<$BlogRSDURL$>
CARTAS DE LONDRES
novembro 30, 2004
  O fim da aventura Santana mostrou aquilo que ao fim de vinte e tal anos alguns ainda se recusavam a perceber. Que a única coisa estável nele era a instabilidade. O discurso que ai vem da parte de PSL é fácil de adivinhar. Que o Presidente estava a preparar isto! Que favorece o PS! Que a culpa não é dele! (Nunca é!)

Ora, ao PS convinha, como explicou o Paulo Gorjão sobejamente, dar tempo a este governo para ele se enterrar o mais possivel e para o PS se reorganizar. Se o Presidente Sampaio não dissolvesse agora o parlamento é que estaria a fazer um serviço ao seu partido de origem. (Esta suspeita é um problema de base do nosso sistema politico, diga-se. Para acabarmos de vez com ela teriamos de comemorar a Restauração com uma Restauração. Ou recorrer ao democratismo por lotaria da velha Atenas). Como eu preveni, o bébé precisava de cuidados urgentes e a ama tinha de se prepar depressa. O PS tem de apresentar rapidamente um programa de reformismo abrangente, criativo, mobilizador! Para ganhar com maioria absoluta, não basta o governo anterior cair de podre.

Previsivelmente, vão começar a pressões para o PS se aliar com o PCP e/ou com o Bloco. Mas nada seria melhor para o PSD e o PP neste momento do que um frentismo de esquerda! Sobretudo, nada tornaria mais complicado apresentar um programa realmente reformista. (A nomeação de Vitorino mostra que Sócrates não precisava de quem lho lembrasse).

A minha dúvida é o que farão o PSD e o PP. O PSD é famoso pela sua impiedade para com lideres que perdem, e quem acredita que Santana Lopes pode ganhar? Por outro lado, acabou de vencer um congresso com enorme maioria! (Mas os apelos para correm com ele já começaram!) O PP tem uma tarefa apenas aparentemente mais facilitada. Portas pode apresentar-se como vítima do presidente e de Santana, avançando sozinho. Eventualmente tentando fazer passar o PP como um partido charneira, ideia com que alguns acenavam recentemente. Mas os partidos charneira, como o FDP na Alemanha mostra, podem ter uma vida complicada. E tentar aproveitar a fragilidade de PSL para avançar com um frentismo de direito, sendo a possibilidade mais evidente, não deixa de acarretar o risco de se poderem afundar juntos!

Finalmente há curiosidade nada dispicienda de saber como se vai comportar a imprensa do grupo Lusomundo/PT dirigida pela mão segura de Luis Delgado e seus apaniguados. A avaliar pelo editorial do DN de hoje podemos ficar descansados. Como nos informa o seu director: O DN, que não é porta-voz de quaisquer interesses partidários, tomou, ontem, uma posição prudente: não desdramatizar - nem dramatizar. O tempo vai mostrar a justeza dessa posição de independência e de rigor. Por detrás da falsa capa da independência, muitos intervieram. Sem dados suficientes na mão, o DN relatou. O respeito pelo leitor aconselhou-nos a isso. E, por isso, vamos hoje mais longe. E a capa do DN de hoje é de facto um exemplo de rigor informativo!

Afinal, tudo isto começou com uma tentativa grave de controlo do comentário politico na TV e na imprensa por parte de Santana Lopes. Chegou-se ao essencial pelo acessório, mas chegou-se! A justiça tardou, mas não falhou!

PS - Na imprensa menos independente e rigorosa, vale a pena ler este texto do director do Público. Um bom exemplo do que escrevem os perigosos esquerdistas filiados no grande complot da imprensa contra PSL!
 
  Liberalismo e Neo-Liberalismo ou o Rossio e a Betesga Os nossos amigos blasfemos voltaram à carga com argumentos requentados a pretexto de um poste de Vital Moreira sobre a questão do liberalismo. Percebo. O prémio é elevado. Nem mais, nem menos do que reclamar para si a mais importante e positiva corrente política do Ocidente. Não iremos maçar os nossos pacientes leitores com delongas repetitivas. Mas há que insistir em meia dúzia de pontos essenciais:

1. Que hoje somos todos liberais, pelo menos todos os que aceitam os sistemas políticos actuais, não é uma concessão para alegrar o PMF. É um facto. Por isso se fala de democracias liberais, ou de regimes demo-liberais.

2. Até ao início do século XX os principais partidos de esquerda afirmavam-se explicitamente liberais. Depois do embate da Primeira Guerra muitos entraram em crise terminal. Hoje há quem se reclame do liberalismo à esquerda como à direita.

3. O liberalismo é a grande tradição política cosmopolita e internacionalista. Leiam Kant. Leiam os manuais de relações internacionais! A auto-determinação vai sempre, nos liberais coerentes, acompanhada da rejeição dos nacionalismos atávicos e da defesa das liberdades individuais, dos direitos da minorias: a liberdade de uns não pode ser a opressão dos outros. Por isso se insiste na importância da lei, interna como externamente, das instituições e das organizações da sociedade civil, interna como externamente.

4. A partir da Segunda Guerra, mas sobretudo dos anos 70 e 80, deu-se uma tentativa de takeover do liberalismo por uma corrente marginal, mas bem organizada e vocal, que tem os seus apóstolos em Hayek e noutros economistas defensores das virtudes salvíficas do mercado. Casa conservadorismo e anarquismo. Algum liberalismo ainda anda por ali? Talvez. Mas reduzir toda a tradição liberal a este radicalismo neófito e eclético é querer enfiar o Rossio na Betesga. Não cabe, meus amigos!

5. Para mim uma agenda liberal hoje, para ser fiel ao essencial do seu passado é de um centrismo corajosamente reformista. Recusa o atavismo conservador e o revolucionarismo radical. Recusa os mitos igualmente ocos do estatismo comunista ou fascista, e do individualismo anarca. Procura novas formas de aprofundamento do potencial emancipador da sociedade e do Estado. Afirma que é na interacção entre indivíduo, grupos e Estado que está a base de uma sociedade bem ordenada, com contra-poderes, capaz de continuamente se aperfeiçoar no sentido de corresponder às aspirações de maiorias e minorias.

6. Parece-me ser a esquerda moderada que reúne mais condições para avançar com um projecto liberal para o século XXI. Blair ou Clinton reclamam-se dessa herança. O primeiro procurou (procura?) a fusão com os liberais ingleses, que continuam a proclamar-se de esquerda. A esquerda não tem por quê renegar a sua herança liberal e entregar o ouro ao bandido. Deve usá-la de forma criativa para procurar soluções mais eficazes e mais justas, mais liberais em suma, para todo o tipo de problemas actuais, sem tabus estatatistas ou individualistas. Amen!

PS - Liberalmente concordo em dois pontos com postes recentes dos amigos blasfemos: ministro que não desperdiça dinheiro do orçamento não é nada mau nos tempos que correm; e a União Europeia "teve o mérito de dissolver alguma da excessiva soberania estadual europeia, devolvendo-a em parte aos cidadãos".
 
novembro 29, 2004
  Business as usual ou matam o piqueno? Pelos vistos até dentro do governo já se começam a fartar! Nada de especial, no entanto, simplesmente a continuação da trapalhada a que se resume o longo percurso de Santana Lopes até ao momento presente. Eu temo pelo bébé governamental, no entanto. Até quando conseguirá resistir a tanto mau-trato, minha gente!?

Urgente, portanto, que o PS comece a pensar num programa alternativo, sem esperar por novas fronteiras. O bébé precisa urgentemente de uma ama responsável, de uma nanny, enfim... Tem de começar a apresentar alternativas. O caso está preto (ou escuro como se diria em pc), pois com muita sorte e algum trabalho e fundos europeus estamos na primeira liga do mundo. Há portanto muito espaço para descermos até batermos no proverbial fundo se não nos acautelarmos. Sócrates recusou bem a demogogia barata de baixar os impostos num país em que a fuga ao fisco é um problema enorme e o Estado paga quando calha. Com a espiral de calotes conhecida, que afoga à nascença muitas pequenas empresas, onde está o maior do potencial de crescimento, inovação e criação de empregos. A esquerda não deve ter complexos a lidar com a economia, afinal os paises escandinavos estão entre os que mais crescem, melhor serviços estatais prestam, e mais investem em novas tecnologias. Tal como a Inglaterra de Blair, esses paises mostram que o 'velho' liberalismo ainda tem muito que oferecer à esquerda moderada onde nasceu e cresceu.

PS - Coincidentemente na mesma linha ver este poste de Vital Moreira.
 
  Graham Greene quase mata biógrafo Sou um fã do velho mestre. E que mais pode pedir um admirador deste prosador excelentíssimo, que tudo faz parece simples e fácil, do que ler um texto sobre ele, de um dos seus mais dignos herdeiros, David Lodge. O pretexto? Saiu agora o terceiro volume da biografia autorizada, uma obra massiva que quase ia matando o seu autor, como aliás Greene profetizou. Completamente obcecado, Norman Sherry entre outras coisas visitou todos os países em que Greene alguma vez esteve! Ora, não faltaria material para um livro sobre Graham Greene Frequent Flyer! David Lodge comenta: The prophecy was happily unfulfilled, but at times it was a close-run thing. Sherry promised to visit every country that Greene had used as a setting for a novel, a vow that took him to some twenty countries, entailing danger, hardship, and at least one life-threatening illness. He admits on the penultimate page of the biography that "reaching the end had often seemed beyond my strength and spirit" and superstitiously left the very last sentence of his narrative unfinished. Greene com certeza que sorri perante este mortal receio do seu poder profético, wherever he may be.

Lodge comenta em tom apropriadamente admonitório: It is impossible not to see in the progress of this enormous work a cautionary tale about the perils of literary biography when it becomes an obsessive and all-consuming project, a doomed attempt vicariously to relive the subject's life and somehow achieve a perfect "fit" between it and his artistic output. The fact is that the appeal of literary biography is undeniable and irrepressible but aesthetically impure.
Cuidado, pois, biografistas imprudentes!
 
novembro 26, 2004
  Guerrilha no Iraque Tinha decidido faz dias escrever sobre cultura seguindo o exemplo do Pedro Mexia. E que melhor sitio para começar do que o Iraque, um dos berços da civilização e icone cultural maior do momento presente. Para se perceber o contexto de onde surgem as imagens editadas que vemos, desde logo aquela mais recente e mais polémica de um soldado americano a matar um guerrilheiro iraquiano ferido, um sitio interessante para começar é o blogue do homem que filmou a coisa. Um poste que vale muito a pena, para se perceber como as coisas podem ser simples e complicadas ao mesmo tempo, como diria o velho Clausewitz.
 
  Road Map II O autor do Abrupto, blogue cuja leitura aconselhamos vivamente, e a que geralmente recorremos a horas como esta, recomenda um texto do João Miranda, mas estranhamente sem fazer link directo para o respectivo poste, apesar de o citar ipsis verbis. (Que trabalheira! Ficámos impressionados! E muitos gratos pela publicidade muito indirecta!). Fica aqui o road map para o respectivo poste para quem tiver curiosidade em ler o original... E não precisam de agradecer, não nos custou nada. Gostamos de dar tempo de antena a quem nos ataca, especialmente quando nos ataca... Somos uns internautas aventureiros! Enfrentamos o perigo com um sorriso nos lábios.
 
novembro 25, 2004
  Road Map I De há uns tempos para cá, que sempre que me falam de mapas eu desconfio. Para onde, pergunto-me eu, nos quererá levar este guia blasfemo? Belos mapas quand même.
 
  A Causa Nossa aniversariou em cheio! Com uma quantidade de textos de causistas menos vitais nestes tempos mais recentes.
Vicente Jorge Silva posta textos excelentes e urgentes sobre o Estado e as empresas de comunicação social, que apenas pecam por não serem suficientemente radicais. O problema da escolha das chefias não dever caber ao arbítrio do governo estende-se a todas as empresas em que o Estado retém um quota importante, embora neste caso o politiquismo seja especialmente gritante. Em todas, ela cria problemas desnecessários. Por isso, continuo a insistir, devia-se escolher gestores por concurso, com salários competitivos e com regras claras, e responsabilizando-os por objectivos estratégicos e não por favores politicos!

Sobretudo, bom regresso ao Jorge Wemans! E quase se ia enganando na porta de casa! Uma estória digna de Paul Auster. A mim aconteceu algo parecido. Infelizmente fui eu que fui convictamente em direcção à porta errada! Felizmente não tive companhia, nem mesmo quando tentei freneticamente abrir a porta da ‘minha casa’! Foi aqui que me valeu o velho Sherlock Holmes e a sua regra elementar: quando os factos apontam para uma realidade incrível, ela deve ser verdadeira de alguma forma. Edifício certo, porta igual, tapete... diferente! Tinha carregado no botão errado no elevador! O que seria a vida sem estes pequenos momentos Twilight Zone.
 
novembro 24, 2004
  Ortodoxias O Pedro Mexia descobriu que a ortodoxia em Portugal não é exclusivo da esquerda. Simpatizo, sinceramente, mas já tinha avisado. E cansa, não cansa, que em Portugal, ao contrário, por exemplo, da Inglaterra, não se possa fazer análise critica do campo politico que até se apoia?
 
  Mr Gonzales: cadastro exemplar, de um membro exemplar da Administração Bush... Alberto R. Gonzales, the White House counsel who now has been nominated [...] to serve as attorney general [Ministro da Justica e Procurador da Republica] [...] has never accepted responsibility, or been held accountable, for his role in setting administration policies that led to extensive violations of international law -- and U.S. standards of justice [...].

The starting point was Mr. Gonzales's recommendation to Mr. Bush that he declare the Geneva Conventions -- whose rules on the questioning of prisoners he derided as "obsolete" -- inapplicable to detainees from Afghanistan. That decision caused enormous damage to U.S. standing even with close allies, yet from a practical point of view was entirely unnecessary. Mr. Gonzales ignored the advice of the administration's most seasoned national security officials, including Secretary of State Colin L. Powell [que acabou de ser afastado]

Dito isto, o exemplar Washington Post faz umas perguntas exemplares:

Senators should ask Mr. Gonzales to explain his definition of torture and to say whether he believes captors in other nations could legally inflict pain short of organ failure on detained Americans. They should also ask why he chose to exclude or disregard the views of the uniformed military legal corps in his consideration of military commissions and the application of the Geneva Conventions. Above all, Mr. Gonzales should answer this question: Why is a lawyer whose opinions have produced such disastrous results for his government -- in their practical application, in their effect on U.S. international standing and in their repeated reversal by U.S. courts -- qualified to serve as attorney general?

Entretanto os blogues liberais portugueses preocupam-se com coisas mais importantes...
 
  EUA v. Europa? Confesso que tive dificuldade em perceber esta crítica do Rodrigo Moita de Deus. Penso, com a ajuda de alguém interessado na resposta, que se refere ao meu post-scriptum a um texto do seu colega acidental Luciano Amaral. Ora, é ele e não eu que fala do gaullismo europeu, do le coq soviétique (gostei!) e dos supostos pecados anti-democráticos da França e da Europa, em contraste implícito com o manto diáfano da promoção da democracia pela Administração Bush. Limitei-me a lembrar que o manto americano tem algumas manchas. Na questão de fundo suponho que todos estamos de acordo: a Europa, os EUA e as democracias emergentes partilham um interesse em promover uma democratização de sucesso. A questão é como é se chega lá. Eu diria que mais pela via turca do que pela iraquiana.

Não sou portanto eu que promovo este ideia da Europa contra EUA, mas alguma esquerda e, sobretudo, cada vez mais a direita... e alguns politicos, sobretudo em Washington. Leia caro Rodrigo esta fonte anónima próxima da Senhorita Rice citada pelo FT, a respeito de ela não ter tempo para wimpish Europeans (cito aqui)...

Ainda recentemente um texto da Esther Mucznik no Público concluía desta forma incrível: Há 60 anos, o génio americano foi o de compreender o alcance da ameaça de Hitler. Hoje será talvez o de compreender o alcance da ameaça do terrorismo islâmico [sic]. A América, precursora de todos [sic] os grandes movimentos sócio-políticos, não estará hoje, como ontem, a enviar-nos sinais que recusamos ver? E isto porque o pobre do Javier Solana se atreveu a aplicar ao terrorismo a expressão usada por Blair em relação ao crime vulgar: ser duro com o terrorismo, ser duro com as causas do terrorismo!!! Isto, segundo a dita senhora, é a Europa a apaziguar os terroristas!!! Mas, pensando bem, não espanta da parte de quem aparentemente não sabe que os EUA entraram na Segunda Guerra Mundial em DEZEMBRO DE 1941, quando HITLER lhes declarou guerra!
 
novembro 23, 2004
  A trigunta pela terceira e espero última vez Em todos os textos demolidores com que nos têm brindado os adversários da trigunta, agora aparentemente triunfantes, pelo menos se Sampaio ceder, ainda não se lembraram de explicar duas coisas essenciais:

1. No que é que toda esta confusão em torno de uma questão secundária serve os interesses de Portugal? Podia-se repetir o referendo dizia o Paulo Gorjão! E o custo económico e político disso?! Agora parece que o governo quer SIMPLESMENTE que o presidente vete uma pergunta aprovada na Assembleia pelo PP e pelo PSD!!! Querem melhor maneira de desmobilizar os eleitores? Querem melhor forma de descredibilizar o sistema politico?

2. Que pergunta é que sugerem que evita o problema de se estar a aprovar um tratado ou alguns dos seus pontos essenciais? Podia tentar-se algo aparentemente mais simples como: está de acordo com a continuação de Portugal na União Europeia? Mas isso implicaria dizer que sim, de acordo com a lógica usada no ataque a esta tripla pergunta, a milhares de artigos de legislação europeia! Como votar num partido, suponho, implicaria subscrever todos os pontos no respectivo programa!!! Absurdo, não é?

Fico a aguardar a revisão de génio da crucial pergunta, com a ajuda dos assessores de comunicação do governo, e do Daniel Oliveira. Mas sobretudo fico a aguardar os seus efeitos duradouros na felicidade nacional e europeia. Bem precisamos de milagres. Se uma pergunta tiver esse efeito valeu a pena todo este trabalho, e espero que o nosso monarca vete de cruz para bem de todos! Amen!
 
novembro 22, 2004
  Triplamente Blasfemos Foi você que também foi contra a adesão de Portugal em 1986? Pois é! Aonde estariamos hoje se a sabedoria e o sentido patriótico do PCP e outros compagnons de route da extrema-esquerda e da extrema-direita tivesse prevalecido!

Claro que o tratado de adesão foi aprovado por um Parlamento democraticamente eleito, e idem todas as reformas subsequentes, e com larga maioria. Mas estou-me a esquecer que o grande capital e as multinacionais tiveram o trabalho facilitado porque durante muito tempo não existia em Portugal esse instituto essencial de qualquer verdadeira democracia: o referendo! Que os portugueses tanto gostam e usam!

De facto os anti-europeistas cada vez mais parecem os comunistas da Europa. São sempre a favor do que está, mesmo que antes o tenham atacado selvaticamente. Então a Europa não precisava de reformas urgentes?
 
  Falta de senso em triplicado O Paulo Gorjão remete-me para um texto de Saarsfield Cabral sobre a trigunta, em que ele se ocupa atipicamente com falta de senso. Pois a mim parece-me que falta senso a europeístas que mostram tanto empenho numa questão secundária! Saarsfield Cabral pergunta o que é que se faz se não estiver de acordo com uma das partes desta tripla pergunta? Mas e se a pergunta for, como tantos aparentemente querem - concorda com a ratificação do tratado ? O que fazer se se estiver em desacordo com um, umzinho, dos artigos do tratado? Saarsfield Cabral diz ainda que é evidente que toda a gente concorda com a Carta dos Direitos Fundamentais, logo, não devia fazer parte da pergunta. Mas porquê? Se essa é uma das principais novidades do tratado? Só para facilitar a vida aos eurocépticos que passam a vida a queixar-se dos abusos de Bruxelas, enquanto os europeus cada vez mais usam os tribunais europeus para obter reparação dos abusos dos Estados nacionais?

Quem votar tem de decidir se as reservas especificas que têm são suficientemente importantes para justificar um não. O Paulo Gorjão aparentemente decidiu-se precisamente pelo (triplo) não. Quer isto dizer que rejeita a Carta dos Direitos Fundamentais? Hardly, mas não gosta da pergunta. Ora perguntas perfeitas não existem, como não existem respostas perfeitas.

Na verdade toda esta discussão serve para mostrar porque é que não se devem referendar tratados. Mas o que deveria importar na resposta a esta trigunta ou outra equivalente, é referendar a União Europeia e o seu recente esforço de reforma. (Ponto essencial com que Saarsefield Cabral parece concordar). Se as coisas correrem mal neste processo dificilmente países como Portugal tirarão daí alguma vantagem. Isto é que me parece ser de bom senso. Mas o mal já está em boa parte feito, graças à irresistível tendência portuguesa para colocar a retórica acima de tudo. Neste tempos que correm, é certo, o mau exemplo vem de cima.
 
  Causas Nossas Como disse há uns tempos tendo a resistir muito aos aniversários e tradições que lhes estão afiliadas, é sobretudo um problema de memória e de resistir a uma avalancha de obrigações sociais, que também existem, claro, na blogosfera.

Mas hoje apeteceu-me quebrar a regra e agradecer ao Causa Nossa um ano de trabalho em prol da causa... do debate vivo e bem educado na blogosfera.

 
novembro 21, 2004
  Viva a Trigunta!! Trigunte você também!! Responda um simples sim a uma simples trigunta!! Pelo que percebo em Portugal é de bom tom atacar a trigunta (uma bela trouvaille, penso que do Paulo Gorjão) sobre o referendo europeu. Ora eu acho que os ataques é que são um disparate: a pergunta, ou seja, a trigunta é claríssima! Aliás, seria menos claro perguntar, por exemplo: está de acordo com o tratado constitucional? (Como disse Vital Moreira no final deste poste. Embora depois venha recomendar uma nova pergunta quando há que resistir!)

Os inventores da trigunta estão portanto de parabéns. Fizeram um óptimo trabalho. E por importantes razões constitucionais. Os tratados não devem ser referendados, pois isso seria submeter a manipulações populistas o necessário e demorado trabalho de cedência aqui para obter concessão acolá. E a suspensão das regras constitucionais parece-me ser evidentemente um mau princípio: hoje não me está a apetecer respeitar a liberdade de expressão, vamos suspender isto por uns dias! (Bem, pensando bem, parece que esta regra deixou de obrigar o governo de há uns tempos para cá, mas isso são outras conversas...)

Vão ser submetidos a referendo claramente com a trigunta os três pontos mais importantes que este tratado constitucional da União Europeia trás de novo: a Carta dos Direitos Fundamentais, a mudança do Sistema de Votação, e uma série de alterações institucionais (e.g. criação de um ministro dos estrangeiros da união). O resto, com que o meu adversário de estimação João Miranda (e vão 13!) se tem entretido a iludir os simples, ou são que já há muito que estavam em funcionamento ou são pontos perfeitamente secondários.

Claro que é trágico perder a soberania absoluto sobre o nosso, NOSSO, Mar. Ter de demolir as barreiras que o tornavam único e só NOSSO, que impediam que a poluição e os barcos de outros países o atravessassem, porque ele era NOSSO e só NOSSO. Mas enfim, os fundos que permitiram modernizar o país tiveram alguns custos... (Os do Leste que se desenrrasquem, que a malta não paga a chulos; ai concordo com o João Miranda que se deve fazer um pergunta especial, uma QUADRUNTA; eles que continuem a imigrar para cá que há muito trabalhinho para fazer por estas bandas!)

E acho incrível que se pense que o nosso povo, coitadinho, não vai perceber! Que é o que todos os criticos estão a dizer de forma mais ou menos velada embora apenas este leitor do Expresso online tenha posto a coisa claramente. O povo (e só o povo, claro!) assiste a TV-lixo? Pois, mas o povo também joga triplas no Totobola, nunca ouviram falar? Muito complicado!! Isto para não falar no(s) Totoloto(s); que eu não percebo, confesso... Claro que a mensagem passa, e não me espanta que se torne uma self-fulfilling prophecy. Mas só não vai perceber quem não quiser.

A manobra de ataque à trigunta é, no entanto, inteligente. Os europeístas ganham um alibi para o caso de haver poucos votantes. E sobretudo, os anti-europeístas, que são os mais assanhados no ataque, estão a tentar afastar as pessoas do referendo que é a única forma de poderem tirar alguma vantagem dele. Ou seja, a democracia directa no seu melhor (que nunca é grande coisa).
 
novembro 18, 2004
  Alguns factos sobre a Costa do Marfim e a política neo-colonial francesa Quanto às críticas à política africana da França no Acidental. Com certeza que há coisas a criticar no passado, e admito que no presente e no futuro. Mas mais uma vez a minha preocupação não é essa. Fica aqui uma dose de factos avulsos quanto a mais este pretexto para esta vaga de francofobia.

A França apoiou durante muito tempo e logo a partir da independência o governo da Costa do Marfim, como de quase todos os países francófonos de África. A lógica neo-colonial era muito semelhante à colonial: interesses e ideais conviviam num casamento de conveniência. Tudo isto sempre com a cobertura legal de uma série de tratados de assistência mútua. Foi mau? E o Zaire de Mobutu, ou o Uganda de Idi Amin, ou a África do Sul do apartheid foram bons?

Não promovia a democracia? Pois não, mas e os soviéticos promoviam, ou os EUA na América Latina (lembram-se da Guatemala?). E convém lembrar que isto se passava durante a Guerra Fria, e Washington não tinha grandes problemas em contar com a ajuda de Paris nesta zona. O fim da Guerra Fria mudou muita coisa. A França como o resto do Ocidente começou a apostar menos em ditadores e mais na democratização, com bom senso e sucesso muito variável. Mas o Senegal, provavelmente o país africano de mais forte influência francesa é um caso de sucesso neste campo, como Cabo Verde ou o Botsuana. Nem tudo é mau em África, e certamente nem tudo é culpa da França, ou da Bélgica, ou da Grã-Bretanha. Ou mesmo do exemplar Portugal. Bem sei, bem sei que fomos colonizadores examplares, descolonizadores exemplares e agora ajudamos de forma completamente desinteressada e... exemplar. Mas cá fora há alguns estrangeiros um pouco cépticos sobre o nosso desempenho presente e passado. Preconceitos, claro!!!

O site que o Diogo Belford Henriques recomenda, supostamente dedicado ao tema da crise na Costa do Marfim, merece uma visita. Como perfeito exemplo do anti-francesismo que floresce nos EUA nesta altura. E pelo menos o nome é divertido: NO BLOOD FOR COCOA! Lindo! Mas se gostam tanto, poupem-nos ao menos os moralismo quanto ao pecado muito grave de anti-americanismo a respeito de tudo o que cheire a análises mais criticas desse santo homem de génio George W Bush.

Eis alguns factos sobre a Costa do Marfim que os blogues citados esquecem, embora alguns dos articos linkados os refiram. Vive-se há anos uma polarização crescente entre o norte e o sul, alimentado por discursos sectários extremamente violentos. As tropas francesas fazem parte de uma força multinacional da ONU, com contingentes de vários países africanos. E que se deslocou para o país depois de uma guerra civil e por causa da crise humanitária que se seguiu. Precisamente aquilo que agora se pede para o Darfur. (Em que, por sinal, tropas francesas têm estado activas no auxílio aos refugiados que fogem para o Chade.) A ideia de que as tropas francesas foram atacadas por acidente no interior de uma das suas base pela força aérea do Presidente Gagabo, um bom exemplar do género Mugabe, além de ridícula é irrelevante. A forças internacionais têm o direito de se defender quando atacadas, e a obrigação de impedir atrocidades por bandos de desordeiros. Se as forças internacionais tiverem de retirar, teremos o regresso da guerra civil, e, tendo em conta a propaganda racista que abunda no país, podemos muito bem ter o regresso a atrocidades em larga escala. Mas o que é isso interessa, quando o que importa é atacar a França?

PS - Pois Luciano, muito mau a Europa deixar de ter contactos tão regulares com os opositores cubanos. Ainda bem que Washington tem cadastro limpo a esse respeito! Com as suas relações privilegiadas com os democratas no Turquemenistão, Azerbaijão, Paquistão, Uganda, ou nesse recém-descoberto oásis de liberdade, o reino do coronel Khadafi!

PS 2 - Kerry da Manchúria!?! Deves querer dizer do Massachusetts! Embora quem ouvisse a propaganda republicana quase parecia que se tratava de um estado estrangeiro e... argh!!! europeu.
 
  Francofobia primária em edição (quase) definitiva Caro Rodrigo Moita de Deus a única coisa inflamada por estes lados é a minha garganta! Por outro lado por vezes fico convencido que o Acidental tem múltiplas personalidades. O que pensando bem tem mesmo! E um caso sério de moralismo selectivo. Por exemplo, ora perde tempo com referências de mais que duvidosa pertinência, especialmente num país em que abundam doutores e engenheiros profundamente ignorantes, à formações especializada ou ao auto-didactismo de um dos autores do Barnabé. Ora ataca os ataques velados à direita que diz existirem no Barnabé (velados?!?). Espero que prevaleçam as regras de boa conduta. Ou pelo menos que os insultos sejam bem esgalhados e com piada.

Todos vemos melhor o agreiro no olho do outro, mas fico espantado que o RMD se considere desconsiderado por termos como fantochada ou preguiça intelectual. Eles são usados, não num ataque pessoal, mas sim para descrever com merecido sarcasmo a realidade pouco subtil dos preconceitos contra a França, os EUA etc. Tive mesmo o cuidado de dizer que colocava a hipótese dos meus colegas bloguistas acreditarem sinceramente nessas caricaturas anti-francesas, ou de as terem usado simplesmente para provocar.

Em suma não era minha intenção desconsiderar mas debater, e agradeço ao RMD ter-se dado ao trabalho de responder substancialmente às minhas críticas. Mas enganou-se em boa parte de alvo, pois, repito, não sou um pró-francês primário!

Querem criticar a França e elogiar os EUA? Eu ajudo (até certo ponto)! Não concordo, por exemplo, com a ideia de que a cultura americana é por regra menos interessante do que a francesa. Claro que os EUA começaram por ser literalmente a selva. Mas já no século XVIII os Federalistas americanos são bem relevantes. E neste século há grandes figuras da cultura americana em todas as áreas.

Para entrar em zona mais escuras, em que o RMD não se atreve, poderia referir-se a acção clandestina organizada pelo governo francês para minar (literalmente) um protesto da Greenpeace contra os ensaios nucleares em Muroroa. Que resultou, talvez acidentalmente, mas em todo o caso de forma inaceitável e trágica, na morte de um fotógrafo português. Isto é um facto não é uma lenda. Por outro lado os serviços secretos britânicos ou americanos estiveram envolvidos em acções tão ou mais sangrentas e ilegais. RMD quer realmente discutir as vendas de armas a países ou grupos pouco recomendáveis? Que tal o caso exemplar dos americanos, que venderam ingredientes para armas químicas a Saddam e armaram os Taliban e a Al-Qaeda, ou os Indonésios para os massacres em Timor? E, claro, temos Portugal a vender armas aos iraquianos e aos iranianos...

Discordo em pontos chave da crítica de RMD à política externa francesa ou das conclusões que daí tira. A Índia ou a China ou o Brasil não têm ainda a capacidade de projecção internacional da França (ou da Grã-Bretanha), em termos militares, de ajuda ao desenvolvimento, diplomacia, etc. A França nunca saiu da NATO. Simplesmente saiu do comando militar integrado quando os EUA, sobretudo por pressão da Grã-Bretanha, bloquearam a exigência de Paris de ter exactamente o mesmo estatuto e acesso de que Londres gozava em Washington.

Mas para não dizerem que para um crítico que se diz aberto, cedo pouco aos argumentos de outros, dou alguma razão ao Rodrigo quando se refere ao conservadorismo francês na questão do Conselho de Segurança. O europeísmo francês neste caso não é consequente. No entanto, a reforma da ONU não se resume ao Conselho de Segurança, que todos os membros permanentes actuais olham sem grande entusiasmo, diga-se. Dou-lhe toda a razão quando ele ataca o defesa francesa da PAC, inflacionada e inadequada. Mas o projecto europeu está longe de se resumir a isso.

No entanto, e finalmente, o que não me parece fazer sentido nenhum é criticar a França porque não percebeu que não se pode impor sozinha a nível mundial. Quem não percebeu isso foi Bush II e os seus seguidores europeus! Não perceberam que hoje, como no passado, ninguém tem esse poder! Poder não é omnipotência! Paris sabe isso perfeitamente, daí a sua insistência na importância de uma Europa forte para garantir que os europeus terão, no futuro, alguma voz nos assuntos internacionais. Parece-me este um projecto urgente, em que o interesse de um país pequeno como Portugal é maior do que o dum estado como a França, mas eles são em boa parte convergentes.

PS - Sobre neo-colonianismo, Costa do Marfim e este site muito interessante falarei noutro poste.
 
novembro 17, 2004
  Vejam se adivinham Quem foi o perigoso esquerdista que escreveu isto?

Once you've got Baghdad, it's not clear what you do with it. It's not clear what kind of government you would put in place of the one that's currently there now. Is it going to be a Shia regime, a Sunni regime or a Kurdish regime? Or one that tilts toward the Baathists, or one that tilts toward the Islamic fundamentalists? How much credibility is that government going to have if it's set up by the United States military when it's there? How long does the United States military have to stay to protect the people that sign on for that government, and what happens to it once we leave?
 
  Black Rice, Black Powell, Black Power Parece que agora temos de elogiar a escolha pelo Senhor Bush da Senhorita Rice para chefiar a diplomacia americana, por ser uma senhora e ser negra! Parece-me normal que o facto de uma senhora e um negro terem desempenhado o cargo de Secretary of State retire alguma impacto ao facto. Tanto mais que todos os pormenores da biografia da senhora Rice são conhecidos porque quem se interessa pelo assunto (por exemplo saiu uma reportagem enorme na New Yorker). Ora o Rui Tavares acovardou-se e sentiu-se obrigado a seguir a linha ditada pela direita. Que desilusão! Terei de ser eu a defender a honra do convento!?

Claro que a imprensa gosta de Powell, claro que a imprensa gosta menos de Rice. E depois? Claro que Bush pode nomear quem lhe apetecer. Desde que o Senado aceite os nomeados, e para isso nomear mulheres e/ou minorias é importante. Os senadores tendem a acovardar-se com tudo o que cheire a racismo. Mas racismo seria ignorar o mais relevante politicamente e analiticamente neste momento que é Bush ter escolhido para todos os lugares que vagaram na nova administração yes-persons (por acaso negros, hispanics ou cor-de rosa) e que antes trabalharam para Bush como assessores.

O que mostra que as esperanças de grandes mudanças no segundo mandato não parecem exactamente muito promissoras. O que mostra que quem vai contiuar a mandar vai ser um senhor branco de boas familias e cuja principal prioridade vai ser ajudar os seus pobres amigos ricos que tanto sofrem nas mãos do Estado!

Sobre Rice e Powell ver o (como sempre) excelente dossier de imprensa de Howard Kurtz. E textos de Jim Hoagland e de Garry Wills. Tudo no Post. Sobretudo e para terminar este texto no Financial Times que vale a pena nem que seja apenas por esta citação de um amigo da dita Senhorita Rice: A close associate of Ms Rice described her as “tough as nails”, sharing the president's religious views on good and evil and unlikely to have time for “wimpish Europeans”. Com amigos destes...
 
  Nova Francofobia primária, agora revista e ampliada Rodrigo Moita de Deus e DHB não se impressionaram com as minhas críticas à francofobia. Não me surpreende, mas só para esclarecer gostaria de acrescentar o seguinte. Meus caros:

Cada um é livre de escolher, repito, entre a Marianne, o Tio Sam, o Avô Cantigas, ou quaisquer outros bonecos com que queira brincar. Mas convinha ter a noção de que com fantoches se faz fantochadas, divertidas talvez, mas nada mais.

Não há paz no Médio Oriente por causa do relatório da morte de Arafat!? Por favor! Fiéis ao seu legalismo, que pode ser irritante mas é tem sido muito consistente, os franceses deixaram claro que só a família tem acesso ao relatório médico e só ela o pode divulgar. A França quer um lugar à mesa das negociações? Qual mesa!?! Não existe mesa nenhuma!!! E na verdade o que a França quer é que seja a União Europeia a conduzir este processo e ela já tem o lugar garantido nessa mesa inteiramente virtual.

A França é competidor e não parceiro dos EUA? Bem, parceiro comercial não quer dizer amigalhaço. Quer dizer que a França exporta muito para os EUA, e eu não vejo como é que criar dificuldades com os americanos ajuda a economia francesa. Sobretudo por causa de sítios completamente irrelevantes do pontos de vista dos interesses económicos franceses como o Iraque (vejam os números e depois digam qualquer coisa).

Ao contrário do que diz RMD se há uma coisa evidente é que todas as lendas negras que rodeiam um ou outro país ou grupo têm imenso em comum. Os preconceito podem ser perigosos, mas também são limitados. São uma forma de preguiça intelectual, por isso os temas são muito repetitivos: egoísmo, ganância, negócios escuros, complots, etc. Dos jesuítas ou dos judeus ou dos muçulmanos, dos espanhóis ou dos americanos, ou... dos franceses. Claro que todas estas coisas existem. A questão é achar que existem sempre no mesmo sítio ou grupo e explicam tudo sobre esse sítio ou grupo.

A França não soube envelhecer? A França não soube morrer!? E Portugal soube envelhecer e morrer? O que é isto quer dizer exactamente? Será que para além dos EUA ninguém tem direito a ter uma política externa própria? Julgava que não tinham nenhum problemas com isso. Este tipo de conversas sobre a França ser irrelevante vindo da parte de colunistas próximos de Bush ou daquele senhor-porreiro-de-que-agora-não-me-lembro-o-nome que falou da irrelevante e Velha Europa, teriam obrigado Paris a agir como agiu na crise do Iraque, nomeadamente na ONU, mesmo se não tivesse outros motivos para o fazer.

A França é irrelevante em termos globais? Isso é uma piada de que os americanos estão a pagar a factura. A França não tem em conta os interesses globais? Quioto, TPI, reforma da ONU, etc. E, vale a pena referir, se não fosse a França e companhia, o Conselho de Segurança da ONU teria minado a sua credibilidade a apoiar uma guerra no Iraque com base em ADMs que não existiam!

Sobretudo, RMD e DHB parecem não perceber que o meu ponto não é defender a sempre a França, dizer que é sempre multilateralista ou legalista ou altruístas. Sempre não faz muito sentido no mundo real. O que me interessa é não fechar os olhos à realidade, ou pelo menos tentar. Seja para elogiar ou criticar. Seja franceses ou americanos.

E, a terminar, que ironia ver este tipo de discurso da parte de quem tanta tinta tem gasto a condenar o anti-americanismo primário. De quem tanto, e justamente, ataca a ideia de que os americanos estão sempre a preparar alguma coisa, e coisa boa não é, parece-me tudo isto um bocadinho contraditório! Mas admito que estejam sinceramente convencidos de que muitas das caricaturas francófobas são reais. Neste aspecto digamos que sou eu que não serei facilmente convencido!
 
  Blair e Bush, tão amigos que nós fomos? Quem parece ter começado a tirar as suas conclusões destas mundanças é nem mais nem menos do que Tony Blair. Eu avisei, não avisei? Blair pode ter alguns pontos em comum com os neo-conservadores e com Bush (como eu!). Mas há diferenças fundamentais, nomeadamente para ele a força não é o melhor remédio para tudo em relações internacionais e as instituições e a lei internacional são essenciais. O seu discurso anteontem na Mansion House foi dos mais claros a marcar essas diferenças.

Claramente Blair voltou de Washington sem nenhuma espécie de garantia quanto ao empenho de Bush na Palestina. Está agora a começar a distanciar-se alguma coisa de Bush e a aproximar-se da Europa pela primeira vez em anos. Penso que como de costume o faz em boa parte por convicção. Como ele mesmo disse numa passagem chave:
Democracy is the meeting point for Europe and America. I am not, repeat not, advocating a series of military solutions to achieve it. But I am saying that patiently but plainly Europe and America should be working together to bring the democratic human and political rights we take for granted, to the world denied them. When Kofi Annan reports back to the UN in some weeks time on UN reform one reform we should insist on is a greater role of leadership for the UN on the responsibility of states to protect not injure their own citizens.None of this will work, however, unless America too reaches out. Multilateralism that works should be its aim. I have no sympathy for unilateralism for its own sake.

Mas ao facto também não é estranho o instinto político que faz dele o primeiro-ministro com um mandato mais longo desde a Baronesa. Ele começou a realçar as diferenças com Bush e os temas comuns com o resto da Europa a tempo das próximas eleições e do possível referendo europeu. Aparentemente as sondagens dos trabalhistas mostram uma perigosa quebra na maioria parlamentar previsivel nas eleições (provavelmente) de Maio de 2005. E muito como resultado da Guerra no Iraque e da proximidade de Bush. A falta de confiança em Blair criaria problemas no referendo europeu.

O probleminha, claro, apontado pelo chato do Chirac que vem recordar a dura realidade, é que Bush e companhia parecem mais do que nunca convencidos da sua infalibilidade. E como bons cruzados não parecem dispostos a dar nada mais aos seus aliados do que a satisfação do dever cumprido. Ora se Blair quiser uma boa maioria nos Comuns isso não vai chegar...
 
novembro 16, 2004
  Powell gone Concordo em boa parte com o Paulo Gorjão. Na verdade o texto dele lembra-me o comentário de um diplomata altamente colocado aqui que me disse há uns tempos atrás qualquer coisa como: 'We have been talking a lot with the US, unfortunately we have been talking a lot to America's deaf ear, the State Department!' Ao mesmo tempo trata-se de um virar de página. E no mau sentido, ou seja, de ainda mais Bush (cowboy hat and skirts).

E tal como quando comentei aqui a respeito de Stuff Happens que dramatiza a guerra do Iraque, continuo a pensar que este anos foram uma luta vã de Colin Powell para fazer prevalecer a razão, o bom senso. Bush é um enigma. Powell é humano e profundo, das suas memórias do Vietname até às suas explosões contra os delírios dos neo-conservadores. O sentimento de empatia é inevitável, e também pensar: como é que não é ele o presidente? E como as coisas seriam diferentes apesar do 11 de Setembro, como tudo poderia ter sido bem diferente; essa é a tragédia para todos nós.

Os que atacam Powell por viajar pouco e de portanto ter contribuido para a crise da diplomacia americana deviam lembrar-se que a guerrilha institucional em Washington contra ele era tal que de cada vez que ele se demorava no estrangeiro era publicamente desautorizado em Washington!

Por tudo isto, muitos defenderam que ele se devia ter demitido há muito, mas ele tem esta velha ideia de soldering on, de servico. E aparentemente pelo menos uma vez o presidente Bush teve de lhe pedir para continuar a servir. Agora claramente deixou de servir. Os sinais de uma postura mais moderada no segundo mandato de Bush devem parecer pouco promissores, mesmo para quem alguma vez acreditou neles...

A sua vinganca poderá ser que os neo-conservadores e seus aliados em Washington arriscam-se a ser cada vez mais mugged by reality. E nem se podem queixar, afinal foram eles mesmos que se definiram como liberals mugged by reality. Infelizmente todos podemos ter de andar a apanhar os cacos, ou apanhar com os cacos...
 
novembro 15, 2004
  Eu mesmo não desenharia melhor. O que alguns considerariam um understatement.
 
novembro 14, 2004
  Francofobia primária Já aqui nos referimos a este fenómeno em expansão em Portugal (ainda mais, diria, do que nos States). Mas ele continua a prosperar numa blogosfera e comentariado nacional que não primam exactamente pelo interesse pela realidade internacional, e tendem a usar a realidade internacional como arma de arremesso nas guerrilhas políticas internas.

Agora foi a vez do geralmente sensato CAA aderir à moda. E houve mais quem se divertisse a atacar mais uma vez La Grande France. A ironia é que todas as explicações simplistas e conspiratórias que são descartadas como evidentemente erradas quando se trata dos EUA de Bush servem para “analisar” a política externa da França. Claro que há conspirações e interesses em política interna e externa. Mas confesso que tenho dificuldade em perceber duas coisas:

1. Se só os interesses nacionais é que contam em Paris, no que é que nisso a França é diferente ou pior do que os EUA de George W. Bush?

2. Se só os interesses nacionais, sobretudo do tipo mais rasteiramente comercial, é que contam em Paris, porque é que a França insiste em criar problemas com um dos seus parceiros comerciais mais importantes: os EUA?

Às teses delirantes que pululam por ai contrapunha alguns factos:

A França preocupa-se desde há muito, por más, mas igualmente por boas razões com as suas colónias... como Portugal ou a Grã-Bretanha. Que é bem mais do que aquilo que se pode dizer dos EUA, veja-se o exemplo da Libéria ou de outras “colónias” mais recentes, com os resultados conhecidos.

Jacques Chirac começou por ser um dos presidentes mais pró-americanos da história recente da França.

A ideia de que a França quer ficar com o dinheiro do Arafat é tão rasteira como dizer que os EUA foram ao Iraque para ficar com o dinheiro desaparecido de Saddam Hussein. Enfim, há gostos para tudo, e quem sou eu para criticar quem prefere o Tio Sam à Marianne (eu pessoalmente gosto muito do Avo Cantigas)? Mas haja respeito, inventar que a senhora usa barba parece-me ser um bocadinho demais.
 
  Boris in trouble, a little more than usual Boris Johnson foi apanhado com a boca na botija, e nem eu lhe vali ("In fact, if I ever get caught anywhere near a sexual place in the future I will come back to this moment!")... Mas concordo que quem o enterrar prematuramente pode muito bem estar a cometer um erro. Afinal, no principio de tudo esteve o verbo terrivelmente divertido e heterodoxo, e duvido que o consigam calar.
 
novembro 13, 2004
  Blogosfera Um artigo interessante na sempre muito interessante Foreign Policy vem analisar a blogosfera (na sua variante menos virtual, ou seja, em lingua inglesa). Oferece links para uma quantidade de sites e outros textos sobre o mesmo tema.

Os pontos principais? A blogosfera, entre dois e quatro milhões de blogues globalmente, segundo parece, é numericamente dominada por adolescentes que escrevem duas vezes por mês a dar conta das suas maleitas sentimentais e por outras formas de solipsismo. Mas é também altamente hierarquizada; com apenas algumas dezenas de sites a dominar completamente o acesso da grande maioria do visitantes através dos seus links. Muitas vezes altamente partisan e politizada; a blogosfera pode também, mais raramente, ser uma oportunidade para furar o dominio dos media mais instalados; ou para especialistas pouco conhecidos ou iraquianos totalmente desconhecidos terem uma voz sem serem abafados pelos comentadores profissionais e tradicionais. Os media instalados acabam por ser influenciados pelo teor dos blogues, ou mesmo por criar blogues nos seus sites, ou ainda por convidar bloggers para as suas colunas. Interessante pensar até que ponto o texto se aplica a Portugal.
 
novembro 12, 2004
  Arafat 1929-2004 Morreu o Sr. Palestina. Arafat nunca foi um homem de bom senso. Mas foi por isso que conseguiu colocar a Palestina no mapa nos anos 60 e 70. Construiu a OLP apesar de hostilidade dos Estados vizinhos e de Israel, que queriam continuar a gerir a carta palestiniana como melhor lhes convinha. Dai a consideração dos palestinianos por ele, apesar de tudo.

Era naturalmente um sobrevivente. Portanto, não era lider para correr grandes riscos no negociar da paz. Mas estou longe de subscrever a tese que o culpa de tudo o que se passou desde o assassinio de Rabin. Nunca teve o poder para controlar os acontecimentos que os seus acusadores lhe atribuem. Esse foi um dos problemas principais de todo o processo.

Corrupto e acusado de atrocidades (como Sharon, note-se). Sim. Na verdade, nunca tive afecto pelo velho, apesar de apreciar (como em Sharon) as suas sete vidas de gato. Afecto sempre tive por Israel, apesar de tudo. E sempre vi a paz negociada com os palestinianos como não apenas justa e devida, mas igualmente o melhor para os israelistas, que poderiam finalmente viver em paz. Era dificil com Arafat, mas não será necessariamente mais fácil sem ele.

PS - Vale a pena ler este texto do historiador revionista Benny Morris, tanto mais que ele recentemente pareceu ter-se convertido às belezas da limpeza étnica, mas que comenta na parte final:
His disappearance removes a major rejectionist obstacle from the scene. But it also leaves us with a paradox. For Mr. Arafat was probably the only Palestinian of our time, given his historical and political stature, capable of persuading the Palestinians, or most of them, to accept the concessions necessary to achieve a two-state solution. On the other hand, his successors - Mahmoud Abbas, Ahmed Qurei and some of the younger Fatah leaders - may be more amenable to a territorial compromise but they lack the stature to intimidate or persuade their people to accept a two-state settlement or to crush their terror-minded colleagues. So Yasir Arafat's death may have done us no good at all.
 
novembro 10, 2004
  Nem mais, ou talvez só mais um bocadinho... O João Miranda explica ao Pedro Lomba...

E eu ainda acrescentava duas perguntas.

1. Para o Pedro Lomba perceber o George W. Bush quer dizer, conseguir dizer alguma coisa simpática a respeito do homem? (Coisa que ele parece, por sinal, ter alguma dificuldade em fazer).
2. Desde quando é que boa análise implica convivio com a diferença?

Conhece os teus inimigos diz Pedro Lomba e Mao. Eu acrescentaria, a partir dos bolinhos chineses ou de Sun Tzu: conhece o teu inimigo, e conhece-te a ti mesmo e em mil batalhas nunca serás vencido! Ou seja, nos tempos que correm é essencial conhecer Bin Ladin. Mas segundo Lomba quem bem conhece melhor convive (com a diferença), e portanto devemos ser todos amigos da (muito diferente) al-Qaeda?! E que tal (re)conhecer alguns problemazinhos no nosso Ocidente?

O problema do Pedro Lomba é que lhe falta a coragem de aceitar que uma not-very-intelegent-person (para citar o Bill Bryson) pode ser presidente do Estado mais poderoso do mundo, eleito pela maioria dos Americanos. Nada fácil, mas possivel com uma máquina politica muito professional e um aspecto de cowboy conservador, porreiro para os de dentro e duro para os de fora. Recomendo-lhe a (re-)leitura dos (nossos) clássicos. Tácito ou Suetónio, por exemplo, para apurar o sentido trágico da história.
 
novembro 09, 2004
  Endereço errado O Francisco José Viegas vem dizer algo que devia ser óbvio, mas que nem por isso deixa de ser importante. Os EUA são muita coisa. São um país enorme e de enormes extremos. Simon Schama, o historiador de Cambridge há uns anos a viver um exílio dourado em upper state New York publicou recentemente um texto no Guardian em que proclama o nascimento oficial dos Divided States of America. Por isso, Bush, apesar de tudo, apenas conseguiu ser eleito (finalmente, ao fim de quatro anos!) por uma margem estreita. Por isso, quer o anti-americanismo primário, quer o pró-americanismo primário dão uma visão falsa dos EUA.

Mas, ao contrário do que diz FJV, não creio que a direita portuguesa perceba ou conviva melhor com a realidade americana. Por exemplo, continua a insistir que Bush ganhou de forma esmagadora! Mais, tem grandes problemas em conviver com o verdadeiro Bush, que como ele mesmo diz, é uma pessoa bem simples. Ou em aceitar as verdadeiras razões da vitória de Bush, qual sejam, o seu moralismo e securitarismo. Isto, quando todos os dados disponíveis e todas as análises sérias apontam nesse mesmo sentido. A complexidade americana é chata para quaisquer ortodoxias, concordo. Mas actualmente a ortodoxia dominante em Portugal sobre a América é de direita, ou pelo menos pró-Bush.
 
  Os custos da liberdade de expressão Este aspecto central de qualquer regime liberal nunca vai deixar de provocar ataques. Uma voz livre incomoda muita gente. O caso Marcelo mostra como é fácil (ou melhor, como pode ser fácil) usar meios ‘cordiais’ para tentar amenizar ou calar críticas. Mas não passa da ponta de um icebergue, por vezes manchado com sangue. Há, ainda hoje, quem recorra a formas óbvias mas terrivelmente definitivas de calar vozes incómodas. O assassínio macabro de Theo van Gogh mostra como se pode pagar um preço terrível por confrontar com palavras pouco amenas o fundamentalismo islâmico na civilizada Holanda. A morte não menos trágica de Anna Lindt lembra quanto pode custar confrontar o fundamentalismo anti-europeu na civilizada Suécia. E todos os anos (pelo menos) algumas dezenas de jornalistas morrem pela liberdade de relatar o que entendem.

Claro que insultos, ameaças e actos violentos não são a mesma coisa. Podem não passar para os autores de uma forma de humor (de muito mal gosto, em todo o caso). Para mim é evidente que qualquer forma de ameaça mais ou menos velada deve ser denunciada, senão corremos o risco de lentamente começar a tolerar o intolerável. Foi o que fez o Pedro Oliveira em relação aos ataques abusivos ao texto do Rui Ramos nos comentários no Barnabé. (Desculpem o atraso, mas apenas recentemente me alertaram para a gravidade dos ataques ao texto de apoio de Rui Ramos a George Bush).

Nem sempre leio as caixas de comentários, sobretudo por falta de tempo. Mas o facto de por vezes eles se aproximarem do insulto também não ajuda a motivar a leitura. Os que abusam deste meio acabam assim por prejudicar aqueles, e são muitos, que se dão ao trabalho de escrever textos interessantes neste espaço aberto a todos. Foi por ai que me comecei a interessar pela blogosfera. Os autores do Barnabé são vítimas frequentes deste abuso do seu empenho em promover a discussão livre, e têm, por isso, o trabalho adicional de andar a ‘limpar’ o lixo que é dirigido a eles ou a outros alvos.

Nunca é demais repetir que só quem não tem outros argumentos usa o insulto e a violência. Os supostos defensores de verdades sagradas só mostram a fragilidade das suas crenças supostamente inabaláveis quando têm de recorrer a meios extremos para as defender de simples palavras e argumentos. A tolerância não é sinal de fraqueza de convicções, mas da sua força. E a recusa das ortodoxias confortáveis é o preço do pensamento original e do debate criativo. Estou certo de que, nem o Pedro Oliveira (e demais barnabés), nem o Rui Ramos se deixarão abalar por estes acidentes de profissionais da pena. Mas que isto não deve passar em branco, não deve.
 
novembro 08, 2004
  CARTAS DE LONDRES ERROU Aproveito a oportunidade para CORRIGIR dois dados importantes na minha análise da ESTRONDOSA vitória de BUSH por uns esmagadores 51% (SIM 51%!!!) dos votos.

De acordo com o Times de ontem (ando cada vez mais esquerdista: basta digitar 'moral majority'), 22% dos votantes, e não 20% como tinha antes afirmado, declararam que problemas morais foram o aspecto mais importante a determinar o seu voto. Dos quais 80% votaram em Bush. Com as minhas humildes desculpas ficam aqui registadas as correcções.

PS Sobre estes meus erros, vale a pena ler este texto de (outro) perigoso esquerdista, Simon Jenkins.
 
  Cordialidades importantes Noto com gosto o gesto do timoneiro do Acidental. Pois sempre defendi que se devem observar regras minimas num debate, mesmo vivo. O que não se deve confundir com o fim da ironia e mesmo do sarcasmo num blogue com um nome algo queiroziano. Dai acidentados ou... timoneiro. E menos ainda com qualquer vontade de chegar a um acordo de cavalheiros quanto aos temas em debate, como o Paulo Pinto Mascarenhas igualmente nota. Por isso, para citar esse grande estadista actual: Bring'em On!
 
  Diplomacias Estive há uns dias com um diplomata americano altamente colocado. Extremamente simpático, claro. Um bom exemplo da vida perigosa dos diplomatas de que poucos desconfiam: desde tiros no Curdistão até pedradas num bairro de judeus ortodoxos em Jerusalém.

Off record, claro, ele reconhece que teria a vida mais fácil com Kerry. Mas faz questão de dizer que trabalhou com excelentes secretários de Estado dos dois partidos desde o tempo de Reagan. Claro que o problema é precisamente que o Secretário de Estado, o excelente Colin Powell, tem tão pouco poder na Administração. Ele dá como quase certa a sua saída. Mas, apesar disso, tentou contrariar parcialmente esta ideia dizendo que a competição entre Defesa e Estado é antiga. O que é verdade, mas também é verdade que nunca os diplomatas foram tão pouco ouvidos como por Bush.

Quanto primeira mensagem de Bush para fora dos EUA, em que ele diz 'whatever our past disagreements, we share a common enemy and common duties. Every civilised country has a stake in the outcome of this war'. Para mim era evidente que isto não era muito promissor em termos de significar mais consulta dos aliados, mais disponibilidade para ter em conta os pontos de vista e interesses da Europa. É que deveres não se discutem, e aparentemente quem se atrevesse a discuti-los não seria civilizado, e estaria disposto a servir os interesses do inimigo. Ou seja, Bush limitava-se a dar mais uma oportunidade ao resto do mundo para reconhecer que ele tinha toda a razão.

Ele concordou (para meu espanto diga-se), mas acrescentou que os europeus deviam mesmo assim usar este tipo de discurso e avançar propostas concretas. (Ou seja, dêem qualquer coisa com que trabalhar!) Como lhe disse para mim é claro que, mesmo com Bush, os aliados europeus e os EUA deviam procurar o mais possível encontrar áreas em que pudessem trabalhar em conjunto. Mas parece-me difícil. Bush parece só pensar no terrorismo, e aí a cooperação já existe (e.g. ao nível dos serviços de informações). Mas em questões essenciais como a Palestina, Quioto, TPI, tratados anti-proliferação, etc; não parece existir interesse americano ou grande espaço de manobra. Ele mostrou alguma esperança quanto ao primeiro e ao último ponto. Esperemos...
 
  Q & A, Pergunta & Resposta Pergunta de novo João Miranda:

E o envolvimento americano no Iraque não é feito também ao abrigo de claríssimas deliberações das Nações Unidas?

Eu repito mais uma vez, uns meses depois, e ainda esperando contra-resposta dele: NO, no and no.

Quanto ao multilateralismo francês, sempre acrescentaria o seguinte (como diria Dupont ou Dupond).

Ou o interesse nacional deve prevalecer sempre, doa a quem doer. Na linha do que dizem os EUA de Bush (coalition of the willing etc.) e os seus aliados. E portanto Paris pode evidentemente fazer a mesma coisa que Washington. Neste caso os franceses podiam intervir na Costa do Marfim sem problemas quando e como lhes apetecesse, desde que o seu interesse nacional estivesse em risco.

Ou, tem de se respeitar a lei internacional e Paris tinha de agir de forma mais legalista. Ora foi precisamente isso que sucedeu! As tropas francesas intervieram na Costa do Marfim a pedido do governo local. Algo que a lei internacional permite sempre, e mais ainda neste caso em que existe um tratado bilateral de defesa. E para mais Paris ainda pediu o assentimento da ONU, que lhe foi dado. Onde está o problema!?!

As coisas correm mal no terreno, e alguns locais chamam a tudo isto uma aventura neo-colonial e falam, vejam bem, de oil, oil, oil? Bem e no Iraque!?! Em suma argumentos completamente contraditórios!

Sobretudo porque não vejo como é que o facto de os franceses eventualmente agirem de forma criticável do ponto de vista dos que argumentaram contra a guerra no Iraque, afecta a validade desses mesmos argumentos. (Argumentos que variaram muito diga-se. No meu caso tiveram sobretudo a ver com a forma como os EUA conduziram deliberadamente a questão por forma a afirmar-se como poder dominante; com o sentido que a campanha fazia em termos de combate ao terrorismo; e com o (não)-planeamento do que se iria seguir a Saddam).

Quem tentou transformar tudo isto num despique birrento entre Paris e Washington não fui eu de certeza, mas antes o aparelho de propaganda de Bush e Blair e os seus ecos portugueses.
 
novembro 05, 2004
  Facets of Power Um leitor pediu por e-mail informação sobre os papers desta conferência e em vez de clicar no botão responder, cliquei no botão apagar! Aqui ficam as desculpas e a resposta.

Durante a semana encontrei um dos organizadores no Café Nero no Strand – the best coffee this side of Milan, o que quer dizer alguma coisa, mas não muito... O Mike estava a afogar em cafeína as mágoas pós-eleitorais, mas garantiu-me que vão tentar disponibilizar os papers, que supostamente estamos a rever tendo em conta as animadas discussões, nas próximas semanas (digamos que estou um bocadinho atrasado...).

Entretanto, e especificamente sobre o Steven Lukes, o orador principal, a sua comunicação foi uma síntese do livro Power : A Radical View. Nesta segunda edição Lukes, um percursor de uma noção menos ‘dura’ do poder, desenvolve bastante as suas ideias. Ele não é, diga-se, um entusiasta cego da versão mais ‘mole’ de poder, mas defende um entendimento que tenha em conta a complexidade da noção de poder.

Na discussão que tive com ele sobre o assunto, ele concordou ser simplista acreditar, como o grande advogado actual do soft power, Joseph Nye parece crer, que este tipo de poder não provoca também resistência e ressentimento. (Nye faz apenas referência en passant aos wahabitas e outros islamistas como soft power concorrente.) Mesmo que seja verdade que nenhuma estratégia de poder pode ser bem sucedida sem ter em conta as dimensões menos óbvias do poder.

No entanto, a discussão resvalou cada vez mais, com grande entusiasmo dele, para uma discussão sobre a natureza e os limites do poder legítimo num regime liberal, e confesso que apesar de haver uma colega polaco-britânica a preencher bem o papel, senti a falta do João Miranda (pois xenofobia na Europa anti-Bush, felizmente que isso não existe nos EUA! leia o livro de Anatol Lieven e depois diga qualquer coisa).

Lukes acrescentou ainda com piada que, comparado com Foucault ou outros ícones da teoria crítica pós-modernista (que, por exemplo, revelaram um grande desconforto com o conceito de terrorismo), ele deveria realmente intitular o seu livro, Power : Not such a radical view, mas não resultaria tão bem... Na verdade, como marketing intelectual, acrescentei eu, a ideia de soft power parece imbativel...
 
  Ainda as eleições norte-americanas e os comentários portugueses A esquerda, dizem-me, tem dificuldades em explicar os resultados de Bush. Não devem estar a falar de mim de certeza. Na verdade, a direita bloguistica é que parece ter dificuldade em digerir o seu significado.

A margem foi mais clara desta vez, mas três milhões de votos de diferença traduzem-se em 51% contra 49%. O que dificilmente significa um mandato claro para uma agenda conservador radical como Cheney, o homem que votou contra a libertação de Nelson Mandela ou refeições nas escolas para crianças sem meios, veio reclamar. Mas ficámos esclarecidos quanto às intenções do verdadeiro senhor da Casa Branca. Bush foi o presidente com o mais votos (em termos absolutos, claro)? So what? Também Kerry foi o não presidente com mais votos (em termos absolutos, claro), porque nesta eleição votou mais gente do que em qualquer outra!

O meu libertário preferido de direita argumenta que os resultados em Washington DC (90% a favor de Kerry), querem dizer que o sistema está contra Bush! Ora amigo Luis a explicação é muito simples e nada tem a ver com o Estado ou o statu quo votarem Kerry. Em DC existe uma forte concentração de população negra (c. 90%), a qual votou 90% em Kerry!

Eu falei no texto que publiquei aqui que o resultado final mostraria se o moralismo e securitarismo de Bush conseguiam ou não convencer o eleitorado. Ou se, pelo contrário, as minorias e os jovens mais avessos a esse tipo de discurso, levariam a vantagem.

Ora, lendo o Finantial Times de ontem, os dados batiam perfeitamente certo com essas minhas previsões. Valores morais e (in)segurança eram as principais prioridades referidas pelos vontantes (20% e 16% respectivamente). No grupo dos religiosos praticantes quatro vezes mais votaram em Bush do que em Kerry. Todas as minorias deram uma vantagem clara a Kerry, mas os brancos votaram 60% em Bush. E os eleitores mais jovens votaram em menor numero do que se esperava, o que evidentemente jogou contra Kerry.

A direita portuguesa gosta de ganhar por interposta pessoa, mas parece ter dificuldade em assumir o que Bush realmente representa. O João Miranda vem dizer que Bush teve muitos votos em todos os principais grupos na sociedade americana, e depois cita percentagens que mostram que perde em quase todos eles com margens significativas! Viva o rigor, mas quanto a argumentos convincentes fica um bocadinho a desejar! Finalmente para quem quiser um estudo aprofundado deste nacionalismo americano agora triunfante, recomendo o livro excelente que estou a ler de Anatol Lieven, America Right or Wrong.
 
novembro 03, 2004
  Bush em rigor (Bis) Em Portugal nas colunas de opinião e na blogosfera reina a ideia de que não se pode acusar Bush de ser burro como uma porta. Isso seria falta de rigor. Agora que ele ganhou quero com espirito de perfeita justiça deixar as coisas claras. Vencer não é convencer. Ou o Hitler passou a ser um excelente ser humano depois de ganhar em 1933? O que Miranda & Mascarenhas etc. parecem não querer ver é que um presidente burro mas conservador - e evidentemente as duas coisas não estão necessariamente ligadas, dai ser importante alertar para o facto - pode vencer nos EUA neste momento, porque existe uma maioria conservador, num pais que nem por isso deixa de estar extremamente dividido. Parem de querer tapar o sol com a peneira, seria o meu conselho.

Isso e recomendar a leitura de um texto do genial Bill Bryson. Foi publicado num suplemento do Times de segunda-feira (basta digitar o nome do autor no site e ele aparece). A capa é um George W. Bush em campanha, heroicamente de volta de uma espiga de milho cru, que ele tinha acabado de comprar numa paragem no Iowa, como nos informa Bryson: He proceeded to try to eat it raw, discovering what all other grown people know already, that isn’t remotely satisfactory’ Como vêem um jornal com grandes tradições esquerdista daqui de Londres não têm pruridos que existem em Portugal na imprensa ‘de esquerda'. Mas querem mais? In the same week, while fishing, President Bush tossed his dog a live fish to torment to death on the lawn. Isto meu caro Luciano não tem nada a ver com problemas com a lingua inglesa.

O Bill Bryson como bom americano diz que:
I hesitate to show disrespect for the President because, as the radio talk show people constantly remind us, criticising the President (or any of his actions, or the actions of anyone who has a gun or wears an American flag on his lapel, or such a person’s mother) gives comfort to the enemy, so I’ll just say very quietly that both of these incidents made him look just a little bit not-too-smart. Yet neither action, as far as can be told, affected Mr Bush’s standing with the electorate even a trifle.
E refere que parte da resposta resulta do facto de que George Bush is unquestionably the winner in the regular guy department. Like all successful presidents, he is effortlessly comfortable with people and wholly unashamed to be folksy, and there is no question that he inspires trust. His wife is adored universally. E isto conta nos EUA, onde, como me diz um amigo americano, muita gente vota no tipo que mais gostava de convidar para um jantar com a familia...

Eu penso que tem tudo a ver com o aparelho político dirigido por Karl Rove (que Bush no seu victory speech chamou The Architect, e ele deve saber) tem como dois princípios nunca reconhecer nada, especialmente a verdade, e atacar tudo no adversário, em especial o que parece inatacável, como o facto de Kerry ter combatido heroicamente no Vietname.

Nos EUA ainda se percebe que estes truques sujos sejam vistos como necessários para eleger um presidente evidentemente incapaz. Mas que sentido faz reproduzir isto em Portugal? Mas talvez tudo isto seja apenas o resultado de estar a viver no Reino Unido, um país onde mesmo muitos conservadores se recusam a fechar os olhos às asneiras de Bush.

Por isso tal como Bill Bryson acho a misteriosa bossa no casaco de George Bush no famoso debate um bom sinal: I would be pleased to see him getting all the help with his thinking that he can. (E acrescenta: Whatever your feelings, you have to concede that a radio transmitter would explain a great deal, not least Mr Bush’s interesting tendency to order himself to pipe down at odd moments in the debates. Days before any thought of wireless nefariousness entered my head, I remember being struck that Mr Bush referred to the Italian Prime Minister as “Sylvia Burrus”, and then, a minute or two later, when the name was no longer conspicuously germane, blurted out “Silvio Berlusconi!” as if it had just miraculously come to him. Which, as we now know, it may well have.)

E pelo menos vamos ter com que nos divertir, enquanto as calotas polares derretem calmamente...
 
  In victory we see light and darkness Para quem esperava um viragem de Bush, o discurso de hoje deve ter esclarecido as coisas [pelo menos a mim esclareceu].

Our military has brought justice to the enemy and honour to America [Abu Ghraib]. Our nation has defended itself and served the freedom of all mankind [Patriot Act].

I'm proud to lead such an amazing country, and I am proud to lead it forward. Because we have done the hard work, we are entering a season of hope [for my friends]. We will continue our economic progress.

We will reform our outdated tax code [$$$]. We will strengthen the Social Security for the next generation [Drug folks ;)]. We will make public schools all they can be [and no more], and we will uphold our deepest values of family and faith [cruzade]. We will help the emerging democracies of Iraq and Afghanistan so they can grow in strength and defend their freedom [finally!], and then our servicemen and women will come home with the honour they have earned [unlike me in Vietnam].

With good allies at our side, we will fight this war on terror with every resource of our national power so our children can live in freedom and in peace. Reaching these goals will require the broad support of Americans...

Pelos vistos Bush precisa do apoio de todos dentro dos EUA, mas fora, bastam alguns good allies. Ainda bem! Mas deixem de chatear os franceses.

Um pouco mais seriamente cabe comentar que um triunfo desta magnitude retira qualquer desculpa a Bush. Ele controla completamente o Congresso. Agora pode provar o que realmente vale.

Para os mais desanimados com a perspectivo deixo estas palavras do velho Guillerme de Orange que o guiaram um muitas dificuldades: Il est nul besoin d'esperer pour entreprendre, ni de reussir pourperseverer. Ou como diria Xanana, resistir é vencer! Ou como diria Adenauer, a Europa será a nossa vingança!

 
  Election night Diverti-me, com boa companhia e boa comida americana (e canadiana). E quando me deitei as coisas ainda estavam em aberto. Neste momento claramente Bush tem vantagem, e se Kerry ganhar teria provavelmente menos votos do que o cowboy do Texas (suprema ironia!). A confirmar-se Bush pode agora mostrar-nos que o deficit doesn't matter, e como fazer do Iraque uma democracia modelo. Vou esperar sentado... Em todo o caso escrevi um texto mais longo para aqui.

Mas se preferirem um poste curto recomendo este...
 
novembro 02, 2004
  Let Freedom reign! Hoje acordei optimista quanto às eleições americanas. Espero que os 5% de americanos que se decidem no dia de ir a votos também! Deve ter sido por acordar a ouvir num noticiário da BBC um senhor americano que estava a votar às seis e tal de manhã, e que com quarenta e tal anos nunca tinha votado! Mas Bush era demais, explicou, e tinha-o feito perceber como havia realmente coisas importantes na política. Kerry was the man!

Três coisas parecem-me claras:

1.Estas são as eleições mais importantes na história americana desde, provavelmente, 1860 (eleição de Lincoln), ou 1940 (reeleição de Roosevelt). E isso vai ver-se no número de votantes. O que tendencialmente favore os democratas.

2.Este referendo a Bush (e Kerry) vai ser uma boa amostra da natureza actual dos EUA: o liberalismo vai a triunfar sobre o conservadorismo (até porque o futuro do Supremo Tribuna está em jogo)? A esperança e a confiança vão vencer o medo e a suspeita?

3. Este referendo a Bush (e Kerry) vai ser um referendo à importância que os EUA dão actualmente ao resto do mundo e uma boa indicação da forma como querem lidar com ele no futuro: os aliados importam ou não? A decent regard for the opinion of mankind continua ser importante ou não? Vai triunfar um nacionalismo fechado e triunfalista, ou um patriotismo aberto e cosmopolita?

Todos teremos de tirar as consequências dos resultados. E critica de Rui Tavares aos apoiantes de Bush é bem certeira. Mas para fazer uma análise séria haverá que ter em conta a margem da vitória; e o facto de que por muito importantes que estas eleições sejam, os EUA são uma democracia e portanto dentro de quatro anos há mais...

Uma coisa é certa, nesta grande cidade americana que é Londres já se anunciam grupos de terapia colectiva para o caso de Bush ganhar. Talvez eu também vá.
 
  O Busílis da Questão ou Rui Ramos e George Bush O Rui Ramos é um historiador que eu muito admiro. Como admiro Fernando Rosas ou Vasco Pulido Valente. Escrevem bem, analisam bem, têm ideias novas e não fazem fretes (embora esteja consciente que muitos acham o contrário). Claro que haverá sempre quem diga que o bom historiador não se pode envolver politicamente. Para mim é claro que o bom historiador não deixa a política pré-determinar as suas conclusões. E isso até pode acontecer mais facilmente com alguém que acha que é “independente”, e pelo menos nestes casos sabemos bem de onde partem.

Ao contrário de muitos portugueses e tal como o Pedro Oliveira graças ao qual posso fazer este comentário, eu não gosto de ortodoxias. Por isso, aprecio a coragem de quem, como o Rui Ramos, em privado várias vezes ouvi criticar ou prever problemas que os advogados ardentes de Bush ignoravam, vir marcar uma posição: apesar de tudo acha Bush preferível a Kerry. Isto quando tantas vozes que elogiaram Bush estão silenciosas.

Como bom analista que é o Rui Ramos toca em vários pontos com os quais eu concordo. Mas as minhas conclusões são diametralmente opostas. Concordo, por exemplo que a ameaça do terrorismo islamista é bem real (mas não é o único problema importante). Os EUA são essenciais para a combater (mas não podem ganhar sozinhos). O ataque de 11 de Setembro legitimava uma resposta armada a esses grupos que têm objectivos ‘políticos por mais odiosos que sejam’ (mas não nos impede de analisar a sabedoria das respostas). Retaliações esporádicas e regime de sanções não são a solução (mas podem ser parte da solução, veja-se o caso da Líbia). O Iraque era um problema a precisar de solução (mas não de caos que foi o que sucedeu). Sobretudo, concordo, este é um combate essencialmente político, e se Kerry ganhar arrisca-se a ser culpado pelo desastre iraquiano.

Com o que não concordo fundamentalmente é que Kerry seja o representante de um mentalidade arqueológica ou não perceba a natureza da ameaça terrorista. Basta ler o programa eleitoral democrata, ou ver que o chefe da sua equipa de segurança Rand Beers trabalha em contra-terrorismo desde Ronald Regan (esse grande liberal!). Ele percebe muito melhor a natureza da ameaça do que Bush! Essa é a grande ironia. A equipa presidencial mais incompetente no campo da segurança das últimas décadas veste um fato de cowboy e consegue ser vista como dura mas eficaz. Dura pode ser, mas eficaz?!!?

Sobre este ponto recomendo a leitura do artigo no Atlantic Monthly de Outubro de James Fallows (que cito pois o acesso paga-se): 'As a political matter, whether the United States is now safer or more vulnerable is of course ferouciously controversial. […] But among national-security professionals there is surprisingly little controversy. […] I have sat though arguments among soldiers and scholars about whether the invasion of Iraque should be considered the worst strategic error in American history – or only the worst since Vietnam.’ E acaba a citar ‘a senior figure at one of America’s military-sponsored think-tanks’, que eu entretanto conheci (e que posso acrescentar é amigo pessoal de vários neo-conservadores): ‘“Let me tell you my gut feeling […] the Administration is full of shit. In my view we are much worse off now than when we went into Iraq. That is not a partisan position. I voted for these guys. But I think they are incompetent. And I have a very close perspective on what is happening. […] We are playing to the enemy’s political advantage.”’

Precisam de provas? Querem maior do que a cassete que Bin Ladin ofereceu de presente ao seu amigo George W? Numa guerra é uma regra essencial – já Sun Tsu há mais de 2500 anos o dizia – negar, sempre que possível, a iniciativa ao adversário. Ora Bush tem seguido exactamente o caminho que Bin Ladin esperava. A guerra e o caos no Iraque deram aos discursos de Usama, em que a Al-Qaeda é a vanguarda armada em defesa do Islão, uma credibilidade que antes não tinha.

Finalmente, o que é arqueológico é pensar que as ameaça sérias só podem vir de Estados que se combatem com um grande exército e armas cada vez mais sofisticadas e caras. É por não perceber que os Estados não são tudo na vida internacional, que a Administração Bush não consegui evitar o 11 de Setembro. O Rui Ramos diz que os serviços secretos não conseguiram ver a ameaça? Na altura Bush e companhia achava que a grande ameaça era a China! O responsável de contra-terrorismo, Richard Clark pediu uma reunião urgente sobre o assunto que demorou um ano a marcar! Um dos memos da CIA para o Presidente no verão de 2001 tinha como título ‘Bin Ladin quer atacar no interior dos EUA.’ Qual foi a reacção do presidente? Continuar de férias no Texas! (Bem sei que o homem não é um génio, mas caramba, mais claro do que isto?!)

Se Bush é tão eficaz a combater o terrorismo porque é que cinco chefes do contra-terrorismo se demitiram desde que ele tomou posse? Porque é que os atentados continuam a multiplicar-se por tudo o mundo? Porque é que os moderados e liberais no Médio Oriente afirmam que a sua política tem favorecidos os radicais? Kerry percebe que para ganhar contra insurreição à escala global tem de combater os terroristas e os que os apoiam, mas também conquistar ‘hearts and minds’ no mundo islâmico, de outra forma a hidra continuará a substituir as cabeças decapitadas.

Kerry propõe um combate em todas as frentes ao terrorismo: aumentando o número de tropas e o seu salário; mas investindo mais nas forças especiais; e apostando nos aliados, porque os EUA não podem ganhar sozinhos; e também no controlo da tecnologia nuclear; ou na segurança interna e na protecção civil; e last but not least no reavivar do processo de paz no Médio Oriente. (Já agora, como é que os islamistas podem destruir Israel, um Estado com mais de 100 ogivas nucleares e provavelmente o exército mais profissional do mundo?)

Embora o argumento em termos de política interna americana seja ainda mais óbvia, pois Bush foi simplesmente o mais desastrado e desastroso presidente americano desde pelo menos a Grande Depressão. E isso tenha evidentemente consequências em termos da economia mundial.Para mim o campo externo é o essencial, e neste campo só posso ‘votar’ Kerry. Sem ilusões de que ele salvará o mundo, mas com a certeza de que lidará com ele de forma mais sensata, seja ou não necessário recorrer à força. Pois o contrário seria impossível! Mas se o Rui Ramos não tivesse escrito o seu texto, e o Pedro Oliveira não o tivesse publicado, provavelmente não me teria dado ao trabalho de pensar tão a fundo no assunto...
 
Este é um blog liberal, cheio de convicções e à procura de patrocínios. Temas? As coisas que realmente (me) interessam. Procuramos, acima de tudo, seguir as máximas do nosso João das Regras «Olhai, porém vede!» e do imortal bispo inglês Joseph Butler, «Things and actions are what they are, and the consequences of them will be what they will be: why then should we desire to be deceived?» Divirtam-se, que nós também. Comentários: BrunoCardosoReis@sapo.pt

ARCHIVES
01/01/2004 - 02/01/2004 / 02/01/2004 - 03/01/2004 / 03/01/2004 - 04/01/2004 / 04/01/2004 - 05/01/2004 / 05/01/2004 - 06/01/2004 / 06/01/2004 - 07/01/2004 / 07/01/2004 - 08/01/2004 / 08/01/2004 - 09/01/2004 / 09/01/2004 - 10/01/2004 / 10/01/2004 - 11/01/2004 / 11/01/2004 - 12/01/2004 / 12/01/2004 - 01/01/2005 / 01/01/2005 - 02/01/2005 / 02/01/2005 - 03/01/2005 / 07/01/2005 - 08/01/2005 / 06/01/2006 - 07/01/2006 /


Powered by Blogger