CARTAS DE LONDRES
Bush vai ganhar?
Estive
nesta conferencia muito interessante, e estou por isso sem acentos e sem muita energias de reserva. Mas ficam algumas notas muitos breves.
Primeiro, neste conferencia supostamente muito conceptual, quase toda a gente falou da eleicao americana de 2 de Novembro.
Depois quase todos os realistas comecaram por dizer que a maioria dos realistas se tinham oposto a Bush e citaram o famoso anuncio de pagina inteira no New York Times como
disclaimer. Poucos pouparam palavras para descrever o evidente: esta gente foi muito incompetente a combater um inimigo muito perigoso.
Nota final de uma colega que ensina no Naval War College e em Gettysgburg College na Pensilvania, um dos Estados essenciais para ganhar as presidenciais. Ela pensa que no final, e
este video de Bin Ladin veio ajudar, os indecisos ao contrario do que eu previ, irao pensar que vivemos tempos demasiado incertos:
I will stay with the ugly bad devil I know. They will decide in fear and Bush will win!
Liberal e muito, mas cabalista não!
O Paulo Pinto Mascarenhas ofendeu-se com uma referência que eu fiz a um poste dele a propósito do caso Marcelo. Mas também não era preciso insultar! Diz que faço parte do ‘mainstream mediático.’ Ora, como não tenho grande jeito para me calar, não acredito que com os meus postes, sempre pertinentes mas nem sempre sensatos no sentido mais rasteiro do termo, restem muitos órgãos de comunicação social que me acolham de braços abertos. Se souberem de interessados... Mais, dado que a minha área de interesse profissional está completamente dominada pela direita, não vejo como é que se possa desconfiar de que espero recompensas futuras.
Estar ao lado de Louçã ou Pacheco Pereira, ou de Marcelo ou de Sócrates ou de Cavaco não é coisa que me preocupe ou me ocupe. Como dizia Edmund Burke aqui há uns anos se só aderíssemos a causas partilhadas por pessoas com que concordássemos inteiramente nunca aderíamos a causa nenhuma. Estou certamente mais próximo do PS de Sócrates do que de qualquer outra alternativa. Mas o meu liberalismo não é partidário (também não é, evidentemente, hostil aos partidos). Por isso, não só não passo ‘os dias a bater no governo’ como antes da ascensão de Santana dificilmente se encontram referências ao dito. Com algum trabalho até pode encontrar um elogio, que mantenho, ao trabalho de Portas na defesa, tal como ele me surge aqui de longe (a central de compras faz evidente sentido, e a integração dos três ramos deveria ir bem mais longe).
Não era objectivo deste blogue centrar-se particularmente a politica portuguesa, estou a viver fora de Portugal e acho o complexo do estrangeirado difícil de combater mas potencialmente irritante.
O que este blogue sempre foi abertamente, e continuar a ser, é liberal e muito! O respeito pela liberdade de opinião, excepto casos extremos, é um aspecto essencial para qualquer liberal. E foi claramente posto em causa no caso Marcelo. Isso é grave. E dizer que é grave para um liberal deveria ser evidente e urgente. Mesmo que a ditadura não esteja às portas, a qualidade da nossa democracia ficou diminuída com um episódio como este e o que ele veio mostrar.
Quanto a propaganda governamental nada tenho a opor, excepto custos excessivos em tempos de vacas magras!
Por fim, e sobretudo, queria deixar claro que se o Paulo Mascarenhas ler com calma o que escrevi, verá que não subscrevo nenhuma tese da cabala em relação a ele. Sempre fui muito crítica deste tipo de teses viessem de onde viessem.
Acho que o texto dele que motivou a minha crítica é dos menos objectivos e felizes dele, mas atribuo isso à sua lealdade ao actual governo por convicção e não por qualquer tipo de interesse mais ou menos escuro. Detesto juízos de intenção desse tipo. Se isso não ficou claro na altura fica expresso aqui.
No problem!
Afinal parece que eu, a Time e o Washington Post, e os meus amigos americanos podemos ficar descansados. A democracia nos EUA pode sobreviver as vezes que for preciso a eleições em que quem ganha o voto popular perde...
Diz-nos o Luciano e companhia :)
Marcelo e a espiga
Diz o Público:
Marcelo Rebelo de Sousa afirmou hoje, em declarações à Alta Autoridade para a Comunicação Social, que o presidente da TVI, Miguel Paes do Amaral, lhe impôs um prazo para que repensasse o teor das suas intervenções nas edições de domingo do Jornal da Noite, já que era "inaceitável que houvesse uma informação e uma opinião sistematicamente anti-governamental na TVI". Perante este ultimato, Marcelo Rebelo de Sousa decidiu abandonar a estação
Portanto os que tinham ainda duvidas de boa-fé ficam esclarecidos.
Estou para ver se o Paes Amaral desmente isto. Mesmo assim, suponho que
haja acidentados para quem a realidade seja demasiado dolorosa para contemplar de frente.
Eu não levaria tudo isto na conta de um simples acidente inocente de Santana. Faz lembrar demasiado a parábola grega do tirano que corta a espiga que cresce mais alto do que as outras para servir de exemplo.
Que melhor maneira de promover a auto-censura do que fazer calar Marcelo?
Seja deliberado ou acidental aprendemos todos qualquer coisa sobre os desejos do governo e as garantias oferecidas por existirem diversas TVs privadas. Interessante ver daqui para a frente quem fala e quem se cala. Se Rodrigo dos Santos continua à frente de uma RTP (dizem-me) isenta e de qualidade. Ou se a SIC pega em Marcelo.
Black Watch: first we took Napoleon then we took Zarqawi?
Tropas de um dos regimentos mais famosos do Reino Unido foram escolhido para provar aos Americanos que os Brits really do it better, mesmo na zona sunita altamente violenta em torno de Bagdade.
Blair foi acusado por deputados trabalhistas de apoiar Bush com esta manobra dias antes de 2 de Novembro, de ter transformado o Black Watch em mercenários ao servico do Partido Republicano de Bush!
O
comandante do Black Watch com fleugma tipica afirmou que eles [sic] tinham derrotado Bonaparte, o Kaiser, Hitler. Era apenas mais um dia de trabalho, another day on the job...
Mas muitos, como um um
general na reserva com quem falei ontem, acreditam que se trata de um tentativa dos americanos de colocar os ingleses em dificuldades para ver do que são realmente capazes:
put your money (troops) where your mouth is. E assim calar as criticas vindas de Londres pela forma como lidam com o guerrilheiros no Iraque. Modelada, segundo ele, no mau exemplo de Israel.
Ele contou ainda que em 2003, quando tinha um posto de responsabilidade na NATO
'No one wanted to hear about nation-building in the Pentagon. But that's what it was! And when I went back to Afghanistan the American Special Forces were talking precisely about it!
You don't have to be the Archbishop of Canterbury to understand that nation-building makes sense! You cannot just walk into a semi-destroyed village asking for help catching the bad guys and say "sorry about water and health care, maybe next time!"' Nem mais. Mas
estes 'realistas' não se incomodam com a realidade, preferem os (maus) filmes de cowboys.
Atlantic e tempestade no horizonte?
Gosto muito do Mar Oceano. E gosto muitos dos States do outro lado. Da cultura e dos norte-americanos. Da diversidade e imprevisibilidade desse gigante; fascinante umas vezes, preocupante outras.
Mas do que queria falar aqui era da
revista Atlantic. Conhecida por ser a que melhor paga os sortudos que para lá escrevem: dez mil euros dizem e isto há anos atrás! No free lunch, claro! Portanto quem quiser ler, tem de comprar. Mas vale a pena. Por exemplo, a de Novembro, sobre os truques sujos de
Karl Rove, de que ainda poderemos, talvez, ver novos exemplos nos dias decisivos que se aproximam.
Continuo a acreditar que
Kerry tem, incrivelmente, e se Rove não conseguir uma October Surprise tremenda, alguma possibilidade de ganhar (ou seja, espero sinceramente que o futuro não seja igual ao passado!).
Por causa dos indecisos centristas que tendem, na sua maioria, a decidir-se por votar no candidato da mudança, e pelo facto de entre os novos eleitores inscritos este ano haver muitos jovens que tendem a increver-se mais como Democratas. Mas esta sempre foi
Bush's election to loose; como sucede com qualquer presidente em qualquer lado que procura ser reeleito. Se é evidentemente impossivel prever o vencedor nesta altura, até por causa do 'pequeno' pormenor de que o vendedor é determinado pelo colégio eleitoral organizado por Estados, é claro que,
se houver problemas de novo por causa deste aspecto, ou no processo de apuramento dos resultados (no Ohio em vez de na Florida?), uma
verdadeira tempestade constitucional pode surgir no horizonte do
day after November 2.
Um coisa posso dizer, mesmo os meus amigos Democratas geralmente 'Clintonistas', ou seja, tipos perfeitamente sensatos e essencialmente centristas, desconfiam da fiabilidade do sistema eleitoral norte-americano!
Only in America!
PS - A este respeito
ver este artigo do Washington Post que aponta para 33 possibilidades de empate, ou de o vencedor nas urnas perder (neste caso parece que pode caber a Bush essa sorte, estranha ironia!)! E ainda...
esta Time sobre o perigo da Morning After.
Desculpas, Che e o Grande Capital
Peço desculpa aos leitores mais ou menos leais pela minha ausência não anunciada. Simplesmente tenho andado tão ocupado e/ou afastado do on-line que vou sempre adiando um poste para breve, e assim passa uma semana. Nos tempos mais próximos desconfio que nos vamos ficar muito pelo corte e cola...
Por exemplo, para quem gostou (como eu)
deste filme, que estreou em Londres no meio de uma vaga de interesse pelo Brasil (sobretudo), recomendo que leia
este poste do Ivan Nunes. E esta
biografia de Che, para ficar com uma ideia da ironia de quem queria lutar pelos oprimidos no 'seu' continente; mas não era, literalmente, entendido por eles: Che discursava aos indios da Bolivia na tentativa de fazer uma nova Cuba, e eles não percebiam o que ele dizia! Ou se percebiam o espanhol, não entendiam o seu discurso. Ou se entendiam, não simpatizavam com ele. As sucessivas delações aos militares bolivianos, aliás altamente nacionalistas e algo esquerdistas, tornaram quase inevitável a captura de Che nesta derradeira aventura. (Desta vez Fidel não se interessou por tentar organizar a sua fuga; demasiado chato este Che!).
Interessante sobretudo, do meu ponto de visto, perceber que Che acabou por ser um guerrilheiro bem mais eficaz do que se poderia pensar pela sua derrota final. Um bom analista das dificuldades que enfrentava. Incapaz de recuar – a sua teoria do foco de guerrilha não lhe deixava espaço para isso, pois afirmava que tudo o que era preciso era um punhado de homens armados e determinados. E, no entanto, agarrado à vida até ao fim. Ou perceber que os EUA provavelmente o queriam vivo para melhor o humilhar. Ou perceber ainda o papel do capitalismo editorial do Sr. Feltrinelli no surgimento da marca Che, e da origem acidental da foto que o tornou famoso!
E, afinal,
camaradas blasfemos, não vale tudo para fazer uns cobres? Porque não vender um icone esquerdista em t-shirts?
Eles bem tentam...
O Gabriel Silva vem acusar Vital Moreira de name calling, e de falta de argumentos na sua 'tentativa de resposta' [sic] num poste apropriadamente intitulado tiques e e intolerância. (Aqui não enganam o cliente). Ou seja, esta gente bem tenta responder, mas não chegam lá... Muito tolerante. E curioso, porque o dito
João Miranda (pela segunda vez em outras tantas trocas de ideias on-line) nem sequer tentou responder
ao meu derradeiro poste sobre o liberalismo dele, que eu prefiro chamar neo-liberalismo ou born again liberalism.
Fanatismo? Bem, parece-me um bom sintoma do dito ver tudo, tentar ajustar tudo a uma mesma e universalmente válida bitola. Assim por exemplo, o Gabril Silva acha que TVs e farmácias são a mesma coisa. O mercado livre como a utopia do neo-liberalismo, a cura de todos os males.
O João Miranda pergunta que sentido faz o Estado interferir numa actividade e não noutra. De facto. Portanto que regresse a escravatura, que venha a venda livre de armas de todos os calibres e outros luxos de paises plurais e sem Estado como a feliz Somália.
Virginia e as árvores
O sítio de onde escrevo foi a última casa da
Virginia Woolf em Londres. Mais ou menos. Explico. Woolf nunca chegou a instalar-se definitivamente. Veio a Segunda Guerra Mundial quando ela e o marido, Leonard Woolf, estavam a mudar-se. Ela suicidou-se entretanto. E a casa foi completamente arrasada pelos bombardeamentos alemães durante o Blitz.
Uma coisa me ficou desta história contada pelo meu vizinho do lado, um americano que estuda literatura. E isso foi o absurdos dos nossos planos.
Virginia adorava esta zona de Londres, e sendo uma pessoa naturalmente depressiva, tinha ficado pior quando se mudou para o campo que era suposto fazer-lhe bem. Estava muito animada por finalmente ter convencido o marido a regressar a Londres. Via nesta nova casa o sítio onde iria envelhecer ‘a ver o sol brilhar por entres as árvores’ do magnífico parque em frente. Com os bombardeamento nazi de Londres, no entanto, sabia Deus quantos anos ela teria de continuar no seu exilio campestre. Se tivesse regressado a Londres poderia não se ter suicidado, mas é bem possível que tivesse morrido no bombardeamento da casa, ou teria acabado por ser forçada a abandonar Londres com a sua casa em ruínas.
As árvores seculares de Mecklenburgh Square essas resistiram e continuam por cá a fazer-nos companhia, embora o sol ultimamente tenha estado ausente. Talvez amanhã...
Contraditório e Contradição I
Prometi a mim mesmo falar pouco de política à portuguesa. Mas... Mais uma vez se prova que um acontecimento, por mais inédito e inexperado, dificilmente muda a forma como as pessoas pensam.
O afastamento de Marcelo levou uns a dizerem que a culpa é do Estado que se mete onde não devia (o que no caso do João Miranda não surpreende porque é praticamente todo o lado), outros que a culpa é das empresas e da sua excessiva concentração (o que parece fazer um bocadinho mais de sentido, neste caso). Penso que a culpa é fundamentalmente de pessoas concretas e de um sistema ineficaz de direitos e garantias, que, independentemente da lei ou à margem dela, é permissivo relativamente a abusos de poder.
Estados e empresas há muitos. Mas Portugal há só um.
Marcelo sabe jogar as suas cartas? Marcelo está a fazer política? (Ao contrário, suponho, de Santana quando comentava futebol ou política ou ia a concursos televisivos.) Há comentadores políticos que não produzem efeitos políticos (queiram ou não)? Alguém pensa que as pessoas não sabem de onde vem Marcelo, se o ouviam não era por ignorarem o seu percurso e ambições, isso fazia parte do jogo, era porque gostavam das suas análises. Mais, do que é estavam à espera de um homem que, dizem, estava decidido a derrubar o primeiro-ministro? Que passasse a comportar-se? São estas as inacreditáveis defesas do indefensável que os “advogados” do governo arranjaram.
E os espectadores suponho que sejam livres de escolher o comentador que quiserem, basta montar a sua TV... Pois!
Depois há a TVI que aparentemente pede ao seu comentador mais poderoso que se modere para não chatear o governo. Se foi assim, onde então o rigor e a verdade no serviço aos clientes? Ou a economia de mercado funciona só para os accionistas? Para termos uma economia mais eficiente e um sistema de poder mais claro e justo seria preciso que o Estado não nomeasse gestores ou vendesse ou comprasse arbitrariamente; faz sentido nomear professores e médicos por concurso, mas gestores que ganham e gastam muito mais, por capricho, sem qualquer critério publicamente justificado? Mas seriam também precisos mais empresários que quisessem realmente ser independentes em vez de simplesmente querem vender o Independente.
Claro que o facto do primeiro-ministro e do governo (ou dos ministros que alinharam nisto) se preocuparem tanto com este tipo de coisas é em si mesmo extremamente revelador! Deviam ter assessores para fazer isto, como acontece aqui em Inglaterra. E deviam ter uma noção dos limites. É verdade que a propaganda e a política sempre andaram de mão dada.
Como diz uns dos melhores historiadores destas coisas, não se trata de os políticos de hoje serem vendidos como champô, trata-se antes do champô ser hoje vendido com um conjunto de meios que antes era reservado aos reis.
Mas convém lembrar que por muito boa que seja a propaganda no final só resulta se houver alguma coisa de jeito debaixo da coroa ou da tampa. Por isso, uma coisa é manipular. A palavra soa mal, mas toda a gente passa a vida a tentar influenciar os outros. Cabe aos jornalistas, sobretudo aos editores, garantir que isso não acontece de forma flagrante e repetida, nomeadamente fazendo as suas notícias e não ficando à espera que outros as façam por eles.
Procurar apresentar o que temos da melhor forma ou influenciar os outros é humano. Procurar calar ou condicionar um crítico incómodo, também, mas não o devemos fazer. Mesmo os reis absolutos tinham bobos da corte, profetas ou pregadores que podiam dizer coisas inconvenientes. Agora era suposto termos mais direitos. Isto devia ser o importante, também eu estou-me
bem nas tintas para saber se MRS quer ser candidato a presidente da República ou a provedor da Santa Casa, ou papa para conseguir que Cristo nos visite, pois nos tempos que correm bem precisamos de milagres.
Mais ainda, suprimir vozes incómodas é muito mau para a imagem. Dá ideia que não se tem nada para propagandear, nem mesmo com um bocadinho de manipulação. Ninguém se lembrou disso na nova e tão propalada central de imagem do governo? Se calhar mais valiar acabar com ela se não consegue evitar asneiras destas.
PS - Ver a este respeito este
poste de Vital Moreira.
Ser ou não ser um poodle
Bem, posso concordar com o
Paulo Gorjão que Blair não quer ser um poodle, posso concordar que tentou não ser um poodle, e posso até acreditar que ele sinceramente ache que não é um poodle, mas lá que tem sido um poodle... Ou se se quiser um termo mais neutro, usado por Richard Armitage o braço direito de Powell, um
enabler dos neo-conservadores. Ou seja, Blair (e Powell ou Armitage) não concordando com os pressupostos básicos da política de Bush II acabaram por criar as condições com o seu prestígio para ela ir para a frente. As votações no Conselho de Segurança ou a publicação do Roteiro para a Paz no Médio Oriente foram ossos tardios, depois de muitos pedidos, que Bush atirou a ambos. Não significaram qualquer cedência substantiva, nem no objectivo, nem mesmo na forma de lidar com a ONU ou com Israel/Palestina.
Sobretudo parece-me importante ter em conta que boa parte da população e da elite inglesas estão convencidos da tese do poodle (como
Ferguson que refere). Ou seja, que a relação transatlântica só favorece realmente um dos lados. De que serve ser escutado se isso não tem peso nenhum? Ainda recentemente um general dos mais altamente colocados contava que no dia da grande manif em Londres no ano passado, ele veio trabalhar nos planos para a ida das tropas para o Iraque, a mulher veio com ele no carro oficial com um poster para a manif: tough! Hoje mesmo o pessoal da defesa expressa off record muitas reservas sobre o aliado americano.
Não censuro Blair o seu empenho humanitário, bem pelo contrário. Mas acho que ele não dispensa bom senso ou realismo quanto ao lugar da Grã-Bretanha, e uma ideia do que é necessário para evitar problemas maiores do que aqueles que se quer resolver. Acredito que Blair queira continuar a ser a ponte entre a Europa e a América. Mas isso tornou-se muito mais complicado. As coisas mudam com o tempo, mas Blair não seria chorado por muitos líderes europeus. Schröder e Chirac ficaram furiosos com o alinhamento de Blair com Bush que acreditam ter minado o peso da Europa; o presidente francês queixa-se (com alguma razão diga-se) que a sua posição foi sistematicamente distorcida e utilizada na propaganda interna de Bush e Blair. Isso teve um preço, mas todo o mundo é composto de mudança... como disse
aqui pode ser que Blair esteja a preparar uma viragem antes de ir a votos. E este
recuo parcial de Blair, hoje, parece mostrar que ele percebeu o peso do descontentamento com a guerra do Iraque no eleitorado.
PS - Lembrei-me agora do fait divers significativo contado em
30 Days (a versão inglesa de Bush at War, ou seja, o Tony at War). Blair e a sua equipa preparam o discurso para quando a guerra rebentar. Blair pergunta: como devo começar? O seu spin doctor
Alastair Campbell, que pode ser acusado de muita coisa, mas não de falta de sentido de humor, sugere: "My fellow Americans"!
Bombas
Quem gostou da
série 24 Horas devia ler as histórias ainda mais incríveis do verdadeiro chefe do contra-terrorismo nos EUA, Richard Clark em
Against All Enemies, que a Amazon deixa espreitar aqui. Incríveis mas verdadeiras – de Almodóvar a Auster as fontes são muitas para este dado cada vez mais evidente à medida que a vida avança e a política à portuguesa progride no novo milénio: a realidade tende a ser (cada vez) mais estranha do que a ficção.
O livro
Against All Enemies provocou uma verdadeira tempestade em Washington. Foi um dos primeiros rombos na máquina de ilusões de Karl Rove, o spin doctor, também conhecido por chefe da central de comunicação, de George W. Bush. É natural, porque
as conspirações terríveis no interior da Presidência, que tanto pesam no enredo de 24 Horas são o pão-nosso-de-cada-dia na vida real de Washington que Richard Clark nos descreve. Todos conspiram contra todos para obter um lugar ao topo da mesa, uma maior fatia do bolo. Clark era um veterano neste jogo, um chato que tinha conseguido resultados com Clinton. Precisamente por isso deparou com uma parede no caso da Adminitração Bush II, determinada a mostrar que era em tudo diferente do detestado Clinton.
Exemplo? Ele
pediu uma reunião urgente, em Janeiro de 2001, com o Presidente e os principais responsáveis da Administração para discutir a ameaça crescente da Al-Qaeda; não só ela apenas se verificou pouco tempo antes do 11 de Setembro, como nada foi decidido! Bush II não assistiu. Clark ficou com a impressão que Condi Rice estava a ouvir falar em detalhe da Al-Qaeda pela primeira vez! Vários participantes estavam claramente maçados. Rumsfeld falou do Iraque... Clark já estava de saida a seu pedido farto desta indiferença e ineficiência quando se deu o 11 de Setembro.
Tudo mudou com o 11 de Setembro como nos dizem, certo? Bem, não exactamente. Clark teve nada menos do que 5 sucessores até ao momento! E não morreram em atentados, foram-se demitindo! O problema de base? Bush II e companhia ainda não perceberam que o risco actual, mais do que State-sponsored terrorism, é Terrorism-sponsored State, que é como quem diz, não eram os Taliban que controlavam Bin Ladin, mas o contrário. Tal como hoje não são os EUA que controlam o Iraque, mas uma coligação de insurrectos... Na série 24 Horas as bombas não explodem in extremis. Neste mundo real de política irreal em que estamos a viver as bombas (variadas) podem explodir a qualquer momento mesmo ao lado de si.
Ainda Mais Liberalismos
Caro João
Obrigado por um debate esclarecedor e animado:
Eis alguns comentários tardios à sua resposta (que cito por vezes em itálico). Apenas ontem um email me lincou directamente ao seu poste perdido no meio de tanta polémica recente...
Já desconfiava que não era um entusiasta do modelo somali. Então acha que o Estado é o maior inimigo da liberdade, e resolve a questão com percentagens de peso do Estado na economia (20% bom, 50% mau)? Esta é uma boa ilustração da contradição básica – foi você que falou em coerência? – entre o seu anarquismo, que é a única forma de caracterizar a sua ideia do Estado como a maior ameaça à liberdade, e o seu liberalismo – foi você que disse que liberalismo não é anarquia? – que o obriga a reconhecer o papel do Estado. Tenha a coragem de ser coerente, virtude que tanto aprecia, defenda o modelo Somali!
É um facto que o estado só se mantém porque detém o monopólio da força. Ninguém paga 50% dos seus rendimentos voluntariamente.
O que o leva a crer que se pagaria 20% de impostos voluntariamente mas 50% não? Este foi precisamente o tipo de argumento que John Locke e o liberalismo clássico combateu: o Estado existia para monopolizar a violência, evitar o mal maior do caos, e portanto não podia estar dependente da boa vontade dos seus súbditos que o que queriam era fazer e pagar o que lhes apetecesse! Na verdade, ninguém gosta de pagar impostos, e menos ainda ser levado a tribunal.
Na verdade, ninguém gosta particularmente de pagar. Ou você vai dizer-me que as pessoas gostam de pagar a empresas privadas pelo seus bens e serviços? Ou que trabalhamos todos os dias por gosto? Isso é que seria liberdade, ter tudo o que se quisesse sem precisar de fazer nada.
Mas o liberalismo clássico não promete utopias. O neo-liberalismo parece que quer substituir o marxismo nesse nicho de mercado!
O mercado precede o Estado moderno? A troca certamente. Mas a economia de mercado moderna seria impensável sem o Estado moderno (ver o livro do historiador, por sinal tory, Niall Ferguson, The Cash Nexus). Não sabemos realmente como funcionava a troca de pré-história, mas certamente que alguma organização existia. Ou você acha que as rotas comerciais se mantinham ou que os bens não eram roubados por acaso? Sabemos que quando começaram a surgir registos, os Estados protegem, regulam e estimulam o surgimento de mercados e a vinda de comerciantes. Em suma o mercado livre é bom, mas só se os mercadores e as mercadorias não forem assaltados pelo caminho. O Estado surgiu entre outras coisas para isso. Mesmo que o mercado tenha surgido antes do Estado, coisa que é impossível de estabelecer, o que é que isso supostamente prova? Um direito especial de primogenitura?
Penso que percebo a sua definição de espontâneo, o problema é que ela me parece completamente absurda! Espontâneo é o que não tem a ver com o Estado! Ora, volto a perguntar, porque é que o surgimento do Estado e a sua evolução é menos espontânea do que qualquer outra invenção ou forma de organização humana? Quanto ao uso de lingotes como moeda, que tanto o encanta, tanto quanto sabemos pode ter sido regulado, como o foi em períodos históricos. Tinha uma vaga ideia de que existe um mercado de metais preciosos, ou que o ouro é tradicionalmente uma reserva de valor. Mas obrigado por me lembrar esses factos pouco conhecidos.
De qualquer forma não me parece que a economia de mercado actual possa funcionar com traders a negociarem directamente uns com os outros com lingotes de ouro debaixo do braço! Volto por isso a repetir a pergunta, é isso que o seu culto do espontâneo recomenda, ou não passa de uma brincadeira inconsequente?
Pensar, planear o impacto económico do Estado é o mesmo que "planificar milhões de pessoas."? O que é quer dizer exactamente com planificar milhões de pessoas (suponho que não seja fazer bébés)? E volto a perguntar, qual é a sua alternativa, que o Estado não planifique a sua actividade económica? E só conhece o planeamento por direcção central? Um Estado com 20% dos impostos pode gastar sem planificar centralmente? E se um Estado de 20% planifica, isso significa que está a planificar milhões de pessoas? Os buracos nos seus argumentos são tantos que mal sei para onde me virar!
Uma empresas é diferente diz você porque só envolve "umas centenas de pessoas."? Isto é ridículo! Então e as empresas com milhares, dezenas de milhares, centenas de milhares de empregados? Então e as multinacionais com orçamentos maiores do que a maior parte dos Estados, que condicionam com o seu planeamento a vida de milhões de clientes e de milhões de pessoas empregadas em empresas fornecedoras?
A sua ideia de liberadade garantida pelo mercado contra o Estado parte da ideia de que o mercado funciona de forma perfeitamente eficiente, o que manifestamente não se verifica na realidade. Mais, apenas faria sentido se eficiência, justiça e liberdade se equivalessem exactamente.
O seu argumento sobre virtudes e vícios privados e públicos é passadista e irrelevante. Para si o lucro é um vício? Como deixei claro, uma empresa deve preocupar-se essencialmente com a eficiência e o lucro no quadro legal, mas isso não significa que não possa ter outras preocupações.
Ou o seu liberalismo não permite a filantropia ou bons contratos de trabalho para os empregados? Evidentemente que nenhum liberal defenderá que o Estado deva ser sistemática ou, sobretudo, arbitrariamente intervencionista, ou ineficiente.
Ou o seu liberalismo impede o Estado ser eficiente? Menos ainda aplaude a atitude bem portuguesa, muito vulgar nas empresas, de esperar que o Estado resolva todos os problemas. O liberalismo defende e promove a iniciativa individual, claro! Mas não vê nisso um combate de morte com o Estado não-arbitrário.
Eu defendo que o estado deve ter o monopólio da força, mas por isso mesmo deve ser absolutamente neutro em tudo o resto e deve abandonar progressivamente a educação, a saúde e a segurança social.
Absolutamente neutros só os mortos e bem enterrados! O que é isso de absolutamente neutro? Não fazer opções nenhumas? Mesmo isso produz um efeito que nada tem de neutro. Para um liberal essas escolhas devem ser livremente expressas e decididas num sistema político que garanta uma voz e direitos fundamentais a todos, direitos que mesmo o governo do momento não pode violar. Se os votantes quiserem um corte brutal nos impostos votam nisso. Mas isso coloca um problema.
Como é que o seu liberalismo garante os direitos fundamentais de uma criança que teve o azar de nascer pobre, se o estado não dá qualquer apoio para a alimentar e vestir, se não lhe garante acesso à escola, se não lhe assegura o acesso à saúde? O que é que faz aos doentes crónicos? Dá-lhes a escolha de morrerem à sua vontade? No liberalismo dos 20% quem faz estradas? Os individuos? Ou o Estado pode fazer estradas mas tem de arranjar empresas para manter escolas e hospitais com lucro no interior (ou esses individuos livres podem ter a liberdade de ficar analfabetos e doentes?)
As economias crescem porque há acumulação de capital. Até a economia da URSS crescia. O importante não é o crescimento, mas que valores é que esse crescimento satisfaz. Se os valores da elite dominante, se os valores da maioria, se os valores de cada um dos indivíduos.
Não podia concordar mais com a primeira parte. Mas quer convencer-me que o seu liberalismo dos 20% é que serve os valores de cada um dos indivíduos? Brilhante, desde os valores do Bin Ladin até aos de George W. Bush toda a gente servida e satisfeita! Se pode garantir isso, venha ele! Mas, que mal pergunte,
a economia na Somália cresce? (Não sabemos exactamente, porque, como não existe Estado, não existem estatisticas, uma actividade estatal perfeitamente dispensável diga-se, mas suponho que torne mais complicada a vida dos economistas locais!) Tal como a do Afeganistão parece que tem crescido. Mas precisamente
quem é que beneficia com esse crescimento? Os senhores da guerra e do tráfico de drogas que acumulam muito capital no meio da miséria extrema da maior parte dos indivíduos à sua volta e o investem em armas, luxo e contas no exterior.
Dê-me um exemplo de entre as maiores economias do mundo, das de mais rápido crescimento em que o Estado tenha seguido a sua receita para o desinvestimento nas três áreas da educação, na saúde e nalgum tipo de segurança social. Foi precisamente o contrário que se verificou até ao presente. Quanto mais e melhor o Estado investiu nestas áreas, mais a economia cresceu.
Ou acha que a economia actual é sustentável com analfabetos, doentes sem meios, e pobres a quem não foi dada qualquer oportunidade de mudar de vida? Mais, acha que isso seria liberal?
As regiões em que o Estado entrou em colapso são as mais miseráveis à face da terra porque a miséria causa o colapso dos governos.
Em Angola o Estado entrou em colapso durante a guerra civil porque o país era miserável? E em Cabo Verde o Estado não entrou em colapso porque o país era rico? Isto é suposto ser um argumento sério!?! Quem vive no mais miserável dos países com um Estado que funciona minimamente vive melhor do que o país mais rico em que o Estado entrou em colapso. Em Angola, por sinal, o governo de Luanda recentemente recuperou o monopólio da violência, e deixou praticamente de se ocupar da saúde, da educação e da segurança social. É um bom exemplo, suponho, do seu Estado mínimo. Claro, com um pequeno detalhe, talvez revelador, digo eu, de estar ao serviço não dos indivíduos livres, mas de uma clique de privilegiados.
Quando diz que "É uma evidência que não existiam cidadãos livres e iguais perante a lei até surgir uma lei que lhes deu esse estatuto!" está a partir do princípio de que o estado moderno precede a lei.
Dê-me um exemplo de lei sem Estado. A common law sempre existiu no contexto de alguma forma Estado. Mas, sobretudo isso é irrelevante.
Não interessa que a lei tenha precedido ou não o Estado moderno; o que interessa é não existe nenhum exemplo de um sistema liberal de direitos, liberdades e garantias na ausência de Estado. Tal como não existe nenhum Estado liberal sem garantias para a propriedade privada. Não creio que seja coincidência. É isso mesmo que Locke explica exemplarmente: liberdade não é anarquia nem tirania. Você conhece o slogan mas não tira dele as devidas consequências.
O Estado Grande existe porque, apesar de ser um inimigo da Liberdade, não é um inimigo da maioria.
Portanto, a maior parte das pessoas é estúpida e prefere ser escravo a ser livre?(Belo argumento anarquista ou marxista). Se assim fosse, quid tanto trabalho a livrarem-se de tiranias variadas?
Os seus indivíduos livres pertencem à minoria? Se pertencem à minoria, você defende exactamente o quê, uma ditadura liberal dos indivíduos realmente livres? Quer contradição maior do que esta?
Debates e ingenuidades
Tinha decidido não ver o debate de ontem. Um amigo americano convenceu-me com o argumento de que seria interessante saber o que os americanos normais iriam perguntar sobre política externa – o debate decorreu com base em perguntas feitas por pessoas comuns seleccionadas por ainda estarem indecisas.
Como previa Bush II conseguiu não ser tão mau como da primeira vez. (Entre os americanos com que assisti ao debate, Kerry venceu e convenceu, com direito a palmas e assobios em várias alturas, mas não creio que eles sejam uma amostra muito fiel da América.)
Provavelmente a eleição vai continuar renhida até ao fim, a menos que os eleitores se mostrem mais sensatos e menos partisans do que aquilo que os analistas e as sondagens prevêem, ou que haja alguma surpresa.
Foi particularmente interessante
uma pergunta sobre o que é que o presidente iria fazer para combater a enorme impopularidade das suas políticas no exterior, que tinha impressionado a família de uma das intervenientes numa viagem recente.
Bush deixou claro que não se arrependia de nada.
Claro que sabia que muitas das suas opções eram impopulares nas capitais da Europa (repetiu isso umas duas ou três vezes com evidente regozijo) mas isso não lhe importava. O que lhe importava era a América!
Kerry disse que
não era de espantar que os EUA fossem tão impopulares no mundo, quando em vez de negociarem e corrigirem eventuais falhas de tratados ou de organizações internacionais arduamente negociados ou com representantes de centenas de países, diziam simplesmente goodbye, temos mais que fazer do que falar convosco! Kerry quer corrigir esse tipo de mentalidade.
Para quem ainda tenha dúvidas sobre as intenções externas de Bush II e Kerry neste momento pode ler o programa eleitoral democrata e republicano aqui, no sitio do Council on Foreign Relations, de longe o melhor em termos de perceber o lado externo da campanha presidencial americana. Mesmo que se devam ler 'with a grain of salt', as diferencas são significativas. O
programa republicano dedica menos de uma página às alianças e praticamente só fala do combate ao terrorismo. Nunca refere a Europa.
A prioridade é um bom entendimento com as Grandes Potências. O
programa democrata fala de uma variedade de temas, desde o ambiente ao terrorismo e à proliferação, e
dedica várias páginas a uma das suas prioridades: revitalizar o sistema de alianças norte-americano. Refere-se aos países europeus e aos membros da NATO como ‘indispensable allies.’
Do ponto vista de Portugal parecem ter cabimento duas perguntas:
Portugal é uma grande potência? Portugal é um país europeu membro da NATO? Deixo a resposta por vossa conta. Ainda bem que os nossos comentadores nos mantêm informados sobre a ingenuidade de se falar em grandes diferenças entre os dois candidatos em termos de política externa...
PS - Este poste do AAA ilustra perfeitamente a sabedoria da politica externa de Kerry, ou como diria Teddy Roosevelt (um presidente republicano): speak softly and carry a big stick
Vitória assegurada
Quentin Peel o editor internacional do FT e
quintessential insider acha que há muita gente de topo na Europa para quem neste momento qualquer resultado nas eleições americanas de Novembro terá vantagens para a Europa. Concordo. A vitória de Kerry seria uma doce vingança, e um aviso a futuros ocupantes da Casa Branca dos custos de não procurarem o apoio dos velhos aliados (embora com o risco evidente, mas menor, de expectativas excessivas, de que tudo de repente se resolveria, de um lado e do outro do Atlântico com Kerry presidente). A vitória de Bush seria, provavelmente mesmo na Inglaterra, um argumento decisivo no sentido do reforço da União, e tornaria muito mais simples referendar o tratado constitucional. O sim seria muito fácil de defender como a melhor forma de responder ao triunfo de Bush II. E como diria Kissinger: ‘not only it's good propaganda, it has the remarkable advantage of being true!’
Um amigo americano que participa na campanha de Kerry acha que algo parecido se aplica aos EUA. Bush II e companhia andam envolvidos em tantos esquemas e arranjaram uma tal confusão no Iraque que podem muito bem 'do a Nixon' no segundo mandato, e garantir um resultado esmagador para os democratas em 2008. Rationalizing defeat? Maybe...
Two might fall, one to go?
A acompanhar as eleições na Austrália no dia 9 de Outubro (obrigado ao Aussie que me alertou para o facto em
Cumberland Lodge, de onde acabo de chegar). Howard, o primeiro-ministro australiano, e outro aliado predilecto de Bush, mais uma vez muito por causa da guerra, está inesperadamente em risco de perder o lugar para um jovem líder trabalhista que não teve dúvidas em dizer de Bush II que era
the most incompetent and dangerous president in living memory.
A derrota de Howard criaria evidentes problemas a Bush, minando ainda mais a sua ideia de uma poderosa coligação internacional que apoiaria o seu governo no Iraque. Mas não menos a Blair. Se Howard (e Bush) perderem, Blair seria o último sobrevivente dos ‘iraquianos’. Embora a perspectiva de continuar a lidar com os seus ‘amigos’ neo-conservadores por mais quatro anos também não o deva animar muito. A promessa que fez de retomar em força a questão da Palestina a partir de Novembro será talvez uma forma de diplomacia preventiva? (
This party knows the depth of my commitment to the Middle East peace process and shares my frustration at the lack of progress. After November I will make its revival a personal priority.
Two states, Israel and Palestine, living side by side in an enduring peace would do more to defeat this terrorism than bullets alone can ever do.)
Ou um Bush II reeleito alinhava e provava que Blair tem peso em Washington; ou se assim não fosse, Blair teria o pretexto ideal para uma surpreendente separação de águas antes de ir pedir votos em 2005?
No caso de Kerry ser eleito, JFK ficaria um pouco na defensiva (embora pense que Kerry realmente gostaria de avançar neste campo, mas depois de tomar posse...), contrariando o que seria natural dada a proximidade entre Blair e Bush.
PS - Howard ganhou como, apesar de tudo, se esperava, mas com uma vantagem mais folgada do que o previsto. Blair pode respirar um pouco e esperar que tal como Howard consiga o seu objectivo de ser um dos primeiro-ministros que mais tempo ocupou o cargo, apesar do Iraque e da impopularidade de Bush II...
5 de Outubro de 1910, 5 de Outubro de 2004
A ala armada de um partido que gozava de todos os direitos legais, e tinha ganho havia pouco em Lisboa, tomou violentamente o poder em Portugal.
Prometeram um referendo, porque eram democratas. Prometerem que com o fim da monarquia todos os nossos problemas e atrasos seriam coisa do passado!
Uma excelente ideia, de facto! Mas noventa e tal anos ainda não chegaram aos nossos republicanos para cumprir as promessas... Deve estar para breve, enquanto esperamos temos o feriado e as pontes.
Para já podemos gozar o facto de sermos um pais muito mais democrático e desenvolvido do que a Noruega, a Dinamarca, a Holanda...
Boris
... & Portugal & Blair
Boris Johnson é um visitante frequente de Portugal! Não entrámos em detalhes, todavia, para evitar embaraços: seria o seu frequente destino luso o Algarve? Será que ele não nos visitava pelas óbvias razões culturais mas apenas à procura de sol e de sal? Não me atrevi a perguntar. Talvez se tenha tornado um tal fã de Guimarães, de onde escreveu uma artigo para o Telegraph sobre os planos de Jacques Delors para o futuro da UE que ele reclama com orgulho ter sido decisivo no não da Dinamarca a Maastricht. E portanto central na consequente crise no SME e na saída forçada e inglória da libra do mesmo. Ou seja, no fim do Partido Conservador por muitos e bons anos, no fim do mito de que os conservadores eram bons para a economia. Bem, disso ele não está muito orgulhoso, embora seja verdade. Com perfeito fair play reconhece aliás grandes qualidades a Blair, ‘he is terrible, but you have to go give it to him, he is terrific in parliament!’ Isto apesar de Blair ter dito a Conrad Black (o ex-dono do Telegraph como muitos se recordam) quando soube que Boris tinha ido para Belgrado no meio das bombas da NATO em 1999, que tinha dado ordens para aumentarem os bombardeamentos! (‘I am really proud of that, I really am!’).
Boris, Setenta & Duas Virgens & Berlusconi
E é no parlamento que tem lugar boa parte da acção de Seventy Two Virgins (sim as tais do Alcorão) o romance que serviu de pretexto a este meu encontro com Boris (e mais umas quantas pessoas). Há alguns anos que Boris - é assim que toda a gente o trata, os ingleses podem ser snobes, mas não a este nível, sobretudo os de Oxbridge - é deputado conservador e ministro sombra das Artes, provavelmente para ajudar a pagar as contas. Pois o Spectator não dá assim tanto... O romance também não deve ser estranho a esse motivo. Escrito em quinze dias na praia, num
scriptorium (
dixit, ele é formado em Clássicas) feito de cadeiras praia que resultou numa letra terrível que muito demorou o processo de transcrição. Apenas com um intervalo importante, para uma entrevistar com Berlusconi.
E foi aqui que as coisas começaram a animar. (Ao fim de 30 segundos portanto. Estava a ver que não!) ‘Why do you think things went so wrong with Berlusconi?’ [Foi nesta entrevista, na casa de praia de Silvio na Sardanha, que ele fez a referência aos juízes como seres ontologicamente diferentes do restos dos humanos] ‘Because we reported his exact words! His ipsissima verba!’ Deixou ainda registada a explicação dado por Berlosconi: tinha sido entrevistado por dois ingleses bêbados que não tinham percebido nada do que ele tinha dito. E a sua: Berlusconi passou o tempo todo a queixar-se de que a mulher (embora Boris achasse na altura que
la donna era a amante) o tinha deixado por um professor de química e que não sabia o que é o professor de química tinha a mais do que ele! Boris acrescentou ainda for the record: ‘we only had tons of ice tea!’ E terminou referindo-se ao facto essencial da villa de Berlusconi estar rodeada (‘just like in a James Bond movie!’) de uma vasta colecção de cactos...
Boris, Setenta & Duas Virgens & Ministro das Artes & EUA
Mas enfim, o Boris lá escreveu a novela. Tema? Muito politicamente correcto, claro: uma tentativa de ataque terrorista ao Parlamento Britânico. Completamente irresponsável? Não, ele numa nota no fim do romance deixa claro que há uma coisa completamente inverosímil no enredo, é evidentemente impossível ultrapassar a segurança da Westminster! ‘It's true, I myself often have lots of problems getting in!’ Claro, reconheceu que depois do incidente recente – os caçadores de raposas que invadiram o Parlamento sem problema nenhum! - podia haver mais cepticismo sobre este ponto. Mas a tese dele é que apenas um bando de ingleses doidos seria capaz de fazer uma coisa daquelas, terroristas a sério não.
O ponto alto foi quando um membro anónimo da audiência (you guessed it!) lhe perguntou se ele estaria disposto como futuro ministro das Artes a fazer alguma coisa para levantar o estigma sobre a indústria sexual britânica, afinal tem uma longa tradição. (O deputado do romance passa o tempo todo preocupado com o facto de um tabelóide ter descoberto que ele investiu, por engano, claro, num bordel!) Boris começou por dizer que não sabia qual era a posição do partido sobre o assunto. E que infelizmente não sabia muito sobre a questão, mas que ia investigar a fundo. ‘In fact, if I ever get caught anywhere near a sexual place in the future I will come back to this moment!’ E que sim, que se houvesse estigma, coisa que ele duvidava, se ia fazer o possível para resolver o problema. Cabe acrescentar que no romance Boris aproveita para gozar com os pobres americanos, faz uma lista das queixas da Inglaterra relativamente a Washington. Ele e o seu romance mostram bem como os conservadores britânicos são completamente diferentes da onda moralista que actualmente domina o Partido Republicano. Como é que se pode ser um conservador sem ser moralista? Talk to Boris!
PS 1 - Espero que tenha valido a espera, caro
Fernando, mas é pela falta de pontes por este lado que tenho blogado pouco ou nada...
PS 2 - Espero, caro Pedro,
que também a reacção te ajude a animar.
Debate American Style
Kerry ganhou a aposta, como precisava de fazer. Dominou desde o momento em que cumprimentou Bush e o olhou de cima para baixo. Mas o impacto disto pode ser amortecido pelo peso da imprensa populista de direita, e pela forma como Bush tende a ser tratado pelo resto da imprensa independente. Gostei muito de assistir no meio de uma election party com muitos americanos esfuziantes com o desempenho de Kerry (os American Expats tendem a votar mais nos democratas, mas especialmente este ano...)
Bush foi igual ao que se esperava, um aluno competente que decorou bem o texto que lhe foi entregue. A quantidade de vezes que ele repetiu exactamente as mesmas palavras! Mas a imprensa (com o seu liberal bias, claro) considera-o muito eficaz. Pode ser, mas e as pausas e a dificuldade evidente em encontrar uma resposta repetidas vezes? Slogans podem vender, mas se o produto falha... Burro? Diria antes deliberadamente impermiável aos factos. Como disse Kerry, you can be certain and be wrong!
O momento mais confrangedor de todos foi quando Bush usou uma viuva de guerra (a Missy) para vender o seu peixe. Como disse uma pessoa que estava junto de mim: Oh my God I think I am going to throw up! (Para grande susto meu!)
Eficaz? Talvez. Mas demagogia deste calibre merece elogio?
O momento mais revelador do funcionamento da campanha republicana foi quando Bush disse em resposta a uma pergunta sobre o Iraque,
but the enemy attacked us ! (ver transcript comentado no WPost). Kerry denunciou esta desavergonhada mas repetida tentativa de usar o 11 de Setembro para justificar o ataque ao Iraque.
O momento mais importante foi quando Kerry, bem mais claramente do que eu esperava, assumiu o compromisso de fazer regressar aos EUA "a decent regard for the opinions of mankind" (para citar Jefferson). E Bush gozou com isso, dizendo da sua postura face aos tratados negociado por Clinton e que ele rejeitou:
I understand that in certain capitals around the world that that wasn't a popular move.
Quanto ao
perigoso unilateralismo (agora passou a ser perigoso?) de Kerry na Coreia deixo esta nota do Washington Post, para quem ainda acredita no que Bush diz:
On North Korea, Bush charged that Kerry's proposal to have direct talks with that country would end the six-nation diplomacy that the administration has pursued over Pyongyang's nuclear ambitions. Kerry has said he would continue the six-party talks as well. Bush said direct talks with North Korea would drive away China, a key player in the negotiations. But each of the other four countries in the talks has held direct talks with North Korea during the six-party process -- and China has repeatedly asked the Bush administration to talk directly with North Korea. Moreover, the Bush administration has talked directly with North Korean diplomats on the sidelines of the six-party talks, and Secretary of State Colin L. Powell met with his North Korean counterpart over the summer
Evidentemente que quem se contradisse completamente no caso da Coreia do Norte foi Bush II e companhia.
Tipos demasiado perigosos para lidar com eles sozinho, isn't it cowboy?
Mais liberalismos
Caro João
Começando pelo busílis da questão: "o poder do estado é a maior ameaça à liberdade nas sociedades modernas." Podia repetir!?! Isto significa que queria mesmo era viver na Somália, não fosse o problema da língua, certo? Lá não há banco central, não há impostos, não há monopólio da violência, só sociedade civil devidamente armada. Se isto não é anarquismo, então é o quê?
A empresa tem de satisfazer o cliente, mas o estado não. O estado mantém-se pelo monopólio da violência. Claro! Ou seja, todos os estados são iguais e igualmente maus! E todos os dias acordamos a pensar derrubar o estado, mas não conseguimos. Repito, se isto não é anarquismo, então é o quê?
Há aqui, claro, o pequeno problema factual das revoluções e das mudanças de regime. Das revoluções liberais, por exemplo. O Estado liberal foi criado por alguém? Pois. Mas sabe, não sou eu que sistematicamente oponho o Estado aos indivíduos. Foi criado, claro, por revolucionários liberais face a feroz oposição das direitas conservadoras. Mas o ponto que se recusa a encarar é que sem ele não seria possível existir o indivíduo que você descreve, a gozar o tipo da liberdade de que você goza. É uma evidência que não existiam cidadãos livres e iguais perante a lei até surgir uma lei que lhes deu esse estatuto!
Depois, há "o problema científico da origem do dinheiro, das línguas e das instituições." Bem, sabe-se pouca coisa com rigor a respeito desse período, antes da invenção do Estado e do concomitante aparecimento da escrita (já mencionei que a Internet foi resultado do trabalho de instituições públicas?)... Mas percebi bem, para si economia de mercado é o mesmo que comércio internacional? Só na pré-história ou em qualquer altura? Ou seja, a URSS tinha relações comerciais com Cuba, logo havia economia de mercado?
O que é que tem de especialmente espontâneo a utilização de lingotes de metal ou conchas etc. para acertar contas num regime de troca directa? É isso que tem para oferecer como alternativa? E é mais espontâneo do que qualquer outra invenção humana? O surgimento do Estado e as suas muitas reformas também não foram espontâneas? E você é contra o planeamento em geral ou é só no caso Estado? Isso é que seria a anarquia na sua expressão máxima! Desconfio que mesmo os traders mais neo-liberais não iriam trocar o euro pelas seus lingotes espontâneos. Parece-me que mesmo as empresas mais irresponsáveis planeiam qualquer coisa.
O estado é a única fonte de ordem? Única não, principal e indispensável sim. De onde viria a sua ordem? Não existe sociedade civil nem economia de mercado sem monopólio da violência pelo Estado. A alternativa a esta ordem estatal que tanto o violenta é a anarquia e a economia de saque. E na economia espontânea das hordas mongóis ou dos grupos armados somalis as expropriações são sem indemnização, até porque os proprietários tendem a ser massacrados...
Só numa ordem estatal há liberdade (você mesmo disse, embora agora parece que se esqueceu, liberalismo não é anarquismo). Não total, claro, nem para indivíduos, nem para empresas, nem para qualquer organização, nem, veja bem a importância deste ponto, nem, para os detentores temporários do poder estatal escolhidos para tal pelos seus concidadãos e que governam de acordo com determinadas normas! Há falhas no Estado? Há. Como em todas as coisas humanas. É por isso que as ciências humanas, como a economia, nunca serão capazes de atingir um rigor tal que lhes permitisse ditar uma política como a correcta. E mesmo que fosse possível, não seria muito liberal, pois não?
Os seus preconceitos anarquistas contra o Estado resultam em que, onde eu me limito a defender o seu papel na construção das condições da liberdade (como todos os liberais clássicos fizeram), você vê ataques fictícios à sociedade civil, às instituições não-estatais, às empresas, etc. Você é que vê uma incompatibilidade intrínseca entre o Estado (mau) e o resto (bom), não sou eu.
As empresas são eficientes e representam uma escolha livre? Pois, se fossemos perfeitos e todos os dias acordássemos para um mundo novo feito à nossa medida. No mundo real não (vide o que José Barros diz sobre os contratos). Mas as empresas devem ser eficientes, é essa a sua razão de ser, mas por isso mesmo não servem para tudo! O que não significa que não possam ter preocupações sociais. Ou que o Estado não deva ser tão eficiente quanto possível no que faz.
A propriedade? É condição de uma economia eficiente. Os impostos? São preço de um serviço essencial. Evidentemente não defendo a propriedade como direito absoluto. Nenhum verdadeiro liberal pode defender tal coisa. Senão ainda hoje teríamos a escravatura ou o regime de propriedade feudal. Tal como não defendo o direito absoluto do Estado estatizar o que entender, pagando o que entender, ou cobrando os impostos que entender (o que é a mesma coisa). Isso seria arbitrário! Por isso, já dizia Locke, é que há eleições e parlamentos e leis e constituições! No taxation without representation!
Finalmente, explique-me este triplo mistério:
- Se o reforço do Estado é tão mau para a economia de mercado, porque é que a economia mundial tem continuado a crescer tanto?
- Porque é que as regiões em que o Estado entrou em colapso são as mais miseráveis à face da terra?
- E, se um Estado grande (que cobra muitos impostos) é tão inimigo da liberdade, porque é que nunca existiram tantos regimes tão liberais e tão cobradores de impostos como nas últimas décadas?
PS - Já disse ao AAA, a si, e digo agora ao CAA, que não preciso de atestados de liberalismo. Estou mesmo disposto, generosamente, a admitir que o vosso born-again liberalism possa servir como uma fonte de (algumas, poucas) ideias reformistas com interesse. Mas tem o excesso e o dogmatismo tipico dos neofitos. E assim se vai a lunch hour...