial. Mas a cidade não parece ter mudado de carácter, continua tão buliçosa, cosmopolita e liberal como sempre. Quando a visitei em Março, aterrei no meio de uma manifestação contra Bush e a guerra do Iraque, em que o principal slogan era de denúncia da associação enganosa entre Saddam e o 11 de Setembro. Mais complicado é responder se os EUA mudaram. Mas a verdade é que a maioria das sondagens mostrava grandes reservas dos americanos quanto ao unilateralismo de Bush no Iraque.
 
setembro 10, 2004
  Parabéns de uma vez por todas! Eu não sou muito de aniversários, seja de blogues ou de qualquer outra coisa, nomeadamente por ter uma memória péssima e resistir bastante a obrigações sociais (Quem disse que os blogues não têm regras, hierarquias, territórios, códigos? Venham sociólogos de ICS, venham ver!). Mas queria abrir uma excepção para o Barnabé, que foi essencial para me desencaminhar para estas bandas largas bloguísticas. Eles realmente têm muito porque responder!

E já agora aproveito para enviar os meus parabéns a todos os blogues que li ou venha a ler e que algumas vez tenham feito ou venham a fazer anos!
 
  Os novos e os velhos Descobrimentos No Público de ontem, Pacheco Pereira dá largas ao seu entusiasmo pela exploração espacial, abordando um tema bem interessante, os Descobrimentos de ontem e a exploração espacial de hoje. Mas há um ponto essencial a que alude apenas muito indirectamente e que me parece essencial. Hoje muita da exploração espacial de maior interesse é feita por sondas. Os homens não precisam de correr riscos desnecessários, e talvez até os corram em demasia – navegar é preciso viver não é preciso… Mesmo na aventura lunar (ou marciana) sabiam (ou saberão) o que esperar. Não era assim com os navegadores portugueses de Quinhentos. Nessa altura só havia sondas “humanas”. E o pouco que se sabia ou julgava saber do mar desconhecido era geralmente não só errado como terrivelmente assustador. O risco e a coragem eram portanto incomparavelmente maiores.

Quanto aos encontros com ETs que Pacheco Pereira parece esperar ansiosamente e para breve, sou mais reservado. Desde logo, porque universo é muito grande e a sua capacidade de destruir vida também (para não falar da na nossa e de outros seres inteligentes). Para mais a lição dos Descobrimentos não dá muitas razões para optimismo quanto a esse convívio intergalático: o encontro entre europeus e outros humanos, mas com costumes e anticorpos bem diferentes, teve um custo terrível. E os confrontos deliberados foram apenas uma pequena parte da história. A grande mortandade foi resultado de epidemias, ou seja, de uma diferença orgânica que escapava às melhores ou piores intenções.
 
setembro 09, 2004
  Solução para a Chechénia Anatol Lieven é um dos observadores mais informados, cultos e desapaixonados que conheço (por acaso até conheço mesmo) da realidade internacional. Descendente de uma família de príncipes germano-balto-russos, educado em Cambridge e há uns anos residente em Washington, foi corresponde do Times na Rússia e acompanhou de bem perto, por vezes de demasiado perto segundo ele, as origens do conflito na Chechénia.

O texto que publica hoje no Herald Tribune diz o essencial sobre a crise chechena e como sair dela. A Rússia deu virtual independência aos chechenos entre 1996 e 1999, mas nessa altura os militantes islamistas e os empresários da violência tinham de tal forma tomado conta da situação, que os mais moderados, nomeadamente o presidente agora no «exílio», Maskhadov, foram incapazes de impedir que a região se tornasse um santuário para raptos e sequestros sangrentos nas regiões vizinhas, por dinheiro e/ou em nome da expansão do islamismo violento por todo o Cáucaso.

Portanto, não se pode simplesmente dizer aos russos que negoceiem. Há que exigir também dos nacionalistas chechenos realmente moderados que abdiquem da violência. Há que ajudar a treinar os russos para serem mais eficazes na acção militar contra os radicais. Há que ajudar a desenvolver a região. Exigir de todas as partes respeito pelos direitos humanos é essencial, mas no vazio não passa de moralismo fácil, e que não serve para contrariar o risco de deriva autoritária na Rússia e de um confronto ainda mais sangrento no conjunto do Cáucaso. Riscos bem reais hoje, e que prometem ser bem mais custosos no futuro. Seria prudente investir algum dinheiro e atenção agora.
 
  Kerry Liberal A propósito desta nossa prosa, ainda bem que houve alguns liberais na direita portuguesa que aparecem a salvar a face dessa face do liberalismo, e quer aqui, quer aqui, surgem a dizer o óbvio, entre Kerry e Bush só mesmo um conservador nada liberal é que preferia o George W.


 
  Acidente de percurso? Já repararam que agora o Acidental, para não falar de altas figuras do governo, se tornaram entusiastas do respeito pelo direito internacional........ marítimo?

Claro que o meu entusiasmo pela retórica libertadora da Women on Waves é tão grande como pelo heroísmo náutico do Ministro do Mar (o Ministro da Defesa, esse, até tem tomado medidas importantes no que lhe compete). Que a época balnear passe a ser todo ano ainda vá, mas será que temos de aturar a silly season durante doze meses?
 
setembro 06, 2004
  Bush Liberal!!!!???? Ainda gostava de perceber a razão de ser do apoio da direita portuguesa que se afirma convictamente liberal a George W. Bush.

George W. Bush até pode ser um grande liberal, se comparado com… Pat Buchanan, Jesse Helms, Tom DeLay, Dick Cheney, ou, já agora, Zed Miller. Ou isso, ou é só mais calado do que esses seus amigos. O pró-americanismo primário dá nestas coisas...


 
  Turquia e Algarve Sobrevivemos à Turquia, e mais incrível ainda, sobrevivemos ao Algarve. Estamos de volta, por quanto tempo e em que forma só Deus sabe...
 
Este é um blog liberal, cheio de convicções e à procura de patrocínios. Temas? As coisas que realmente (me) interessam. Procuramos, acima de tudo, seguir as máximas do nosso João das Regras «Olhai, porém vede!» e do imortal bispo inglês Joseph Butler, «Things and actions are what they are, and the consequences of them will be what they will be: why then should we desire to be deceived?» Divirtam-se, que nós também. Comentários: BrunoCardosoReis@sapo.pt

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